segunda-feira, 25 de abril de 2011

O fim do petróleo barato e suas consequências

Para pensar (sem apavorar). 

Por Pedro Lobo Martins

Não está (ainda) na mídia mais ampla, mas a produção mundial de petróleo está em seu pico de cerca de 86 milhoes de barris/dia. Em breve deverá começar a declinar ano a ano em pelo menos 2%, enquanto a demanda mundial não declinará na mesma proporção, podendo aumentar (ver adiante). Fontes alternativas de energia não preencherão o vácuo no horizonte de curto ou médio prazo, e provavelmente nem nos próximos 30 anos, tempo necessário, aproximadamente, para a estruturação de uma nova matriz energética, se ela vier a existir. O pré-sal, ainda que contenha os 30 bilhões de barris propagandeados, supriria sozinho não mais do que cerca de 5 meses de consumo mundial até que seu próprio pico fosse atingido. E sua exploração em terreno e águas profundíssimas é caríssima, requerendo novos e caros desenvolvimentos tecnológicos, tornando-se comercialmente viável somente a preços internacionais altíssimos do petróleo. O pré-sal é uma gota no oceano, por assim dizer.

Esqueça o hidrogênio ou a eletricidade: não são fontes primárias de energia, mas sim energia transformada (eletricidade), ou modos de transportar energia transformada (células de hidrogênio): são na verdade baterias que, necessariamente, requerem mais energia para serem carregadas do que são capazes de fornecer. A segunda lei da termodinâmica é infalível. O sol, fornecendo energia diretamente ou através de hidroeletricidade e biocombustíveis, não dá nem pra começar a história da substituição. O vento tampouco. Se todas essas formas podem ser viáveis em nível muito local, e o Brasil está relativamente bem aquinhoado, não serão a nível mundial. Só a energia nuclear, que certamente será (re)promovida, à revelia de Chernobyl e Fukushima, pode querer começar (e só começar), juntamente com o carvão mineral, a tapar um pequeno buraco, que não será o dos automóveis e caminhões. Os ambientalistas e o aquecimento global que se cuidem. Se foi o carvão, e depois fundamentalmente o petróleo, que possibilitaram o fim da escravidão humana no século XIX, é porque só um barril de óleo pode fazer o trabalho de 25 pessoas por um mês.

E não estamos falando apenas de transporte: toda a agricultura depende de combustíveis fósseis. O nitrogênio é o principal componente dos fertilizantes, sendo oriundo da amônia, que por sua vez é sintetizada a partir do gás natural. Os pesticidas são fabricados a partir do petróleo. Em toda a cadeia alimentar humana e dos animais de criação o petróleo e seus primos gasosos estão envolvidos. A sua substituição gota-a-gota por biocumbustíveis, matéria vegetal e adubos orgânicos, entre outros, não possibilitaria nem de longe a mesma escala, em nível mundial. Isso pra não falar da indústria química, que permeia toda a economia e depende fundamentalmente do petróleo e seus derivados.

Embora seja finito, o petróleo não vai acabar tão cedo. Só metade dele foi consumida. O problema é que os custos de exploração da outra metade serão tão altos que muito do óleo remanescente será simplesmente deixado onde está. Ou seja, a produção de petróleo vai cair ano após ano, enquanto seu preço vai, ao mesmo tempo, subir. Portanto, não se fala do fim do petróleo, mas de seu encarecimento, que, acredita-se, será em forma de serra ascendente, pois certos níveis de preço (começando em cerca de U$150,00/barril) destroem seriamente a demanda mundial, o que por sua vez leva à queda pouco duradoura do preço, que volta logo a subir, atingindo níveis mais altos do que anteriormente. Esses ciclos recessivos provavelmente destruirão paulatinamente a demanda global, com reflexos sociais, políticos, geopolíticos e econômicos imprevisíveis, até que, em algum ponto na próxima década, se atinja um novo patamar de equilíbrio, com a demanda seriamente comprometida em um cenário de novos paradigmas. 2008 foi aprimeira crise. Estamos prestes a experimentar outra. É aí que entra o dinheiro...

Os Estados Unidos se tornaram dependentes de dívida para crescer e do crescimento para poder continuar se endividando. Desde a expressiva queda da bolsa de valores americana na década de 1990 dinheiro novo vem sendo paulatinamente derramado na economia americana pelo Federal Reserve Bank (FED). A princípio isso aconteceu para promover o crescimento do país, o que levou à bolha imobiliária, mas a partir de 2007-8 esse dinheiro vem sendo imprescindível apenas para não deixar o país mergulhar em uma recessão. Trata-se do Keynesianismo levado ao extremo. Esse excesso de liquidez já foi sentido. Emboscado entre as escolhas de aumento das taxas de juros, que precipitaria a recessão, e sua diminuição (ou manutenção em patamares baixos), que levaria à inflação, o governo americano tem fortes razões para tomar a segunda medida. Um eventual aumento das taxas de juros levaria o déficit americano em contas correntes a níveis estratosféricos e os consumidores indivíduais, mergulhados até o pescoço em dívidas, à bancarrota. E isso seria políticamente desastroso. O FED, de qualquer modo, está numa sinuca de bico entre inflação e recessão, e parece ser tarde demais para evitar as consequências de ambas.

A China e o Japão vêm financiando a maior parte do déficit orçamentário de cerca de 1,8 trihões de dólares, comprando avidamente Treasure Securities emitidos pelo FED, e fazendo circular o dinheiro excedente das transações comerciais com aquele país. Um esquema que, em linhas gerais, não deixa de se parecer com o de uma pirâmide, ou uma bolha... Quando  os países asiáticos deixarem de se interessar em manter em suas reservas um dolar cada vez mais fraco representando uma economia cada vez mais instável, e começarem a retornar esses dólares aos Estados Unidos, com a compra de bens de consumo e ativos reais, estarão abertos os portões da (hiper)inflação. E tudo indica que esta bolha está prestes a desfazer-se. Ações desesperadas, como cortes fiscais de difícil viabilidade política, shutdown governamental, entre outros, provavelmente não evitarão o pior.

O resultado líquido da energia mais cara, alimentos mais caros (que já produzem tensões civis no mundo árabe), ambos constituindo o núcleo real dos sistemas econômicos atuais, e de um dólar na iminência de um colapso será um só: profunda queda na atividade econômica nos Estados Unidos e, dada a interconexão dos mercados, no mundo inteiro. A inflação, assim, virá por excesso de fiat money  (dinheiro sem lastro na produção) e por aumentos de custos de produção. Veremos provavelmente um 2008 amplificado e duradouro, com recessão mundial, enxugamento generalizado do crédito e, ao contrário do que se viu naquele ano, elevação geral dos preços. Paradoxalmente, a inflação, nos Estados Unidos, destruirá grande parte das dívidas pública e privada, o que não deixará de ter um lado benéfico, sobretudo para o setor público, o maior devedor e interessado. Mas só este lado, dentre os milhares existentes nesse prisma em que se refratam ainda as economias da zona do Euro, muitas delas à beira de um colapso financeiro que poderá levar à Desunião Europeia. Grécia, Irlanda e Portugal que o digam. E a Alemanha talvez não consiga segurar sozinha as pontas quando França, Espanha e Bélgica chegarem à frente da fila. Até a Grã-Bretanha espreita de (não tão) longe... Qualquer coisa poderá apertar o gatilho que levará o petróleo a níveis de preço de inflexão econômica (depressão): um ato terrorista, um ditador resiliente, qualquer coisa. Embora se vá confundir essa qualquer coisa com a causa primária, a verdadeira causa original residirá primordialmente na escassez do petróleo e em suas conseqüências econômicas e geopolíticas imediatas.

O homem, diante de notícias ruins, costuma passar por cinco fases: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. Em relação às escassas notícias que chegam do fronte sigiloso e cheio de tabus que é o do petróleo, a maioria de nós, incluindo a mídia, está na primeira fase, a do descrédito. O ideal, para nos protegermos, é passarmos rapidamente por todas as outras quatro fases enquanto tomamos as providências cabíveis. Isso, reconheço, é difícil. Mais fácil é fazer parte da manada e ir aonde ela for tocada, no último instante. Àqueles que tiverem coragem suficiente, em um cenário que caminha para o de estagflação globalizada em um mundo que provavelmente começará a se desglobalizar, recomendam-se investimentos atrelados a ativos reais de alta liquidez, como commodities (sobretudo agrícolas) e metais preciosos, de valor intrínseco, cujos preços já subiram expressivamente e deverão continuar sua trajetória ascendente. No cenário que se anuncia, provavelmente serão eles, e não os imóveis, os investimentos mais seguros e os únicos a não derreter.

Não tenho bola de cristal, mas sei ler e acredito poder discernir algumas tendências reais de um cenário econômico quase sempre imprevisível. E não, o mundo não vai acabar em 21 de dezembro de 2012,como dizem. Mas assim como o século XIX prolongou-se (só) até 1914, o século XX e todo o modo de vida que representou (leia-se petróleo barato) poderão estar com seus dias contados. 2012 poderia ser só o começo.

Advertência: não baseie suas decisões de investimento apenas em meus educated guesses . Embora seja um ávido consumidor de literatura econômica pessimista, espero sinceramente que nenhuma dessas mazelas vá acontecer, embora acredite que muitas vão.

Talvez devesse estar escrevendo notas sobre assuntos mais agradáveis, que talvez domine melhor, como os paleoíndios de Lagoa Santa, os últimos dias de vida dos últimos Neanderthais, ou ainda sobre os Tylacinos e Pombos-Passageiros, de que bons livros e artigos foram publicados recentemente. Mas eles estão extintos, e nós ainda não, de modo que ainda dá pra nos salvarmos... rsrsrsrsrsrs

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