Lobão mostra a sua verve em seu Manifesto. Mostra a que veio e a que fica. Os brasileiros somos pequenos perante o mundo e queremos continuar assim.
Não queremos crescer. Seres macunaímicos, temos a preguiça da
província e todo o orgulho do mundo. Este é o seu manifesto aos
"bundas-moles" do país. Que não valerá nada nesta terra de ouvidos
moucos, nesta terra do autoengano, que se
valoriza por seus piores defeitos, pelo seu primitivismo, pela sua precariedade
e por seu nacionalismo chauvinista. Nesta terra de carolas estatizados, filhos
de um marxismo guarani-Kaiowá de boutique. Nesta terra que construiu sua
identidade sobre a pobreza de um passado
idealizado e não sobre a riqueza do futuro. Nesta terra de intelectuais e
pseudo-intelectuais que amam a miséria.
Sim, que amam a miséria. A que
lhes dá a força e a desculpa para patrulhar. A que lhes faz amar Cuba. Melhor: a que lhes faz querer que Cuba seja aqui. São nacionalistas reativos. E festeiros: quando não conseguem
ler as notas de rodapé de O Capital,
interrompem sua preguiça para pular carnaval. Que se manifestam, aliás, pulando
carnaval. É que o pobre é o único produtor de cultura do Brasil. A cultura
emana das favelas e do jogo do bicho, claro. E, assim, a classe média
politicamente correta inicia sua "marcha a ré em direção à laje da Barbie,
à MPB de segunda, ao pagode de terceira, ao forró de quarta, ao sertanejo de
última". É sempre a mesma festa. Menos pros músicos patrulhados pela KGB da MPB. Este é o Lobão.
E viva a Terra do Nunca! A terra dos
nacionalistas xenófobos, dos bichos-grilos ecológicos, dos ripongas
neocomunistas e das ONGs de fachada. Todos a jactar-se, do alto de seu pedestal moral,
de seu carnaval cultural. Mortos de medo, sempre, de serem comparados com o
mundo civilizado e desmascarados diante da sua mediocridade, soberba, inoperância
e impotência. E viva o pastiche brasílico: a grife "universitário", a
Comissão da Verdade, Caetano e Gil. E Chico Buarque. A meia-entrada
falsificada. E a meia-entrada de verdade. E viva o Roquenrrol!
Por falar em roquenrrol... a
macunaimice musical deste país se traveste de garotos amestrados de sorriso
infantil e idiota, mas não só disso: transparece na malgravação dos nossos discos, na tecnofobia atávica da nossa
alma, na falta de potência, timbre e arrojo da nossa produção. "Estamos no
Brasil", mas era pra ser assim? Não, mas vai continuar sendo assim na
terra da lei de proteção do artista nacional, da lei Rouanet e da lei de
Gerson. Quem não quer mamar nas tetas do Estado? Só o Lobão. O Lobão que espera,
sem esperar, o dia em que nos livraremos deste nosso nacionalismo
malandro-agúlhico e da nossa síndrome de capacho de rendez-vous tupiniquínica para podermos escrever páginas mais
gloriosas da nossa história.
Lobão, o reacionário. Este é definitivamente o Lobão. O Lobão branco-negro-índio macunaímico que não quer
mais ser Macunaíma. Que sabe virar garimpeiro nos confins da Amazônia e que fica amigo do viralata da rua e do pato que acabou na panela. O Lobão também é bonzinho, ou quer parecer uma alma boa a seus leitores antes e depois de acionar a metralha. Mas ainda assim é posto para correr pelos rappers por
ser roqueiro e por ter cara de branco. O Lobão, que é um filho da puta por não
ser do time deles. O que denuncia o governo que prega o distanciamento
entre as pessoas, o ódio às elites, ao lucro, ao patrão, ao heterossexual e ao
religioso em geral. Que acusa o governo macunaímico
que divide as pessoas, que adora a miséria e que vive da miséria.
Lobão, a besta enquadrada. Sim,
Lobão foi enquadrado. Chegou a ir com a maré. Acreditou na propaganda. Era um imbecil na
sua juventude, confessa. Acreditava que a esquerda funcionava e que Mao era um
heroi. Achava mesmo que Fidel e Che eram uns caras legais. Fez comícios para o
PT, para Eduardo Suplicy, este sim um cara legal de verdade. Conversou com Lula
e Zé Dirceu. Estes achou esquisitos: seria um lampejo de razão? Parece que sim, pois logo percebeu tratar-se
de uns sectários que queriam implantar o comunismo no Brasil. E locupletar-se.
Não debandou logo para o lado dos outros, pois os outros, no Brasil, eram um
bando de coronéis amorfos auxiliados por psicopatas torturadores. Alías, o coronelismo não acabou, entranhou-se na nossa alma e nos partidos políticos brasileiros. Pena. Foi só há poucos
anos que percebeu que deveria parar de apoiar quem fazia ode à precariedade, ao
mau-caratismo, à paralisia e ao "joão sem bracismo" macunaímicos.
Já deu pra perceber que Lobão tem
um pé quilômetros atrás com Macunaíma. E com seu criador, Mário de Andrade. E com o outro Andrade, o Oswald. Um
homem gentil e bem-intencionado que ajudou a dar alma ao demônio: o ser mais incapaz e o
menos gabaritado, elevado de forma
triunfal à condição de ente divino pela sua absoluta falta de condição de
competir com outras culturas, por sua displicente ausência de mérito. Para
Lobão, o Manifesto Antropofágico de 1928 tornou-se, para a sua e para a nossa infelicidade, a
pedra fundamental do nosso pensamento e da nossa estética. Todos nós, a partir
daí, tornamo-nos Macunaíma: Macunaíma somos todos nós.
Lobão não perdoa o modernismo. Seus
conceitos estão "incrustados no nosso imaginário coletivo, no nosso
caráter, na nossa cultura, na nossa vida, sem a menor resistência, sem o menor
constrangimento, sem sequer o mínimo questionamento, quando não com um absoluto
e incondicional fervor religioso por esse acontecimento que marca nossa
história e nossa psique de forma indelével". Seus motes têm " o
nacionalismo como roteiro, a precariedade como bandeira, a preguiça como
virtude, a ausência de caráter como esperteza, as frases evasivas como estilo e a antropofagia como vingança caraíba da Pátria em relação ao mundo civilizado e
também como desculpa para se permitir copiar as ideias de outras culturas e
sair por cima, cozinhando um inimigo comestível como álibi": Antropofagia.
Lobão lamenta profundamente o
advento do modernismo. De suas entranhas
saíram de tudo que é ruim um pouco, ou muito: a xenofobia que levou à proteção de mercado
e ao intervencionismo estatal; a piedade preconceituosa dos imaculados Guaracis, Jacis e
Iracemas contra a vilania cultural do homem branco; o
umbigocentrismo excludente; o culto ao
exótico e ao primitivo; a lusofobia que nos leva a querer reinventar a nossa
língua; a monomania da festividade histérica e a ditadura da alegria encenada;
a mania de troca interessada de favores que redundou na distribuição de bolsas,
cotas, vales, cargos de confiança e propinas; a outra mania de achar que
devemos responder solidariamente pelos erros dos outros; o universitário médio
que lê menos de um livro por ano, em geral de auto-ajuda ou de doutrinas fajutas da esquerda; a esperteza
retrô-chique contra povos cultos e cristianizados. Como um Gregório de Matos,
um boca do inferno, um boca de brasa do século XXI, Lobão sabe cuspir fogo: embasbaca-se
com "a bundamolice comportamental; a flacidez filosófica e a mediocridade
nacionalista" de um povo que almeja, antes de tudo, "ser funcionário público,
militante de partido, intelectual subvencionado pelo governo ou celebridade de
televisão".
Lobão escreve como uma pessoa de espírito livre. Talvez,
ao contrário de tantos de nós, não tenha o telhado de vidro ou o rabo preso. Ou já tenha cumprido suas
penitências em seus mais de cinquenta anos a mil. Fala com clareza o que quer e o que pensa. E acerta o alvo quase sempre neste seu novo livro.
Um Manifesto contra tudo em uma terra que, desconfio, nunca o ouvirá.
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