quinta-feira, 18 de julho de 2013

Manifesto do Nada na Terra do Nunca



Resenha por Pedro Lobo Martins 

Lobão mostra a sua verve em seu Manifesto. Mostra a que veio e a que fica. Os brasileiros somos pequenos perante o mundo e queremos continuar assim. Não queremos crescer. Seres macunaímicos, temos a preguiça da província e todo o orgulho do mundo. Este é o seu manifesto aos "bundas-moles" do país. Que não valerá nada nesta terra de ouvidos moucos, nesta terra do autoengano, que se valoriza por seus piores defeitos, pelo seu primitivismo, pela sua precariedade e por seu nacionalismo chauvinista. Nesta terra de carolas estatizados, filhos de um marxismo guarani-Kaiowá de boutique. Nesta terra que construiu sua identidade  sobre a pobreza de um passado idealizado e não sobre a riqueza do futuro. Nesta terra de intelectuais e pseudo-intelectuais que amam a miséria.




Sim, que amam a miséria. A que lhes dá a força e a desculpa para patrulhar. A que lhes faz amar Cuba. Melhor: a que lhes faz querer que Cuba seja aqui. São nacionalistas reativos. E festeiros: quando não conseguem ler as notas de rodapé de O Capital, interrompem sua preguiça para pular carnaval. Que se manifestam, aliás, pulando carnaval. É que o pobre é o único produtor de cultura do Brasil. A cultura emana das favelas e do jogo do bicho, claro. E, assim, a classe média politicamente correta inicia sua "marcha a ré em direção à laje da Barbie, à MPB de segunda, ao pagode de terceira, ao forró de quarta, ao sertanejo de última". É sempre a mesma festa. Menos pros músicos patrulhados pela KGB da MPB. Este é o Lobão.

E viva a Terra do Nunca! A terra dos nacionalistas xenófobos, dos bichos-grilos ecológicos, dos ripongas neocomunistas e das ONGs de fachada. Todos a jactar-se, do alto de seu pedestal moral, de seu carnaval cultural. Mortos de medo, sempre, de serem comparados com o mundo civilizado e desmascarados diante da sua mediocridade, soberba, inoperância e impotência. E viva o pastiche brasílico: a grife "universitário", a Comissão da Verdade, Caetano e Gil. E Chico Buarque. A meia-entrada falsificada. E a meia-entrada de verdade. E viva o Roquenrrol!

Por falar em roquenrrol... a macunaimice musical deste país se traveste de garotos amestrados de sorriso infantil e idiota, mas não só disso: transparece na malgravação dos  nossos discos, na tecnofobia atávica da nossa alma, na falta de potência, timbre e arrojo da nossa produção. "Estamos no Brasil", mas era pra ser assim? Não, mas vai continuar sendo assim na terra da lei de proteção do artista nacional, da lei Rouanet e da lei de Gerson. Quem não quer mamar nas tetas do Estado? Só o Lobão. O Lobão que espera, sem esperar, o dia em que nos livraremos deste nosso nacionalismo malandro-agúlhico e da nossa síndrome de capacho de rendez-vous tupiniquínica para podermos escrever páginas mais gloriosas da nossa história.

Lobão, o reacionário. Este é definitivamente o Lobão. O Lobão branco-negro-índio macunaímico que não quer mais ser Macunaíma. Que sabe virar garimpeiro nos confins da Amazônia e que fica amigo do viralata da rua e do pato que acabou na panela. O Lobão também é bonzinho, ou quer parecer uma alma boa a seus leitores antes e depois de acionar a metralha. Mas ainda assim é posto para correr pelos rappers por ser roqueiro e por ter cara de branco. O Lobão, que é um filho da puta por não ser do time deles. O que denuncia o governo que prega o distanciamento entre as pessoas, o ódio às elites, ao lucro, ao patrão, ao heterossexual e ao religioso em geral.  Que acusa o governo macunaímico que divide  as pessoas, que adora a miséria e que vive da miséria.

Lobão, a besta enquadrada. Sim, Lobão foi enquadrado. Chegou a ir com a maré. Acreditou na propaganda. Era um imbecil na sua juventude, confessa. Acreditava que a esquerda funcionava e que Mao era um heroi. Achava mesmo que Fidel e Che eram uns caras legais. Fez comícios para o PT, para Eduardo Suplicy, este sim um cara legal de verdade. Conversou com Lula e Zé Dirceu. Estes achou esquisitos: seria um lampejo de razão? Parece que sim, pois logo percebeu tratar-se de uns sectários que queriam implantar o comunismo no Brasil. E locupletar-se. Não debandou logo para o lado dos outros, pois os outros, no Brasil, eram um bando de coronéis amorfos auxiliados por psicopatas torturadores. Alías, o coronelismo não acabou, entranhou-se na nossa alma e nos partidos políticos brasileiros. Pena. Foi só há poucos anos que percebeu que deveria parar de apoiar quem fazia ode à precariedade, ao mau-caratismo, à paralisia e ao "joão sem bracismo" macunaímicos.

Já deu pra perceber que Lobão tem um pé quilômetros atrás com Macunaíma. E com seu criador, Mário de Andrade. E com o outro Andrade, o Oswald. Um homem gentil e bem-intencionado que ajudou a dar alma ao demônio: o ser mais incapaz e o menos gabaritado, elevado de forma triunfal à condição de ente divino pela sua absoluta falta de condição de competir com outras culturas, por sua displicente ausência de mérito. Para Lobão, o Manifesto Antropofágico de 1928 tornou-se, para a sua e para a nossa infelicidade, a pedra fundamental do nosso pensamento e da nossa estética. Todos nós, a partir daí, tornamo-nos Macunaíma: Macunaíma somos todos nós.

Lobão não perdoa o modernismo. Seus conceitos estão "incrustados no nosso imaginário coletivo, no nosso caráter, na nossa cultura, na nossa vida, sem a menor resistência, sem o menor constrangimento, sem sequer o mínimo questionamento, quando não com um absoluto e incondicional fervor religioso por esse acontecimento que marca nossa história e nossa psique de forma indelével". Seus motes têm " o nacionalismo como roteiro, a precariedade como bandeira, a preguiça como virtude, a ausência de caráter como esperteza, as frases evasivas como estilo e a antropofagia como vingança caraíba da Pátria em relação ao mundo civilizado e também como desculpa para se permitir copiar as ideias de outras culturas e sair por cima, cozinhando um inimigo comestível como álibi": Antropofagia.

Lobão lamenta profundamente o advento do modernismo.  De suas entranhas saíram de tudo que é ruim um pouco, ou muito: a xenofobia que levou à proteção de mercado e ao intervencionismo estatal; a piedade preconceituosa dos imaculados Guaracis, Jacis e Iracemas  contra a vilania cultural do homem branco; o umbigocentrismo excludente;  o culto ao exótico e ao primitivo; a lusofobia que nos leva a querer reinventar a nossa língua; a monomania da festividade histérica e a ditadura da alegria encenada; a mania de troca interessada de favores que redundou na distribuição de bolsas, cotas, vales, cargos de confiança e propinas; a outra mania de achar que devemos responder solidariamente pelos erros dos outros; o universitário médio que lê menos de um livro por ano, em geral de auto-ajuda ou de  doutrinas fajutas da esquerda; a esperteza retrô-chique contra povos cultos e cristianizados. Como um Gregório de Matos, um boca do inferno, um boca de brasa do século XXI, Lobão sabe cuspir fogo: embasbaca-se com "a bundamolice comportamental; a flacidez filosófica e a mediocridade nacionalista" de um povo que almeja, antes de tudo, "ser funcionário público, militante de partido, intelectual subvencionado pelo governo ou celebridade de televisão".



Lobão escreve como uma pessoa de espírito livre. Talvez, ao contrário de tantos de nós, não tenha o telhado de vidro ou o rabo preso. Ou já tenha cumprido suas penitências em seus mais de cinquenta anos a mil. Fala com clareza o que quer e o que pensa. E acerta o alvo quase sempre neste seu novo livro.

Um Manifesto contra tudo em uma terra que, desconfio, nunca o ouvirá.


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