terça-feira, 27 de agosto de 2013

Comprão-se escravos. Paga-se bem.






Por Pedro Lobo Martins



Como Começar a Melhorar o SUS

O Governo Federal, em seu ímpeto eleitoreiro/ideológico entre imposições e recuos estratégicos, tem que entender:

1) Que existe uma Constituição Federal a que ele é obrigado a obedecer.

2) Que existem Leis a que ele é obrigado a obedecer.

3) Que existem liberdades individuais que ele deveria respeitar.




 A saúde, pela Constituição Federal, é dever do Estado. Só que o Estado gasta pouco com o SUS e muito com uma miríade de coisas com que não é obrigado a gastar e com que não deveria gastar, incluindo bolsas pseudo-temporárias de cunho eleitoreiro e publicidade, entre tantas outras despesas inócuas, ineficientes e ineficazes.

Não é tão difícil assim começar a melhorar a assistência à saúde no país. Para isso o governo deveria, pelo menos:

1) Destinar mais dinheiro ao SUS.

2) Pagar gestores suecos, cubanos , suíços, norte-coreanos, americanos, japoneses e da Conchinchina  para prestar consultoria aos pobres políticos/gerentes brasileiros a fim de estruturar os serviços de saúde. É fato: no Brasil profundo, com raras exceções os brasileiros não dão conta.

3) Construir serviços de saúde de acordo com a RDC ANVISA 50/2002, e não de acordo com a cabeça dos pobres políticos/gerentes brasileiros.





4) Contratar médicos brasileiros, cubanos, norte-coreanos, chechenos e da Conchinchina, mas exigir ao mesmo tempo deles que prestem o Revalida. Se a contratação não for temporária, deve cumprir a Lei e instituir concurso público para todos, pagando diretamente ao médico efetivado, e não indiretamente a um "eventual" governo terceiro-mundista ou não, comunista ou não, vendedor de mão-de-obra.

5) Contratar enfermeiros, técnicos de enfermagem, bioquímicos, técnicos de laboratório, técnicos de raios-x, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e todo o pessoal necessário, pois sem eles o médico não faz quase nada e o paciente não é integralmente assistido. Se a contratação não for temporária, deve cumprir a Lei e instituir concurso público para todos, pagando diretamente ao profissional efetivado e não indiretamente a um "eventual" governo terceiro-mundista ou não, comunista ou não, vendedor de mão-de-obra.

6) Fortalecer o Sistema de Vigilância Sanitária, pois sem ele os pobres políticos/gerentes brasileiros vão colocar seus interesses e conveniências acima dos interesses e necessidades dos pacientes. A Vigilância Sanitária deve garantir que a estrutura física, os equipamentos e os recursos humanos dos serviços de saúde sejam adequados e que os diversos processos integrem sistemas de segurança e garantia de qualidade eficazes. Além disso deve fazer com que a engrenagem não funcone só na base de lucros, nos estabelecimentos privados, ou só na base da política, nos serviços públicos.
 

7) Focar na medicina preventiva, de baixa densidade tecnológica.

8) Pagar bem aos profissionais envolvidos. O trabalho em saúde, não obstante seu caráter humanitário, segue inexoravelmente as leis irrevogáveis do mercado. Obs: só o trabalho forçado e os regimes totalitários não seguem as leis  do mercado.

 Por fim, o Governo deve lembrar-se de que não são os cidadãos que devem servir ao governo, mas é o governo que deve servir aos cidadãos individuais, com seus desejos e aspirações individuais. O papel do Estado não é o de suprimir os sonhos e ímpetos das pessoas, mas o de incentivá-los, considerando as necessidades coletivas, para que ajam sinergicamente em prol da sociedade. Em uma democracia de facto  as liberdades individuais não podem ser sacrificadas em prol de interesses ideológicos ou mesmo de necessidades reais, quando as alternativas são claras e alcançáveis.


Piezas a precios asequibles

É impressionante como a liberdade é menosprezada por nossos governantes e pelos eleitores que a eles deram seus votos. Quando as pessoas querem o impossível, somente os mentirosos podem satisfazê-las, disse Thomas Sowell. Durante séculos o Brasil trouxe da África milhões de escravos, pelos quais os chefes tribais africanos que operacionalizavam a "caça", sob ordens dos grandes traficantes, recebiam em troca aguardente, tecidos, quinquilharias e poder.

Hoje, este mesmo país não se envergonha em doar milhões ao regime de Fidel Castro em troca dos milhares de médicos que virão trabalhar no Brasil. Enquanto os médicos brasileiros vão ganhar cerca de R$10 mil, os seus colegas cubanos continuarão a ganhar pouco mais do que ganhariam na sua ilha de origem, ou seja, alguns trocados. E sem reclamar. O resto irá, via OPAS , para o regime de Cuba.



A reação do governo e de seus apoiadores aos protestos pretende negar o caráter escravagista da medida ao ressaltar que se trata apenas de terceirização de contrato de trabalho temporário. Mas  era exatamente este a característica da escravidão negra até o século XIX, dado que, devido à pequena expectiva de vida dos escravos, seu trabalho, na prática, assumia caráter temporário. Pergunte a Castro se ele permitirá que os seus médicos decidam o que fazer da vida quando quiserem. Pergunte a Castro se seus médicos poderão deixar sua ilha quando quiserem. Como todos os trabalhadores de Cuba, já eram escravos antes de deixarem Cuba. Apenas estão sendo comercializados, ou exportados, sob pretextos humanitários.








Que os Castro, como os antigos chefes tribais, não dão a mínima para as liberdades individuais ao agirem como traficantes de médicos-escravos para o mundo inteiro, não é nenhuma novidade. É como agem os comunistas e os coletivistas em geral. Uma medida não é automaticamente justificável quando beneficia a maioria. A população dos rincões do Brasil vai ser beneficiada, é claro. Como se beneficiavam da escravidão negra não só os proprietários de terra como toda a classe média urbana que usufruía de bens e serviços mais baratos. Até mesmo negros libertos saíam lucrando, pois muitos deles possuíam escravos. Mas, em pleno século XXI, devemos colocar os fins acima dos meios, ainda mais quando lidamos com a liberdade?


O que caracteriza os regimes coletivistas é, sobretudo, a abolição das liberdades individuais

O que assusta é como o PT e seus ministros, ao invés de atacarem um regime que cerceia a liberdade de seus cidadãos, agem em um conluio vergonhoso e anacrônico com o regime totalitarista inaugurado por Fidel para, com uma cajadada só:

1) auferir dividendos políticos junto aos seus eleitores, a maioria dos quais não faz exatamente elocubrações de filosofia política ante suas necessidades prementes. Vão é achar ótimo ser atendidos por escravos .

2) maquiar a situação calamitosa dos serviços públicos de saúde pelo Brasil afora: agora terão médicos sem qualificação auferida pelo Conselho Federal de Medicina através do Revalida e que, melhor ainda, não vão ousar reclamar da estrutura física precária, da gestão ineficiente, dos processos ineficazes, dos recursos humanos desqualificados e da falta de recursos materiais nos seus locais de trabalho.

3) contar com um exército, ainda que alófono, para proselitismo político;

4) ajudar a financiar o regime decrépito e moribundo dos Castro.





Em seu contrato "temporário" de três anos, os médicos cubanos serão supervisionados. Os feitores já estão abrindo vagas para capitães-do-mato. Dizem que os de cuba são os melhores.





É. Enquanto o SUS naufraga, os navios negreiros estão de volta.  E muitos brasileiros, cegos e surdos ao que acontece, acham ótimo!






quinta-feira, 18 de julho de 2013

Manifesto do Nada na Terra do Nunca



Resenha por Pedro Lobo Martins 

Lobão mostra a sua verve em seu Manifesto. Mostra a que veio e a que fica. Os brasileiros somos pequenos perante o mundo e queremos continuar assim. Não queremos crescer. Seres macunaímicos, temos a preguiça da província e todo o orgulho do mundo. Este é o seu manifesto aos "bundas-moles" do país. Que não valerá nada nesta terra de ouvidos moucos, nesta terra do autoengano, que se valoriza por seus piores defeitos, pelo seu primitivismo, pela sua precariedade e por seu nacionalismo chauvinista. Nesta terra de carolas estatizados, filhos de um marxismo guarani-Kaiowá de boutique. Nesta terra que construiu sua identidade  sobre a pobreza de um passado idealizado e não sobre a riqueza do futuro. Nesta terra de intelectuais e pseudo-intelectuais que amam a miséria.




Sim, que amam a miséria. A que lhes dá a força e a desculpa para patrulhar. A que lhes faz amar Cuba. Melhor: a que lhes faz querer que Cuba seja aqui. São nacionalistas reativos. E festeiros: quando não conseguem ler as notas de rodapé de O Capital, interrompem sua preguiça para pular carnaval. Que se manifestam, aliás, pulando carnaval. É que o pobre é o único produtor de cultura do Brasil. A cultura emana das favelas e do jogo do bicho, claro. E, assim, a classe média politicamente correta inicia sua "marcha a ré em direção à laje da Barbie, à MPB de segunda, ao pagode de terceira, ao forró de quarta, ao sertanejo de última". É sempre a mesma festa. Menos pros músicos patrulhados pela KGB da MPB. Este é o Lobão.

E viva a Terra do Nunca! A terra dos nacionalistas xenófobos, dos bichos-grilos ecológicos, dos ripongas neocomunistas e das ONGs de fachada. Todos a jactar-se, do alto de seu pedestal moral, de seu carnaval cultural. Mortos de medo, sempre, de serem comparados com o mundo civilizado e desmascarados diante da sua mediocridade, soberba, inoperância e impotência. E viva o pastiche brasílico: a grife "universitário", a Comissão da Verdade, Caetano e Gil. E Chico Buarque. A meia-entrada falsificada. E a meia-entrada de verdade. E viva o Roquenrrol!

Por falar em roquenrrol... a macunaimice musical deste país se traveste de garotos amestrados de sorriso infantil e idiota, mas não só disso: transparece na malgravação dos  nossos discos, na tecnofobia atávica da nossa alma, na falta de potência, timbre e arrojo da nossa produção. "Estamos no Brasil", mas era pra ser assim? Não, mas vai continuar sendo assim na terra da lei de proteção do artista nacional, da lei Rouanet e da lei de Gerson. Quem não quer mamar nas tetas do Estado? Só o Lobão. O Lobão que espera, sem esperar, o dia em que nos livraremos deste nosso nacionalismo malandro-agúlhico e da nossa síndrome de capacho de rendez-vous tupiniquínica para podermos escrever páginas mais gloriosas da nossa história.

Lobão, o reacionário. Este é definitivamente o Lobão. O Lobão branco-negro-índio macunaímico que não quer mais ser Macunaíma. Que sabe virar garimpeiro nos confins da Amazônia e que fica amigo do viralata da rua e do pato que acabou na panela. O Lobão também é bonzinho, ou quer parecer uma alma boa a seus leitores antes e depois de acionar a metralha. Mas ainda assim é posto para correr pelos rappers por ser roqueiro e por ter cara de branco. O Lobão, que é um filho da puta por não ser do time deles. O que denuncia o governo que prega o distanciamento entre as pessoas, o ódio às elites, ao lucro, ao patrão, ao heterossexual e ao religioso em geral.  Que acusa o governo macunaímico que divide  as pessoas, que adora a miséria e que vive da miséria.

Lobão, a besta enquadrada. Sim, Lobão foi enquadrado. Chegou a ir com a maré. Acreditou na propaganda. Era um imbecil na sua juventude, confessa. Acreditava que a esquerda funcionava e que Mao era um heroi. Achava mesmo que Fidel e Che eram uns caras legais. Fez comícios para o PT, para Eduardo Suplicy, este sim um cara legal de verdade. Conversou com Lula e Zé Dirceu. Estes achou esquisitos: seria um lampejo de razão? Parece que sim, pois logo percebeu tratar-se de uns sectários que queriam implantar o comunismo no Brasil. E locupletar-se. Não debandou logo para o lado dos outros, pois os outros, no Brasil, eram um bando de coronéis amorfos auxiliados por psicopatas torturadores. Alías, o coronelismo não acabou, entranhou-se na nossa alma e nos partidos políticos brasileiros. Pena. Foi só há poucos anos que percebeu que deveria parar de apoiar quem fazia ode à precariedade, ao mau-caratismo, à paralisia e ao "joão sem bracismo" macunaímicos.

Já deu pra perceber que Lobão tem um pé quilômetros atrás com Macunaíma. E com seu criador, Mário de Andrade. E com o outro Andrade, o Oswald. Um homem gentil e bem-intencionado que ajudou a dar alma ao demônio: o ser mais incapaz e o menos gabaritado, elevado de forma triunfal à condição de ente divino pela sua absoluta falta de condição de competir com outras culturas, por sua displicente ausência de mérito. Para Lobão, o Manifesto Antropofágico de 1928 tornou-se, para a sua e para a nossa infelicidade, a pedra fundamental do nosso pensamento e da nossa estética. Todos nós, a partir daí, tornamo-nos Macunaíma: Macunaíma somos todos nós.

Lobão não perdoa o modernismo. Seus conceitos estão "incrustados no nosso imaginário coletivo, no nosso caráter, na nossa cultura, na nossa vida, sem a menor resistência, sem o menor constrangimento, sem sequer o mínimo questionamento, quando não com um absoluto e incondicional fervor religioso por esse acontecimento que marca nossa história e nossa psique de forma indelével". Seus motes têm " o nacionalismo como roteiro, a precariedade como bandeira, a preguiça como virtude, a ausência de caráter como esperteza, as frases evasivas como estilo e a antropofagia como vingança caraíba da Pátria em relação ao mundo civilizado e também como desculpa para se permitir copiar as ideias de outras culturas e sair por cima, cozinhando um inimigo comestível como álibi": Antropofagia.

Lobão lamenta profundamente o advento do modernismo.  De suas entranhas saíram de tudo que é ruim um pouco, ou muito: a xenofobia que levou à proteção de mercado e ao intervencionismo estatal; a piedade preconceituosa dos imaculados Guaracis, Jacis e Iracemas  contra a vilania cultural do homem branco; o umbigocentrismo excludente;  o culto ao exótico e ao primitivo; a lusofobia que nos leva a querer reinventar a nossa língua; a monomania da festividade histérica e a ditadura da alegria encenada; a mania de troca interessada de favores que redundou na distribuição de bolsas, cotas, vales, cargos de confiança e propinas; a outra mania de achar que devemos responder solidariamente pelos erros dos outros; o universitário médio que lê menos de um livro por ano, em geral de auto-ajuda ou de  doutrinas fajutas da esquerda; a esperteza retrô-chique contra povos cultos e cristianizados. Como um Gregório de Matos, um boca do inferno, um boca de brasa do século XXI, Lobão sabe cuspir fogo: embasbaca-se com "a bundamolice comportamental; a flacidez filosófica e a mediocridade nacionalista" de um povo que almeja, antes de tudo, "ser funcionário público, militante de partido, intelectual subvencionado pelo governo ou celebridade de televisão".



Lobão escreve como uma pessoa de espírito livre. Talvez, ao contrário de tantos de nós, não tenha o telhado de vidro ou o rabo preso. Ou já tenha cumprido suas penitências em seus mais de cinquenta anos a mil. Fala com clareza o que quer e o que pensa. E acerta o alvo quase sempre neste seu novo livro.

Um Manifesto contra tudo em uma terra que, desconfio, nunca o ouvirá.


terça-feira, 9 de julho de 2013

Escravidão Médica





Por Pedro Lobo Martins

Antes de mais nada, sou médico e trabalho exclusivamente para o SUS. Acredito que, dentre as poucas obrigações do Estado estão as de usar o dinheiro dos impostos para pagar pelo fornecimento universal de saúde, educação e segurança, todos entendidos em sua dimensão mais ampla. Pagar pelo fornecimento e não fornecer, observe-se essa importante diferença conceitual. O Estado não fornece nada. As pessoas, sim.

Trabalho no SUS porque acredito estar contribuindo para esse "fornecimento" de saúde. Porque gosto, porque sou pago (ainda que mal) para isso, mas sobretudo porque quero. Não admitiria que fosse por obrigação.

O governo Dilma Rousseff, numa clara demonstração de seu viés fascista, vem com mais essa de obrigar os médicos a trabalhar para o SUS por dois anos, ao fim de sua formação. Com seu jeitão de chefona de gabinete do dirigismo estatal, que engraçada e anacronicamente até combina com seu sobrenome eslavo, atropela as entidades representativas e o próprio Congresso para entabular mais uma Medida Provisória de alcance permanente.




Não adianta maquiar as coisas. O PT pretende nos enganar ao dizer que o trabalho no SUS vai fazer parte da grade curricular, passando a compor o 7º e 8 º anos do Curso, que ora conta com "apenas" 6 anos, para beneficio da formação médica. Para meio entendedor é óbvio que isso é uma armadilha que significa o mesmo que obrigar alguém recém-formado a trabalhar por dois anos para o SUS onde o ministro bem entender e com uma irrecusável bolsa definida pelo próprio dito cujo. Isso mesmo para aqueles oriundos de faculdades particulares!

A reação a esse ato ditatorial tem sido menor do eu que gostaria. Mas não me surpreendo. As coisas caminham mais ou menos assim mesmo nas repúblicas bolivarianas, todas elas seguidoras da cartilha da esquerda fascista: primeiro cria-se um clima propício a mudanças "revolucionárias" (as manifestações das ruas por mais saúde, que não clamavam exatamente por escravidão médica, mas    tudo bem); depois cria-se um ato (ou MP) verticalíssimo que dá uma solução autoritária mas com bons resultados eleitoreiros no curto prazo, no sentido de fazer parecer beneficiar a maioria; então, os "inimigos do povo", que ousam apontar seus dedos para essas execrações, são eles mesmos execrados e os potenciais oponentes, cooptados, ou melhor: forçados a se tornarem "patriotas", um a um; por fim, estão criadas as condições para mais atos autoritários em nome de um "bem da coletividade". Stalin e Hitler ficariam orgulhosos de ver seus métodos aplicados à risca. Ut rota vertitur...






Nossa democracia, sendo ainda jovem, não fez entranhar na cabeça das pessoas seus altos valores. Daí as reações ambíguas a essa monstruosidade petista (ou petralha, como diria o Reinaldo Azevedo). As associações de estudantes e grande parte dos reitores, com suas tradicionais cabeças vermelhas, ou no mínimo cinzentas, ficam feito baratas-tontas sem saber o que dizer. Acabam por não desapontar quem deles espera declarações politicamente corretas: a saúde do povo em primeiro lugar!...

Democracia, deveriam saber, não é o poder emanado da voz da maioria, embora no Brasil nossos políticos e grande parte da população torçam e ajam para as coisas funcionarem assim. Democracia é, antes de tudo, o respeito às liberdades individuais, ainda que estas liberdades sejam clamadas por uma minoria. Os homossexuais devem ter seus direitos garantidos pelo Estado, embora sejam uma minoria. Os heterossexuais também devem ter seus direitos garantidos pelo Estado, mas não por serem maioria. Os direitos individuais não são negociáveis em uma banca de advogados, em um palanque de políticos e nem sequer em uma conversa de boteco. Discutidos, mas não negociados. Não em uma democracia.

Não precisaria dizer que, entre os direitos e garantias individuais mais básicos está o direito de escolha. Embora a liberdade de escolha se transfigure eventualmente em uma ilusão (somos marionetes do destino, diz Sam Harris), quero pelo menos poder escolher (ou perceber que escolhi) a minha esposa, meu carro, onde moro, os livros que leio, a profissão que abraço; e quero que meus conterrâneos brasileiros possam fazer o mesmo, pois se não puderem hoje meus filhos não poderão amanhã. Quero, por isso mesmo, que possam escolher onde vão trabalhar.

Os médicos não existem para servir à coletividade. Todos eles escolheram suas profissões para servir, antes de mais nada, a eles mesmos, com seus anseios e aspirações particulares. Acabam por servir à coletividade como efeito colateral positivo de seu trabalho, quando bem feito. Como servem à coletividade com seu trabalho e esforço o sapateiro que calça o menino e o professor que o educa; a manicure que pinta as unhas da senhora e o Lula, torneiro mecânico que ajudou a fabricar seu automóvel. O sacerdócio na medicina (no sentido de trabalhar sem levar em conta a remuneração auferida), ao contrário do esforço individual, deve ser uma opção, não uma obrigação.






Mas os bolivarianos não percebem isso, que Adam Smith captou há mais de dois séculos: que os efeitos colaterais positivos da miríade de escolhas livremente realizadas por indivíduos livres em um ambiente de livre mercado traduzem-se no bem da coletividade. A supressão, ainda que de apenas alguns desses direitos, por seres supostamente oniscientes postados no aparato dirigente estatal, diminui inexoravelmente a eficiência do sistema.

Querem que os médicos sejam obrigados a trabalhar no SUS, sem direito a escolha. Querem que médicos cubanos, que já não têm mesmo direito algum de escolha, venham trabalhar no SUS. As escolhas mais fáceis costumam ser as escolhas mais burras, e as mais enganadoras. É mais fácil, e de maior apelo populista, lotar os serviços de urgência e emergência com médicos recém-formados (oops, desculpe: ainda não formados) do que atrair para eles os médicos mais capazes e experientes com bons salários e condições de trabalho. Tem muito dinheiro dos nossos impostos por aí para isso. É só tirá-lo de onde ele não deveria ser gasto, a começar pelos estádios de futebol e passando necessariamente pelos subsídios, subvenções, concessões e patrocínios em que o dinheiro público está corrompidamente presente, não nos esquecendo, claro, do Congresso Nacional com seus gastos estapafúrdios, esculhambatórios e ineficazes.

Para terminar, o tiro muito provavelmente vai sair pela culatra: menos gente vai querer, e poder, fazer um curso completo (e mais caro) de medicina em até 11 anos, incluídos 2 ou 3 de residência médica; vão continuar a faltar recursos não-médicos para a saúde, incluindo enfermeiros e técnicos de enfermagem (mas é claro que eles, também, vão cair na roda-viva);  com o aumento do tráfico de escravos, os salários de todos esses profissionais vai cair na exata proporção da qualidade do seu serviço: o descontentamento será geral. Por fim, certamente a distribuição dos profissionais pelo país não será baseada no mérito: estarão abertas as portas para o favorecimento e a corrupção.

Por enquanto é só a escravidão médica. Em alguns meses, quem sabe, haverá futuros engenheiros forçados a trabalhar para o Estado nos rincões da Amazônia, professores obrigados a labutar por um salário ainda pior aonde quer que sejam mandados. Quem sabe os advogados recém-formados não terão que prestar assistência judicial gratuita onde não quiserem? Só os ladrões, dentro e fora das prisões, dentro e fora do governo, não serão obrigados a trabalhar para o Big Brother Orwelliano tupiniquim. Chegará o dia em que todos nós, talvez, sejamos obrigados a doar nosso tempo e nossas posses para o Leviatã insaciável, como bons patriotas que seremos, para o bem da coletividade. 

David Hume dizia que a liberdade não é perdida de uma só vez: seus inimigos procuram minar nossa integridade moral e nosso poder de escolha, tolhendo nossa liberdade pouco a pouco até que não sobre mais nada. Nossa essência e nosso caráter vão-se com ela. Friedrich Hayek, em O Caminho da Servidão, acertou no alvo quando percebeu que, à medida que a liberdade de escolha é tomada aos indivíduos, as liberdades pessoal e política também se perdem.

Já disse isso antes e repito: da ladeira escorregadia da iniquidade institucionalizada não se sai facilmente. Todos nós que acreditamos na democracia de facto tentaremos manter nosso equilíbrio. E, se nos recusarmos a apontar um dedo para os populistas fisiológicos e insensíveis à democracia, logo estes senhores farão com que percamos não só os demais dedos mas todos os nossos anéis e pior: a nossa liberdade.















sexta-feira, 21 de junho de 2013

Tempus Fugit, ou De Olhos bem Abertos




Por Pedro Lobo Martins

As manifestações agradam-me aos olhos e aos ouvidos (à parte os vândalos, é claro). É que tem gente de todas as cores nas ruas, ainda que muitos não saibam, e nem queiram, definir-se ideologicamente. Tem gente da esquerda e da direita. Isso traz uma grande riqueza às discussões que, agora e no futuro próximo, vão procurar explicar o que está acontecendo.

Muitos jovens de classe média, que não conheceram as sangrentas lutas ideológicas das décadas de 60 e 70, e que, portanto, nunca precisaram escolher um lado (militantes versus militares, como era obrigatório até pouco tempo), agora dizem com todas as letras de seus cartazes que nem um nem outro daqueles lados os representam. Vão às ruas sem bandeiras. Vão às ruas com seus brados fortes e retumbantes dizer que a era do maniqueísmo das cores acabou e que uma rosa não representa, necessariamente, o bom e o belo.





Daí, talvez, sua intolerância pelas bandeiras, ainda que vermelhas. Vermelhas? Sim, a antiga cor da juventude, das marchas de braços dados ou não em que se caminhava e cantava e se seguia a canção. Aquele disco arranhou, a canção ficou fora de moda. A geração '68 cumpriu seu papel, mas os tempos agora são outros, aquelas águas passaram. O maniqueísmo ideológico deu lugar a um arco-íris de ideias que não brilham mais apenas em tons de vermelho ou de azul. Foi o que o Movimento Passe-Livre, o PSOL, o PSTU, o PCR e outros anacrônicos partidos "de bandeira" aprenderam a duras penas nas ruas.  Não foi a Globo, a Veja ou qualquer outro veículo da grande mídia "reacionária" que levou essa nova leva de pessoas às ruas. Foram as pessoas mesmas, com seus próprios pés no chão, cartazes na mão, um grito na garganta e muitas ideias na cabeça.





Talvez o PT não tenha percebido tudo isso. Lula e Dilma não perceberam isso. Poucos políticos perceberam isso. O cavalo selado passou e passou e passou nesses 10 anos e ninguém pensou em montá-lo para promover a Reforma Política!

É o que leva a nova geração às ruas e, no fundo, a faz bradar.







segunda-feira, 17 de junho de 2013

Pão e Circo




Por Pedro Lobo Martins

Esta história toda de protestos tem sido ótima. Ótima porque pessoas adormecidas têm acordado. Mas alguns aspectos do que tenho lido e assistido têm me incomodado:

1- Onde estão as pessoas das classes D e E? Parece que só os setores politicamente organizados/ intelectualizados, sobretudo da extrema-esquerda, inicialmente (PCO, PC do B e PSOL) e, mais recentemente, uma parte menos alienada da classe média, vão para as ruas. Isso mostra, talvez, que enquanto houver pão e circo, digo, bolsa-família e futebol, carnaval, novela e afins, o cidadão comum vai  continuar "feliz" e não vai sair da sua zona de conforto.

2- Tanto a esquerda quanto a direita querem se apropriar do movimento.
A esquerda fica indignada porque começou tudo e estarrecida por não ver o povão nas ruas. Mas tem que ver a "elite" nas mesmas ruas e no facebook, essa elite que, tendo a barriga cheia, os bolsos recheados e o cérebro cultivado, não teria o direito de reclamar de nada (???). A direita, por sua vez,  quer capitalizar a questão, sobretudo depois da desconcertante vaia ouvida pela presidente, para seu projeto de oposição. Mas a verdade é que o movimento se configura agora como uma clássica gota d´água em que as ideologias se misturam e se confundem, tomando as feições de um basta à corrupção geral em todos os setores, à impunidade e aos gastos enormes para as copas das Confederações e do Mundo.

3- Nessa miscelânia de diferentes indignações, ideológicas e sem ideologia, da esquerda e da direita, o resumo geral de intenções parece recair, infelizmente,  sobre o governo: as pessoas querem mais governo. O problema é que é exatamente o governo a fonte das mazelas que nos afligem, desde a ineficiência do transporte público até a falta de saúde e educação da população, com toda a corrupção que vem a reboque. O que falta não é mais governo: falta (muito) menos governo.

Estamos todos certíssimos em reclamarmos dos gastos altíssimos com estádios de futebol e com a infra-estrutura específica que pouco tem a ver com as reais demandas da população. Os turistas não são mais importantes do que nós e nossos filhos. Nem os empreiteiros amigos dos políticos (vide meu post anterior sobre Clésio Andrade). O bom turista percebe muito bem o que é mera maquiagem e o que é feito para ficar. Nós mais ainda. E o que se faz para ficar é saúde, educação e segurança.


??????


Não está na hora de pedirmos tarifa-zero. Enquanto houver governo na conversa as tarifas serão altas e pagas pelo contribuinte, ainda que os ônibus sejam de graça. Enquanto houver governo, seus amigos, que incluem os concessionários, ganharão às custas de (mais) taxas e (mais) impostos pagos pela população. Está na hora de pedirmos, nas ruas e nas redes sociais, que o governo faça aquilo que é sua função precípua: escolas-dez, uma rede de assistência à saúde-dez, um sistema jurídico ordenado e eficiente e uma polícia-dez capaz de proteger a população, e não de espancá-la. Isso é pra ficar. Do resto, boas leis, um Estado de Direito e a livre concorrência dão conta.

não seja este cara!


Pra começar, é preciso querermos e exigirmos.



terça-feira, 5 de março de 2013

A Ladeira Escorregadia da Iniquidade


Por Pedro Lobo Martins
O senador Clésio Andrade (PMDB), notório representante mineiro do poderoso setor de transportes, está brincando com a nossa inteligência. Ou talvez não se importe com ela, mas apenas com o setor que financia suas campanhas milionárias. Campanhas que contaram com a mãozinha de Duda Mendonça, que afagou a cabeça de  galos antes das rinhas de que participava e que se sujou com o dinheiro asqueroso do mensalão. O caso que vou aqui contar, publicado no site do próprio senador, não poderia ser mais digno deste senhor.

Acontece que o setor de transportes está sofrendo com a falta de motoristas. Segundo  certas estimativas, faltariam entre 40 e 120 mil profissionais. A Associação Nacional de Transportes de Cargas estima que hoje, nas principais empresas, 1 em cada 10 caminhões esteja parado por falta de motoristas.

Estejam corretos ou não esses números, os principais analistas da área já propuseram medidas sensatas para sanar este descompasso entre o (pequeno) número de trabalhadores preparados e o (grande) movimento nas transportadoras.  É fato que não só o volume de carga transportada vem aumentando como cresce também a complexidade e o tamanho  dos caminhões e carretas, que agora têm computadores de bordo, sistemas de rastreamento e telemetria, entre outras parafernálias. Todas as medidas propostas passam pelo treinamento dos atuais condutores e pela formação de motoristas mais jovens, mais dispostos a absorver as novas tecnologias. Parcerias com escolas profissionalizantes seriam o caminho mais óbvio para esse fim.

Em uma economia de livre mercado, todo excesso de demanda é compensado por um aumento na oferta. Se faltam motoristas, cabe aos interessados – os empregadores – instituir os meios de atraí-los, seja pelo aumento de salários seja pela adoção de incentivos de outra natureza, como treinamento frequente, aumento de fretes para os motoristas autônomos e redução da jornada, entre outros.

Mas no Brasil as forças do mercado, infelizmente, não estão livres. E o senador Clésio Andrade, como legítimo representante do PMDB, e mais ainda da coligação de que seu partido faz parte em nível nacional,  não acredita nas forças do mercado e da livre iniciativa. Ou, se porventura acredita, prefere ignorá-la para favorecer seus aliados à revelia dessas forças. Mas certamente, como seus amigos do PT, Clésio não acredita nos princípios fundamentais estabelecidos pela constituição brasileira: os da igualdade de direitos entre os cidadãos brasileiros.
Não é por outro motivo que resolveu devolver favores aos financiadores de suas campanhas, que desde já agradecem: neste caso, apresentou um Projeto de Lei, aprovado no dia 21 de fevereiro último na Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR), que pretende garantir ao jovem que tenha renda familiar de até R$ 1.635,00 a obtenção gratuita da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). A mesma CNH que nós outros, da classe média, temos que pagar do nosso próprio bolso. Segundo seu site, a proposta teria por objetivo “suprir a demanda do setor transportador por mão de obra qualificada”. Os recursos para financiar a habilitação virão da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), cobrada na venda de combustíveis.

O senador não explica se esses jovens que receberão a CNH de graça terão que trabalhar obrigatoriamente para o setor de transportes. Depreende-se disso que os objetivos de seu Projeto de Lei são outros: por um lado, o lado populista, agradar a uma parcela expressiva da população, (quiçá seus futuros eleitores) que receberá um presente do senador, pago naturalmente pelo contribuinte. Por outro, agradar ao setor de  transportes, que passará a contar com um contingente maior de jovens habilitados não com dinheiro do setor mas – outra vez – de nós-outros contribuintes.

Por que, pergunto, não insiste ele que os senhores donos de transportadoras paguem eles mesmos pela formação de seus condutores, desde a primeira aula de auto escola, como aliás já fazem outros setores industriais?  Por que o senador não apresenta um Projeto de Lei que trate de um empréstimo aos jovens aspirantes a condutores, a ser pago em suaves prestações após seu primeiro emprego? Por que, pergunto, o senador, não começa a discussão para a regulamentação da profissão de motorista de caminhão? Por que, pergunto, o senador não institui na sua egrégia Casa a discussão sobre o aumento da participação do transporte ferroviário no transporte de cargas, atualmente em apenas 35%?

Clésio Andrade, que foi presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT) e vice-governador de Minas, não poderia agir de outra forma. Sabe como poucos participar do jogo  fisiológico em que não só ele mas quase todos de seu partido são tão bons, e que nós outros abominamos, que consiste em atender a interesses privados com dinheiro público; em dar o peixe ao invés de ensinar a pescar – e comprar, digo, cobrar votos dos injustamente favorecidos.  O contribuinte, mais uma vez, paga o pato, ou o voto.
  
Pode parecer uma crítica excessiva a um caso tão “inexpressivo”. Afinal, são apenas uns poucos milhares de jovens que vão ter a graça de ter sua carteira sem pagar um tostão por elas. Mas da ladeira escorregadia da iniquidade institucionalizada não se sai facilmente. Todos nós que acreditamos na democracia de facto tentaremos manter nosso equilíbrio. E, se nos recusarmos a apontar um dedo para os populistas fisiológicos, logo estes senhores farão com que percamos não só os demais dedos mas todos os nossos anéis.