terça-feira, 26 de abril de 2011

Paternidade e os direitos do homem e da criança

Hoje li no jornal “O Estado de Minas” a história de “PC”, que se vê obrigado a pagar pensão judicial a uma moça de 36 anos com necessidades especiais, mesmo não sendo seu pai biológico, sob a tese de “paternidade socioafetiva”. De acordo com a reportagem, PC descobriu que a moça não era sua filha biológica só recentemente, através de um exame de DNA, já estando separado de sua ex-esposa há algum tempo e sem convívio com a moça há seis anos.

Não vou entrar no cerne jurídico desta questão específica, em que se entrelaçam de forma polêmica, até mesmo entre os juristas, os direitos de PC e os da moça. Estão fora da minha competência, mas parto do princípio de que uma afeição que não mais existe e que anteriormente fora imposta por meio de uma mentira se parece com uma prova plantada, portanto falsa. Caso típico de fraude de paternidade. Não obstante, lembro que existem outros aspectos pertinentes que devem ser considerados:

A antropologia nos ensina que a ligação biológica entre um homem e uma criança é o principal condicionante para o desenvolvimento de uma ligação afetiva tipo pai-filho, embora, como todo pai  de crianças, adotadas ou não, incluindo padrastos, bem sabe, a convivência seja imprescindível para fazer florescer e para fortalecer esse laço. Mas enquanto a maioria dos homens está disposta a amar seus filhos biológicos e adotivos, nem todos os homens estão predispostos a adotar uma criança. Significativo é o fato de que padrastos, cuja ligação com os enteados tem caráter mais fortuito, estatisticamente têm com eles maiores problemas de relacionamento do que outros homens experimentam com seus filhos biológicos ou adotivos.

O ponto a que quero chegar é o “movimento” que PC sugere: o de resguardar o direito do homem à escolha. O ideal de democracia, que engloba aspectos políticos, sociais e jurídicos, entre outros, a meu ver deve basear-se na verdade dos fatos. Fora dessa verdade, algum direito estará em perigo.  PC passou todos os anos acreditando que fosse o pai biológico da moça quando, se tivesse conhecimento da verdade, poderia ter escolhido, ou não, criar a menina como sua enteada, assumindo a condição de seu padrasto.

Numa época em que os direitos humanos, se não respeitados integralmente, ao menos são valorizados, os homens, por razões históricas muitas vezes associados à brutalidades contra as mulheres e ao abandono de crianças, elos certamente mais fracos da corrente familiar, ficaram desguarnecidos deste direito fundamental que é o de saber a verdade em questões de paternidade. Democracia envolve não só direitos mas deveres e, acima de tudo, responsabilização pelos próprios atos. Por parte do homem, mas também da mulher. Sem moralismos.

Mas não nos esqueçamos também de um direito das crianças raramente lembrado: baseando-nos sempre no princípio da verdade, considero direito de toda pessoa saber se o homem que aparece nos registros como seu pai tem ou não relação biológica com ela. Direito que naturalmente se estende ao neto de saber o mesmo de seu suposto avô, do bisneto quanto a seu suposto bisavô e aos milhares de supostos descendentes que serão iludidos ad eternum em toda a cadeia genealógica, a qual não passará de uma fraude. Nesses termos, as pessoas têm o direito de preferir não conhecer a verdade a serem induzidas a acreditar numa mentira, que é mais comum do que pensamos. Se a mulher tem a certeza da maternidade, o homem não pode ter tanta certeza: a genética de populações nos mostra que entre 4 a 10% das crianças não são filhas dos homens que tomam por seus pais. E número semelhante de homens não são pais dos filhos que tomam por seus.

Estas colocações certamente estarão começando a causar espanto em alguns leitores. Por que? Provavelmente porque se considera que o direito de uma criança a ter por perto um homem que a alimente, seja ele seu pai biológico ou não, deve prevalecer sobre os direitos de ambos de conhecer sua verdadeira relação biológica. Mas uma coisa não exclui a outra. Qualquer homem, dentro ou fora do casamento, pode assumir a paternidade de uma criança, resguardados os ditames da Lei Nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992, entre outras. Para isso bastaria mudar o termo “reconhecimento de paternidade” para algo do tipo “reconhecimento de paternidade socioafetiva”. Os registros de nascimento teriam assim um campo para pai biológico, onde se marcaria o nome de um homem após o teste de DNA (ou desconhecido, se assim fosse) e outro campo onde se assinalaria a condição de pai socioafetivo, que poderia corresponder ao pai biológico ou a um outro homem que, escolhendo esta responsabilidade sob condições bem definidas, responsabilizar-se-ia por “alimentar” a criança conforme a forma da lei.

Mas para isso caberia ao Estado garantir tais direitos ao homem, às crianças e às futuras gerações, arcando com os custos dos exames de DNA, que, embora ainda caros, vão se tornando cada vez mais baratos. No Brasil os testes ainda custam cerca de R$700,00, mas nos Estados Unidos já estão disponíveis exames por cerca de U$150,00. Naturalmente, convênios dos governos com laboratórios para fazer exames em larga escala fariam os preços caírem até níveis razoáveis. Para barrar excessos, o Estado pagaria um teste por criança, cabendo à mãe indicar o suposto pai. Nuances teriam que ser avaliadas caso a caso e previstas em lei. De qualquer forma, se poderia começar por realizar testes-piloto sob requisição paterna e em determinados estados antes de eles se tornarem obrigatórios em todo o território nacional.

Obrigatórios? As pessoas certamente ficarão divididas, e isso é bom para alimentar a discussão. Os adversários dessa ideia, que incluirão muitas mulheres e casais fiéis que se considerariam ofendidos, dirão que existem outras prioridades para um país pobre como o nosso e que nossa realidade social não permitiria tal “extravagância”, ou que é um direito dos pais esconder a verdade das crianças, sob a alegação de que o amor justifica tudo. Dirão ainda que o Estado não deve intrometer-se em assuntos de foro íntimo das mulheres (ooops, famílias). Ou dirão que existem várias outras questões legais envolvidas (todas anteriores à existência de testes de DNA). E como ficarão os doadores anônimos de esperma?

A questão não é moral: a fraude de paternidade é uma injustiça social que, com o advento dos testes de DNA, pode num futuro próximo começar a ser retificada. Mas no final das contas as prioridades são definidas politicamente. Coloco estas idéias aqui mais para fazer pensar, pois infelizmente receio que nossa sociedade não esteja ainda madura o suficiente para considerar mudança tão brusca no status quo. Em alguns lugares do mundo o teste de paternidade é obrigatório nos casos de mães solteiras; em outros, até no caso de mães recentemente casadas.Talvez simplesmente no Brasil não estejamos prontos a considerar a igualdade entre os sexos no quesito da paternidade e a perceber o direito das crianças de saber pelo menos quem seus pais não são como uma conquista social irrevogável. Com ou sem tudo isso resta uma certeza: o amor paternal nunca dependeu e nunca será condicionado pela paternidade biológica.

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