quinta-feira, 9 de junho de 2011

Com a Letra R


 
 
 
 


 
 
Pequeno poema com a letra R, a pedido (irrecusável) de meu tio José Carlos, que queria um jogral, mas assim ficou sendo:
R
Gosto de remos, de rumos, e das rimas
que animam as rezas, e risos
daquelas raras, rosadas meninas
que tenho reais em roda de mim:
(com C: Catharina e Ciça)

Não dos rudes, ruins, rabugentos
que desanimam as rezas, e risos
daqueles raros, rosados momentos
que quero repletos na ronda do fim.

Reunir, retribuir, repartir
ruínas rochosas, rios revoltos
romã, rolimã, rolar de rir;
sem erro e sem erre: a flor do jasmim!

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Radares de Velocidade em Belo Horizonte
















No início do ano envolvi-me na polêmica dos radares, sanha arrecadatória da BH Trans e coisa e tal. Tudo começou com a seguinte carta de uma leitora do jornal "O Estado de Minas", publicada em janeiro de 2011:


Motorista indignada com multas recebidas 
Cléo Vaz: Belo Horizonte

É um absurdo o que estão fazendo com os cidadãos de Belo Horizonte. Estou com multas no meu prontuário porque passei 3 km/h acima do permitido na Avenida Nossa Senhora do Carmo e 4 km/h acima do limite na Avenida do Contorno. Nos dois locais, não há trânsito de pedestres. O que representam 68 km/h em um veículo com todos os recursos de frenagem como os que são fabricados hoje? Não sou contra radares e acho que ninguém o é, mas eles deveriam pegar os que andam em alta velocidade e não os motoristas que são responsáveis. O limite de 70 km/h seria razoável e não provocaria tantas multas. Nunca fui notificada nos meus 21 anos de carteira. Sou atenta às leis de trânsito e faço minha parte, mas sou obrigada a concordar que existe, sim, uma indústria da multa em BH que precisa ser veementemente combatida. Se a prefeitura está sem dinheiro, ela que vá buscá-lo em Brasília e não por meio de uma forma sorrateira como está fazendo. Quem não foi ‘premiado’ com uma multa por alguns quilômetros acima de 60 km/h não se iluda: ainda vai ser. 

Não há trânsito de pedestres na N.Sra do Carmo e na Contorno? Todos os carros têm ótimos recursos de frenagem? Como diferenciar motoristas responsáveis dos irresponsáveis? Pela sua foto?


Sim, existe uma indústria da multa. Fato. Assim como existe uma "indústria" do cartão de crédito, uma "indústria" do Direito, uma "indústria" da doença e muitas outras "indústrias". Infelizmente nosso mundo está assim, e até que façamos alguma coisa vai continuar assim. É claro que a prefeitura quer arrecadar. Qual governo não tem uma "sanha arrecadatória"? Só que tem que arrecadar de forma razoável, nos limites da lei, e aplicar os recursos arrecadados de forma responsável.

Enquanto isso, quem quiser entrar no cheque especial que entre. Quem quiser perder dinheiro na loteria que perca. Quem quiser entrar em outros "esquemas" que entre. Essa indústria da multa ainda não me pegou. Se pegar, e de forma legal, pagarei e colocarei a responsabilidade inteiramente sobre meus ombros. Enquanto isso, acharei ótimo que pegue o corredor contumaz que um dia poderá me causar prejuízos materiais, se não de natureza muito pior.Os não contumazes que forem (ou formos) pegos, paciência.É o preço que pagamos pelos erros dos outros. Não temos que tolerar quebra-molas, que tanto causam estranheza nos estrangeiros, e que foram feitos para os "outros"?. 

Portanto, não concordo com a leitora, que foi pega alguns quilômetros acima da velocidade máxima permitida, considerando o limite de tolerância. Por isso escrevi uma "resposta" àquele jornal, publicada em 11.01.2011:


Pedro Lobo Martins - Belo Horizonte

Tenho observado, nesta seção, várias críticas aos radares de velocidade que vêm sendo instalados em Belo Horizonte. Ora os limites por eles impostos (60 km/h nas vias arteriais) são considerados baixos demais, ora os radares são relegados a meros instrumentos de uma ‘indústria da multa’ da prefeitura. São argumentos inertes. 

Os limites máximos de velocidade nas cidades não são definidos pelos municípios, mas pelo Código de Trânsito Brasileiro, em seu artigo 61. Os prefeitos, felizmente, não têm autoridade para alterar esses limites, que são definidos por critérios técnicos, que consideram a segurança dos motoristas e pedestres, e não políticos. Quanto ao aumento da arrecadação municipal depois da instalação dos radares, o que mais seria de se esperar? Se antes os apressados raramente eram flagrados, após a instalação dos radares as suas atitudes não mudaram e sua atenção não foi redobrada.

Aqui reside o cerne da questão: apesar do relativismo que permeia a cultura brasileira, no caso das normas de trânsito ou se é a favor do respeito a elas ou não. O fato é que, devido à sua natureza democrática (por não discriminarem ninguém), essas normas, sejam elas ‘boas’ ou ‘ruins’, valem tanto para o motorista da Brasília 1979 quanto para o do SUV 2011; tanto para o pior quanto para o melhor dos cidadãos. Não pretendo defender a BHTrans, mas as reclamações estão sistematicamente fora do alvo. Aqueles que consideram baixo o limite de 60 km/h nas vias arteriais, já que nossos carros incorporaram freios ABS e outros avanços tecnológicos, deveriam concentrar seu poder de fogo no Contran/Denatran, que estabelecem as normas de trânsito para todo o país.

Mas não nos iludamos: uma vez aprovado um hipotético aumento nacional do limite de velocidade para, digamos, 70 km/h, esses mesmos cidadãos exemplares (e apressados) não deixarão de transferir sua culpa para uma ‘sanha arrecadatória’ e de concentrar seu fogo nos seus algozes, os radares. 


Depois da publicação desta carta outros cidadãos indignados (e flagrados acima da velocidade máxima permitida) continuaram, como crianças mimadas que não sabem onde jogar a culpa, a atacar os radares, e também minha posição na carta ao jornal. A crítica mais lúcida (se não a única lúcida),  partiu do especialista em trânsito José Aparecido Ribeiro:

Parabenizo o Jornal Estado de Minas pela forma democrática que tem tratado o assunto radares e limite de 60km. O leitor Pedro Lobo Martins apresenta em sua carta publicada dia 11/01 argumentos bastante convincentes para tirar da Prefeitura e da BH Trans a responsabilidade das multas aplicadas a motoristas que andam revoltados por serem notificados em virtude de 3 km acima do permitido, como é o meu caso. Tenho 5 multas a 67, 68, 69, 71 e 73 km, todas em locais de pouco ou nenhum transito de pedestres.

Todo mundo sabe que os limites de velocidade são impostos pelo CNT e as Prefeituras apenas cumprem o que determina o código. Contudo, estamos diante de um impasse técnico que precisa ser melhor compreendido e que revela de fato a existência de uma “industria da multa” velada e até com defensores... O leitor diz em sua defesa que as vias arteriais devem ter limite de 60km e está corretíssimo. Mas é importante lembrar que não estamos falando dessas, e sim dos CORREDORES onde a velocidade máxima permitida pode ser de 70km e não 60km. É assim em São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória, Brasília e em muitas Capitais onde a categorização de vias são similares as de Belo Horizonte.

Comentário sobre meu grifo, acima:  não, estávamos todos falando  das vias arteriais mesmo (vulgas avenidas). Por outro lado, o Código Nacional de Trânsito (CNT) não reconhece CORREDORES de trânsito. Talvez José Aparecido se refira às VIAS DE TRÂNSITO RÁPIDO, em que a velocidade máxima pode chegar a 80km/h. Mas estas são caracterizadas por acessos especiais com trânsito livre, sem interseções em nível, sem acessibilidade direta aos lotes lindeiros e sem travessia de pedestres em nível. Em Belo Horizonte lembro-me agora, além do anel rodoviário e da via expressa, em que a velocidade máxima é de 80km/h, da subida da Av. Raja Gabaglia até o BH Shopping, em que a velocidade permitida é de 70km/h.
ele continua:

Ninguém é contra radar para pegar os apressadinhos que andam apostando corrida pela cidade, mas todos são contra radares instalados com objetivo arrecadatório. A velocidade média de segurança nos corredores da cidade de Belo Horizonte pode ser 70 km se o Prefeito quiser. Toda essa polêmica está acontecendo por teimosia e interesses financeiros, pois é possível adequar os limites dentro da Lei sem riscos para a sociedade. O problema é que a hipocrisia tomou o lugar da lógica ao colocar os motoristas que são a favor do limite de 70km no mesmo balaio dos que excedem em níveis fora dos padrões. Com efeito, a 70km o transito vai fluir melhor e poucos serão multados.

José Aparecido Ribeiro
Especialista em Trânsito e Assuntos Urbanos
CRA – MG 0094/94 – 31-9953-7945
Belo Horizonte -MG

Ele está certo: se quisermos, temos que atacar os limites de velocidade impostos pelo CNT, e não os radares implantados pelos municípios. Eu Adoraria poder trafegar a 70km/h nas avenidas de Belo Horizonte. Mas, de qualquer forma, onde estão os estudos que comprovem a segurança disso, caso a caso? Como age o lobby pró-aumento de velocidade, no Congresso? Os especialistas em trânsito estão se mobilizando? E os que escrevem  contra os radares? Já escreveram para seus representantes em Brasília?


Talvez seja mais fácil correr um pouquinho...

terça-feira, 7 de junho de 2011

Bons Preconceitos

   












Hoje fui buscar o Augusto na Escola e perguntei a ele o que tinha aprendido no dia.  É que gosto de aproveitar a oportunidade para mergulhar com ele um pouco mais fundo no assunto. Ele adora. Quando cabível, e quase sempre é, trato de doutrinar. Isso mesmo: doutrinar.  Não penso como o Pink Floyd. Acho que as crianças não devem ser deixadas sozinhas, nem pelos professores e muito menos pelos pais. Ele é meu filho, e doutrino sim. Com amor. Melhor que deixar a televisão doutrinar, melhor que deixar o governo doutrinar, melhor que deixar quem não o ama doutrinar, pois as crianças, com sua mente maniqueísta, querem  muito diferenciar o “certo” do “errado”. Se fizerem isso com os pais, estarão dispostas a ouvi-los pelo resto de suas vidas, ou os ecos de suas vozes, quando estes não existirem mais. Se não, terá sido tarde demais: na adolescência dispensarão seus conselhos para aprenderem tudo com os amigos, que provavelmente terão dificuldades em escolher, e se tornarão adultos menos próximos do que um pai gostaria.

A professora de Religião disse que não devemos ter preconceitos. E a professora de História, que não existem culturas melhores que as outras. Que bom, meu filho está tendo lições que o tornarão um homem do século XXI: tolerante, liberal, que saberá relativizar as situações e será capaz de sentir empatia por seu semelhante menos afortunado ou que pense diferente. Mas é isso, sem tirar nem por, que quero pra ele?

Enquanto o carro enfrentava o trânsito das sete (aprendi a deixar o carro enfrentá-lo sozinho, eximindo-me de participação nesse incômodo), comecei a pensar junto com meu filho. A conversa, acredito, foi adequada para ele, um menino de oito anos. Quando ele crescer, eis o que gostaria que ele entendesse melhor:
  
Nesses dias politicamente corretos há um grande preconceito contra o preconceito. Que pessoa virtuosa no mundo “civilizado” do século XXI seria a favor do preconceito? Nos nossos dias, quem, em boa companhia, admitiria ser preconceituoso? Fazê-lo é o mesmo que proclamar-se estreito em seus julgamentos, rígido em seus princípios, arrogante em suas atitudes, convencido de sua superioridade e moralista. Melhor então engolir os preconceitos do que admiti-los publicamente.

Ao contrário, a pessoa sem preconceitos, ou aquela que pretende sê-lo, submete todas as suas suposições ao escrutínio de uma suposta razão; seus julgamentos, se hesitam, terminam por tomar o caminho da generosidade. O indivíduo não discrimina preferências ou ações alheias. Sendo um cidadão do mundo, de mente aberta, trafega livremente pelos mais diversos universos culturais, os quais se inclina mais a compreender e aceitar do que a julgar e condenar. O indivíduo sem-preconceitos relativiza tudo, e isso inclui sua própria dimensão individual, que acaba enfraquecida. Mas ele procura compensar essa perda da individualidade apelando para a dúvida.  O sem-preconceitos quer libertar-se e, portanto, duvida. Duvida para recuperar sua individualidade. Seu ceticismo não acata limites, nem mesmo simbólicos. Sua busca por si próprio não aceita barreiras, muito menos as impostas pela autoridade.
  
Se o indivíduo cartesiano surgiu no século XVII, as crianças demoraram mais ainda a se tornar entes com personalidade própria. Hoje, contudo, como se verifica pelo status que adquiriram nas famílias ocidentais e pela crise de autoridade que aflige a maioria das escolas, elas finalmente se tornaram “livres”. Investidas desde pequenas da autoridade para escolher entre uma miríade espantosa de opções, para exercer seu poder de veto e para arbitrar entre o bem e mal, as crianças finalmente passaram a existir. Quem já viu uma mãe debruçar-se sobre seu filho de três ou quatro anos, em um supermercado, para perguntar o que gostaria de comer no jantar, sabe do que estou falando. A idéia é que, supostamente, se estará concedendo a ela a responsabilidade pela escolha, deixando de transmitir “preconceitos” maternos. “Autonomia”. Mas a lição verdadeiramente transmitida é que a vida deve ser guiada e levada pelos julgamentos e gostos da criança e não por regras externas a ela. Nem a mãe nem a criança (e nem a escola, para todos os efeitos) percebem que, ao invés de se ver livre de preconceitos externos, a criança se tornará escrava de seus próprios preconceitos, oriundos de sua razão apenas incipiente, insuficiente.

Se a criança é o pai do homem, o homem que dela nasce não é livre. Sua dúvida não encontra respostas. Sua individualidade é ilusória. Não espanta que a marca registrada dos adolescentes (e de muitos adultos) de hoje, sustentada e emulada pela mídia e produtos direcionados para esse público, seja a expressão facial de uma hostilidade abobada, uma mescla do indiferente olhar bovino com a ameaça latente de um pit bull.

Quero que o adulto que nascerá da criança que é o meu filho se ancore nos adultos que hoje são seu pai e sua mãe. Quero que ele aprenda conosco que não se deve fazer discriminações pessoais baseadas em características inatas, como cor da pele; em ideias políticas, científicas ou de qualquer outra natureza; e em preferências pessoais, incluindo sexuais. Não quero que ele seja politicamente correto, mas apenas, e isso basta, correto, ancorando-se nos valores e princípios que ele buscará primeiro nos ensinamentos de seus pais e demais tutores bem intencionados (incluindo professores e amigos), e que mais tarde certamente será capaz de encontrar em si próprio. Mas, ao contrário do que disseram superficialmente suas professoras de religião e de história, quero que ele saiba fazer algumas discriminações. Quero que meu filho seja preconceituoso.

Sim, existem bons preconceitos. E estes dizem respeito sobretudo às más atitudes. Quero que meus filhos saibam discriminar atitudes generosas das mal-intencionadas; atitudes respeitosas das egoístas; atitudes sábias das ingênuas; atitudes que, extrapolando a esfera pessoal  do agente, os atinja de forma agressiva ou anti-ética. Mas quero também que meus filhos saibam diferenciar o verdadeiramente belo daquilo que apenas aparenta virtude. Quero que saibam o que é arte e o que apenas pretende ser. Quero que reconheçam, para seus amigos, bons caráteres. Não quero que falem como não devem, que escrevam mal; melhor: quero que saibam ser convenientes. Quero que saibam diferenciar culturas de subculturas. Quero que entendam que a polidez, embora não baste, é sempre necessária. Quero que tenham consciência de que as coisas populares podem ser ruins e que as coisas impopulares podem ser boas, e vice-versa; quero que desprezem a ortodoxia acadêmica que prega o relativismo geral de que já que nada é melhor e nada é pior, então o pior é melhor porque é mais difundido; quero que saibam discutir ideias, sem menosprezar as pessoas que as têm.Quero que, como Churchill, defendam sempre o direito de as pessoas falarem sobre suas ideias, quaisquer ideias, mesmo que não concordem com elas. Assim saberão distinguir as nuances do que lhes parece errado para agir, pelo resto da sua vida, como lhes parecer certo.

Neste mundo de relativismos, algumas certezas são necessárias. Na educação dos filhos, em muitas situações a intuição, baseada em probabilidades construídas a partir da experiência dos pais, deve prevalecer sobre a observação, que requer a razão, que as crianças ainda não desenvolveram. Estas, ao crescerem e conquistarem autonomia e espírito crítico (razão), certamente julgarão seus pais e, ao formarem seus conceitos, filtrarão os "preconceitos" paternos que considerarem válidos. Irão tornar-se, assim, pessoas razoáveis e críticas, e não indivíduos hipercríticos, sem certeza de nada e ao mesmo tempo com todas as certezas do mundo, como se se veem aos montes por aí.
 
Não sou o melhor pai do mundo, mas sou o pai que meus filhos têm. Tenho apenas alguns anos para começar a honrar este papel, pois eles logo crescerão. Os filhos são meus e de minha esposa, mas o mundo, que é muito maior, é todo deles. E quero que eles, crescendo, sejam também do mundo, carregando pelo resto de suas vidas os princípios e valores que formos capazes de transmitir a eles e que tivemos a felicidade de receber de nossos pais. A omissão seria imperdoável. Imbuídos desde pequenos, entre outras coisas, de bons preconceitos, meus filhos terão os ombros mais leves, sem o peso da dúvida. Assim, espero, se tornarão verdadeiramente livres.

E eu também.





               

               

               

sábado, 4 de junho de 2011

A Ventura deste Mundo






















Christophle Plantin nasceu na França em 1514. Aprendeu o ofício da tipografia, tornando-se um dos maiores impressores de livros de sua época, amando-os, como bibliófilo e humanista que era. Faleceu em 1589.

Escreveu:

Avoir une maison commode, propre et belle,
Un jardin tapissé d'espaliers odorants,
Des fruits, d'excellent vin, peu de train, peu d'enfants,
Posséder seule, sans bruit, une femme fidèle. 

N´avoir dettes, amour, ni procès ni querelle,
Ni de partages à faire avec ses parents,
Régir tous ses desseins sur un juste modèle,

Se contenter de peu, n'espérer rien des gens. 

Vivre avec franchise et sans ambition, 
S´adonner sans scrupule à la dévotion, 
Dompter ses passions, les rendre obéissantes. 
                           
Conserver l'esprit libre, et le jugement fort,
Dire son chapelet en cultivant ses entes, 

C'est attendre chez-soi bien doucement la mort.


Nesse seu belo soneto, Plantin enumera aquilo que, segundo ele, dá valor à vida. Não o que faz a vida apenas suportável, mas o que a torna virtuosa e feliz. Até a velhice, se possível. A felicidade, segundo Plantin, requer um bom conhecimento de si próprio para saber doar-se sem perder-se: altruísmo pragmático. Não prescinde de “uma casa simples e bela” e de “algumas crianças” ao redor. Uma vida feliz requer, antes de tudo, ausência de infelicidade: uma mulher fiel, ausência de dívidas, amizade entre parentes; humanista e renascentista que era, valorizava a liberdade individual, garantida por um espírito livre, fortalecido pela razão. Homem do século XVI, considerava que se devia minimizar as “paixões”, subjugando-as. Tendo conhecido dissabores na vida, sabia que a riqueza material, fluida, não garantia  a felicidade. Humilde, reconhecia que sobre seus ombros repousavam os espíritos de seus antecessores. Sabia que só uma vida plena e feliz pode dar lugar a uma morte boa e “doce".

Inspirado por Plantin, que soube desvendar uma enorme faceta da alma, modifiquei seu soneto, fazendo-o aproximar-se da minha alma, que não é tão diferente. Somos, afinal, todos humanos.


                                                                                                                                                                                
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