domingo, 31 de julho de 2011

Pedro Martins Pereira e Mauro Lobo Martins

No dia 2 de agosto de 2011 celebraremos os 107 anos de nascimento de Mauro Lobo Martins, falecido há 16 anos. Sua ausência será sempre sentida por nós, que tivemos o privilégio de conviver com ele.  Lembramos também seu pai, Pedro Martins Pereira, cuja vida marcou  de modo decisivo a de Mauro. 

Se estas breves linhas genealógicas/biográficas jamais esgotarão as vidas destes dois homens, nosso avô e bisavô, ao menos sirvam como um pequeno registro sentimental.


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Cataguases 

Mauro Lobo Martins nasceu em 02 de agosto de 1904 em Sereno, Cataguases, MG, o primogênito dos três filhos do casal Pedro Martins Pereira e Elvira Lobo Leite Pereira.

Mauro Lobo Martins, 1906

Tudo começou com a estrada de ferro. Em 1895 foi construído o ramal Cataguases-Miraí da Estrada de Ferro Cataguases, e foi na estação de Sereno que Pedro viu a jovem Elvira pela primeira vez. Apaixonado, fez-lhe os primeiros dos muitos versos que faria e pouco depois, em 24 de julho de 1900, se casavam:




Elvira e Pedro no início do séc. XX
                 
                 Surgiste para mim como o imprevisto...
                 Mas eu amo o imprevisto, adoro o acaso!
                 Destino é letra que se vence, o prazo...
                 Foi meu olhar o teu olhar ter visto!
                 Pedro Martins Pereira



         

Elvira, nascida em 12 de junho de 1880, descendia dos Lobo Leite Pereira, antiga família mineira. Seus pais, Joaquim Lobo Leite Pereira e Maria do Carmo Lobo, eram primos. Descendiam ambos dos povoadores de Cataguases. Na sua cidade natal, o pequeno Mauro gostava de andar em seu carrinho de madeira forrado de pele de carneiro, enquanto ouvia de sua avó as histórias dos antigos. Antiga era sua trisavó Maria José de Seabra, a “vovó da Barra”, que morreu velhinha em sua Fazenda deste nome, cercada por matas seculares; ouvia falar ainda de seu avó Joaquim, que não conheceu, morto prematuramente dois anos antes do seu nascimento.



Joaquim Lobo Leite Pereira
Maria do Carmo Monteiro Lobo


Sua avó Maria do Carmo lhe contava que Joaquim, que era médico, foi o último presidente da Câmara de Cataguases no regime monárquico e primeiro presidente do Clube Republicano. Diabético, teve que ir a Paris procurar tratamento, e foi lá que Elvira adquiriu seus hábitos refinados e o seu francês fluente, que ensinava no Gymnasio Municipal de Cataguases, fundado em 1910. Mais distantes ainda pareciam-lhe as histórias sobre seu tetravô Manoel José Monteiro de Barros, que ousara deixar as minas para, adquirindo uma sesmaria, desbravar aquelas terras cheias de mato virgem e estabelecer-se na Fazenda da Providência. Ouvia ainda, de seu pai, as histórias dos parentes mortos na região durante a epidemia de febre amarela, que a muitos ceifou a vida, no final do século XIX.
 

Diamantes, Germes e Aço


Mineiro, revolvendo o meu cascalho
(Que foi tirado do mais puro veio)
Em busca do diamante, eu encontrei-o:
Ela, que anima e enflora o meu trabalho!
Pedro Martins Pereira




Mal sabia Mauro que a história de sua vida um dia seria marcada pelo metal das ferrovias e pelos germes da febre amarela.


Pedro Martins Pereira, seu pai, não sabia o que era ficar parado. Nasceu em 13 de outubro de 1877 na Fazenda das Palmeiras, em Grão-Mogol.



A Fazenda  das Palmeiras pouco mudou desde 1877

Grão Mogol

Esta cidade do norte mineiro situa-se na Cordilheira do Espinhaço, num altiplano de onde se vislumbra o vale do caudaloso Itacambiraçu, afluente do Jequitinhonha. Foi dessas águas, e dos inúmeros regatos que sulcam a serrania, que se extraíram os diamantes que ali foram depositados por milhões de anos de intempéries a erodir as vetustas encostas quartzíticas que dominam o horizonte.


A Serra de Santo Antônio, vista de longe



Esses diamantes, desde há muitos procurados naqueles dilatados sertões, foram, com as pedras da serrania, os construtores dos velhos sobrados coloniais da Rua Direita, da velha Matriz de Santo Antônio, sólida construção de pedra e madeira, velha de quase dois séculos. Foram os diamantes, acima de tudo, os construtores de uma sociedade com características próprias, uma “civilização” cujos valores e tradições marcam ainda aquela região do norte de Minas Gerais.

Sobrado de Grão Mogol


A velha Matriz de Santo Antonio, toda de pedra e madeira


Emygdio Martins Pereira




Emygdio Martins Pereira
Emygdio Martins Pereira, pai de Pedro, lutou como Capitão na Guerra do Paraguai e era descendente das primeiras famílias a se estabelecerem no território de Minas Gerais: era tetraneto de Salvador Fernandes Furtado, taubateano, que tomou parte nos primeiros descobertos auríferos, em 1695, sendo o fundador do arraial e depois Vila do Carmo, futura Mariana; Salvador foi detentor, naqueles tempos bárbaros, de imponente biblioteca: possuía as Ordenações do Reino, encadernadas em pastas com frisos de ouro. Além disso, tinha o Repertório das mesmas Ordenações, tinha a História Social em seis volumes, e mais vinte e sete livros de várias obras, todas encadernadas em pergaminho. Salvador faleceu em 1725.

Um dos filhos de Salvador, Bento Fernandes Furtado, que ainda impúbere tinha acompanhado o pai pelas andanças nos sertões, forneceu a Claúdio Manoel da Costa os apontamentos (de memória) para o seu “Fundamento Histórico”, com que abre o poema “Vila Rica”, escrito em 1763. Bento escreveu ainda “Notícias dos primeiros descobridores das primeiras minas de ouro pertencentes a estas Minas Gerais – Pessoas mais assinaladas nestas empresas e dos mais memoráveis casos acontecidos desde os seus princípios”, documento considerado dos mais importantes para a historiografia mineira, versando sobre a fundação e povoamento de Minas Gerais. 



Fronstispício de Villa Rica
  Bento casou-se com Bárbara Moreira de Castilhos, neta do mestre-de-campo Carlos Pedroso da Silveira, principal figura de todo o primeiro período do grande ciclo do ouro em Minas Gerais. Faleceu em 19 de outubro de 1765. Entre os seus filhos estava Maria Magdalena de Pazzi, batizada em 1739 na freguesia de São Caetano de Mariana (atual Monsenhor Horta), onde se casou, em 1757, com o Tenente-Coronel Francisco Martins Pereira, natural de Santo Amaro da Purificação, Bahia, com o qual se mudou para os sertões do São Francisco. 


Livro de registro de matrimônios de São Caetano 1725-1764 - Arquidiocese de Mariana
Pesquisa PLM em julho de 1994.

Aos vinte e cinco do mez de septembro de mil sette centos cincoenta e sette annos na Capella de Nossa Senhora dos Remedios filial desta freguesia de Sam Caetano, às dez horas da manhaa. feytas as denunciacoens na forma do sagrado concilio tridentino e constituiçoens observadas neste bispado com provisão do Reverendo Doutor Vigario Geral Manoel Cardoso Frasão Castelo Branco, assistio com licenca minha o Reverendo Doutor João de Carvalho e Abreu, presbitero do habito de Sam Pedro, morador na cidade Marianna, ao sacramento do Matrimonio, que contrahiram com palavras de presente Francisco Martins Pereyra filho legitimo do capitam mor Domingos Martins Pereyra ja defuncto, e de Dona Catharina do Prado de Oliveira; natural, e baptisado na freguesia de Nossa Senhora da Purificaçam da villa de Sancto Amaro, Arcebispado da Bahia e Dona Maria Magdalena de Pazis, filha legitima do Coronel Bento Fernandes Furtado, e de Dona Barbara Moreyra de Castilho, natural, baptisada, e moradora nesta ditta freguesia. E lhes dei as bençaons nupciaes conforme aos dirtos da sancta madre Igreja. E sendo por testemunhas prezentes o Doutor juiz de fora da cidade Marianna Silverio Ferreyra, e o guarda mor José da Silva Pontes, ambos cavalleiros professos na Ordem de Christo assistentes na ditta cidade, o capitam Manoel da Guerra Leal, o tenente André Correa Lima moradores nesta freguesia; e outra muitas pessoaz que presentes se achavão. De que fiz este assento a os vinte e sette diaz do sobre ditto mez, e anno. O Vig.rio Manoel Narciso Soarez


Francisco Martins herdara na região de Morrinhos (atual Matias Cardoso) partes de uma fazenda de criar gado de seu avô homônimo Francisco Martins Pereira. Este, juntamente com o primo Domingos Escórcio, Salvador Cardoso de Oliveira e mais sertanistas paulistas, acompanhara Matias Cardoso de Almeida (tio-bisavô do Ten. Cel Francisco) em suas andanças pelos sertões "do Rio Pardo e Rio Doce", tendo todos recebido, em 1690, sesmarias nos limites da capitania da Bahia.



Igreja de Matias Cardoso, datada de c. 1695

Maria da Cruz Portocarreiro, a matriarca do sertão  
Maria da Cruz, nascida em Penedo no final do século XVII, sendo descendente de Cristóvão de Barros, que devassou Sergipe, era uma matrona do São Francisco: era viúva do bandeirante paulista Salvador Cardoso de Oliveira, sobrinho de Matias Cardoso de Almeida, que foi Lugar-Tenente da bandeira de Fernão Dias Paes. Junto com seu filho Pedro Cardoso de Oliveira foi presa e levada a Ouro Preto para julgamento, após liderarem os chamados “Motins do Sertão”, de 1736, contra os excessos tributários da Coroa Portuguesa.

Pedro Cardoso foi degredado no Rio de Sene, em Moçambique. Lá, o moço convenceu a corte do imperador Monomotapa a confiar-lhe descobertas nas ricas lavras auríferas, o que fez. Entusiasmado, em 1743 escreveu ao governador do Rio de Janeiro, solicitando que lhe "socorressem quarenta ou cinquenta paulistas com suas mulheres para se irem estabelecer naqueles rios", o que, parece, não logrou êxito. Não se sabe seu fim.

Maria da Cruz foi mais afortunada. Seu genro, o rico Coronel Domingos Martins Pereira, da Bahia, intercedeu por ela, em favor da qual foi expedido, aos nove de abril de 1739, o "Alvará de Perdão concedido a D. Maria da Cruz, Viúva", assinado pelo Conde Galveas em nome de D. João, Rei de Portugal e Algarves.  Retornou então à sua Fazenda do Capão, no sítio das Pedras, à beira do São Francisco, onde terminou seus dias. Faleceu aos 23 de junho de 1760, estando sepultada na singela, então Capela, de Nossa Senhora da Conceição das Pedras.



Capela de Nossa Senhora da Conceição das Pedras, no atual município de Pedras de Maria da Cruz, onde jaz Maria da Cruz


Parênteses: em 19.07.2011 o governador Antônio Anastasia criou a "Medalha dos Gerais - Matias Cardoso e Maria da Cruz" para agraciar pessoas físicas ou jurídicas pelo reconhecimento do Poder Público Estadual por contribuição ao desenvolvimento cultural, econômico e social do norte do Estado. A intenção da Medalha é "resgatar a história e tradições culturais, com valorização dos que contribuíram para a integração territorial do Estado".

O Tenente-Coronel Francisco Martins Pereira, neto de Maria da Cruz e bisavô de Emygdio, era filho de Domingos Martins Pereira e Catharina do Prado de Oliveira. Domingos Martins Pereira, Cavaleiro professo da ordem de Cristo, foi irmão maior da Santa Casa de Misericórdia de Salvador:

 Livro de Irmãos da Santa Casa de Misericórdia de Salvador, cópia do século XIX - registro original, pg 561, Arquivo da Santa Casa de Misericórdia de Salvador.
cópia do século XIX - livro original ainda existe.
Pesquisa PLM em fevereiro de 2010

             Termo do Ir.o Domingos Miz Pereira 
Maior

Aos dez dias do mes de abril de mil e setecentos e vinte e nove annos nesta Cidade da Bahia e Casa do Consistorio da Mesa desta Casa da Santa Misericordia estando o irmão Provedor o R.do Chantre João Calmon comigo escrivão abaixo nomeado e os mais irmãos Conselhieros da Mesa e da Junta foi proposta uma petição do Coronel Domingos Miz Pereira, n.l desta Cidade filho legitimo do Cap.m Fran.co Miz Per.a já defunto, familiar do Santo Oficio e de D.Antonia de Uzeda de Araujo ja defunta ir.os que forão desta Santa Casa, casado com D. Catharina do Prado e Oliveira, natural deste arcebispado,  freguesia de S. Antonio do Rio de S. Francisco, filha legitima do Coronel Salvador Cardoso de Oliveira. n.l da Cidade de S. Paulo, bispado do Rio de Janeiro, e de D. Maria da Cruz, n.l da Vila do Penedo, bispado de Pernambuco, elle dito Coronel Salvador Cardoso ir.o intr.o de Dom.os do Prado de Oliveira familiar também do Santo Oficio, em a qual petição pediao admitissem por Irmão desta Santa Irmandade, o que visto pelo dito Ir.o Provedor e mais Irmãos da mesa precedendo as informações necessarias,  pondo-se em votos como dispõe o Compromisso sahio admitido por resolução da Mesa e Junta, e se lhe deo o juramento da posse em um missal, e prometeo guardar as disposições do Compromisso como nelle se contem, do que fiz este Termo que assignou o dito Irmão com o dito Provedor, e eu Andre Marques Escrivão da Mesa que o fiz

Prov.or João Calmon
Andre Marques
Domingos Martins Pereira."



Domingos Martins Pereira faleceu em Santo Amaro da Purificação em 07 de janeiro de 1749:


Livro de óbitos de Santo Amaro da Purificação 1727-1796, Registro de óbito de Domingos Martins Pereira
Pesquisa PLM em 1995

"Aos sette dias do mes de janeiro de mil e sette centos e quarenta e nove annos faleceo da vida prezente com todos os sacramentos o Cap.Mor Domingos Martins Pereira, natural da Freg.a de S. Tiago de Iguape e morador no Subahe termo desta Freg.a de N. Snr.a da Purificação, filho legítimo do Cp.m Francisco Miz Per.a e de sua m.er D. Antonia de Uzeda Ar.o casado com D. Catharina do Prado de Olivr.a de quem deixou filhos; fez testamento no qual nomeia testamenteiros em prm.o lugar sua m.er D. Catharina do Prado, e Ar.o (sic) , em segundo seu filho bastardo o Cap.m Domingos Miz Pereira, instituindo por erdeira do remanecente de sual alma sua mulher, os seus filhos em partes iguais; foi seo corpo amortalhado no habito de Cristo por ser cavaleiro da dita ordem e enterrado nesta Matriz das portas a dentro e grades p.a sima defronte da Capella do Santissimo Sacramento. Teria de idade sincoenta e sette annos pouco mais, ou menos pello q. de pre....(ta) e por verdade fiz este assento q. asignei supra.

O Coadjutor Manoel Dias Ciebra.".


Domingos Martins Pereira e Catharina do Prado de Oliveira deixaram pelo menos os seguintes filhos:

1- José Martins Pereira
2- Francisco Martins Pereira
3- Francisca de Uzeda e Oliveira (irmã Francisca Maria do Sacramento), enclausurada no convento         do Desterro.
4- Úrsula de Uzeda Ayala Araújo e Luna (sobrenome tomado de seu trisavô, o espanhol de Córdoba, nascido cerca de 1600, Manoel de Uzeda Ayala), Casada com Tomás da Costa Alkmin Ferreira, filho de português homônimo e Rita Leite, esta filha de Estêvão Raposo Bocarro. Tiveram o filho Tomás Antonio da Costa Alkmin Ferreira, que talvez seja ancestral do gov. Geraldo Alkmin. Tomás (pai) foi casado segunda vez com sua tia Rita Pedroso de Abreu, tendo os filhos Felisberto da Costa Alkmin Ferreira cc Genoveva Leite Pereira, e João da Costa Alkmin Ferreira morador no Palmital; ele e seu irmão foram agentes de uma série de desmandos no rio de São Francisco (ver livro "A Geografia do Crime- Violência nas Minas Setecentistas", de Carla Anastasia)
5- Antonia e Ana, falecidas ainda meninas.


O Ten. Cel. Francisco Martins Pereira, filho de Domingos e Catharina, faleceu por volta de 1767 em luta contra os índios botocudos, no sertão do Cuietê. Havia sido enviado para lá pelo governo das Minas, após incendiar a Fazenda da Tábua, do inimigo histórico dos paulistas do São Francisco, o potentado Miguel Nunes de Souza, filho do chefe dos emboabas da guerra de 1711, Manoel Nunes Viana.


Botocudos dos sertões do leste

Do casal de Francisco Martins Pereira e Maria Magdalena de Pazzi nasceu, em São Caetano do Japoré, Antônio Martins Pereira que, depois de criar-se em Morrihos, atraído pelos diamantes, mudou-se para Itacambira, onde adquiriu a Fazenda Pé da Serra. Em 7 de janeiro de 1790, casou-se com Francisca Mariana de Paula, filha do Sargento-Mor José de Abreu Guimarães e Motta, que anunciou a primeira descoberta, e de sua mulher Teresa Maria de Jesus, neta do paulista Manoel Affonso Gaya, que também participara da bandeira de Fernão Dias, e que se fixou nos sertões do Rio Verde.

Livro de registros de matrimônios de Itacambira - 1782-1803
Pesquisa PLM em 1994

Aos sete dias do mes de janeiro de mil setecentos e noventa anos nesta matriz de Santo Antonio da Itacambira feitas as denunciacoes e mais diligencias que manda o sagrado concilio e constituicao sem impedimento se receberao em minha presenca com palavras de prezente pelas dez oras do dia Antonio Miz Pereira filho legitimo do Tenente-Coronel Francisco Miz Pereira e dona Maria Magdalena de Pazis natural e baptizado  na freguezia de Sao  Caetano do Japore e criado na freguezia dos Morrinhos deste arcebispado e dona Francisca Marianna de Paula filha legitima do Sargento Mor José de Abreu Guimarães e Motta com dona Thereza Maria de Jesus natural e baptizada nesta freguezia e nella todos moradores e lhes dei as bencaos conforme o Ritual Romano sendo a tudo testemunhas o capitao Antonio de Serqueira Malheiros e o Tenente Bento Luiz Velloso e mais povo do que para constar fiz este que assignei. 

O Vig. Caetano João Pereira Torrozo


Nas montanhas de Itacambira nasceu-lhes, em um certo dia da primavera de 1790, o filho Caetano Martins Pereira. 


Itacambira - Santo Antonio - Batismos 1781-1792 , pg98v
Pesquisa PLM 1994

"Aos sete dias do mes de novembro de mil e setecentos e noventa annos nesta matriz baptisei e pus os santos oleos a Caetano innocente filho legitimo de Antonio Miz Pereira e Dona Francisca Maria de Abreu (sic). Forão padrinhos o Reverendo Coadjutor Diogo Soares Barboza e Dona Andreza Theodora de Grinalda todos desta freguezia do que para constar fiz este que assignei.

O Vigr. Caetano Pereira Torrozo."




A ainda pequena Itacambira, em meio à serrania do Espinhaço
 

Vendo esgotadas as lavras de sua terra natal, Caetano mudou-se para Grão-Mogol, perto dali, sendo ainda, em 1844, um dos pioneiros nas Minerações de Santa Isabel do Paraguaçu (atual Mucugê, na Chapada Diamantina). Aos pés da Serra de Santo Antônio, em terras que foram de seu avô José de Abreu, Caetano construiu fazenda homônima de Grande extensão. Foi casado com Josefa Carolina Dias Bicalho,


LIvro de Registros de casamentos de Itacambira 1817-1836 E 1868-1880, Registro de casamento de Caetano Martins Pereira e Josefa Carolina Dias Bicalho
Pesquisa. PLM  janeiro de 1994

"...se receberao em matrimonio Caetano Martins Pereira filho legítimo de Antonio Martins Pereira e Francisca Marianna de Paula com D.Josefa Carolina Dias Bicalho exposta em casa do Coronel Joaquim Dias Bicalho naturais  desta freguezia e lhes dei as bencaos do Ritual  Romano e  forao  testemunhas Jose Dias Bicalho e o Capitam Jose da Silva Mares e para constar mandei passar este termo por mim somente assignado.
              
O Vig. Euzebio Antonio dos Santos."

Josefa faleceu em Mucugê em 1848, onde encontrei seu inventário. Como se vê do termo de seu casamento, ela fora exposta (entregue para ser criada) na casa do trisavô de Pedro, Joaquim Dias Bicalho, que talvez fosse pai de Josefa. O sétimo filho deste casal foi Emygdio, avô de Mauro. Caetano faleceu mais tarde, na sua Fazenda de Santo Antônio, aos 28 de abril de 1864:

Registro de testamento de Caetano Martins Pereira, Cartorio de Grão-Mogol, MG.

"Em nome da Santissima Trindade, Padre, Filho, e Espirito Santo, em quem eu Caetano Martins Pereira, firmemente creio e em cuja fé protesto morrer e viver mediante os auxilios de Deus. Este meu testamento e última vontade.
Declaro que sou Cidadão Brasileiro, honra que muito preso; sou natural da Freguesia de Santo Antonio da Itacambira, filho legítimo dos finados Antonio Martins Pereira, e Dona Francisca Mariana de Paula; que fui casado com Dona Josefa Carolina Dias Bicalho, de cujo matrimonio tivemos dez filhos, dos quaes so existem os seguintes = João Baptista Martins, Gualter Martins, Doutor Joaquim Martins, Maria Vicencia de Oliveira Martins, Doutor Pedro Martins, Emidio Martins, Ramiro Martins, e Emygdia Martins, por cabeça de seu pai e meu filho Francisco de Assis Martins, hoje falecido; Assim mais tenho tido no estado de viuves os seguintes filhos = Gasparina filha de Anna da Motta; Filomeno Orlando, havido com Leocadia Munis = E assim mais com a dita Leocadia tive huma filha de nome Maria Balbina, aos quaes com os ditos meus filhos legitimos ja mencionados instituo herdeiros geraes e universaes dos remanecentes de meos bens e declaro que os referidos meos filhos illegitimos aqui instituidos são tidos com mulheres com as quaes nem hum impedimento canonico tenho.
Falecendo eu neste lugar desejo que meo corpo seja involto em habito preto, acompanhado pelo Parocho respectivo e que tenha por jazigo a Matriz, ou semiterio geral, tudo sem menor vislumbre de pompa ou vaidade.
Mando que se celebre por minha alma huma capella de missas, com a brevidade possivel e assim mais quero que se digão tres missas pelas almas de meus pais, e de minha mulher.
(...)."

Continuando os laços com os Bicalho, Emygdio casou-se com Maria Norberta Bicalho Veloso, a “vovó Mariquinhas”, que descendia por via materna do Governador das Esmeraldas, Fernão Dias Paes, fundador de Itacambira, onde se encontravam a célebre lagoa de Vapabuçu e a Serra das Esmeraldas. Em suas veias corria ainda o sangue dos próprios Dias Bicalho, e também dos Velloso, Azeredo Coutinho, Abreu e Melo, Vale Amado e Oliveira Horta, famílias portuguesas e paulistas que, nos séculos anteriores, haviam se radicado no território das Minas Gerais.



Vovó Mariquinhas, falecida em BH em 1932


Saudades

Pedro tinha apenas 13 anos quando tudo começou a mudar...




O jovem Pedro, cerca de  1891
 
O casario colonial de Grão-Mogol aos poucos desvanecia na bruma da manhã...




Grão Mogol ao longe





... enquanto o carreiro seguia viagem de mais de vinte dias até Cataguases. Pedro Martins Pereira nunca mais veria a sua terra natal. As lembranças, contudo, nunca mais lhe deixariam. Anos mais tarde, em Caratinga, escreveu:

 


Vim da terra das flores e dos lagos
Da minha terra, que é o jardim mais lindo!
Eu vim de lá saudades já sentindo
Daquelas serras e daqueles pagos!

Pedro Martins Pereira


 De Emygdio, seu pai, Pedro guardava, entre tantas, as lembranças mais queridas: os passeios que fazia no seu colo, a cavalo, pela Fazenda das Palmeiras, atravessando os campos... as frutas, as flores, os ninhos...os barreiros, onde o gado vinha lamber o sal... aquela terra fofa e escura... os melanciais, de onde seu pai tirava a mais suculenta  melancia... os cafezais...os buritizais, que davam nome à Fazenda e mais pareciam plantados... as matas sombrias logo adiante e lá, mais distante, aquele paredão cor de chumbo...



Os buritizais do pé da Serra...



... e o paredão cor de chumbo.

  Já velho e viúvo, na distante Caratinga, ouviria, nas noites de São João, o batuque alegre e incessante dos negros a dançar. Veria, ao olhar para o céu, as fagulhas da fogueira rodopiando para cima até desaparecer...e virar estrelas! E ouviria Ti Zé, preto velho, contar histórias ... e cantar sobre prisioneiros:

Lucas, de Feira de Santana
é homem de opinião:
só ele vai a cavalo
Os outros de pé no chão...

Nas noites calmas poderia, quem sabe, discernir o som característico da prensa de mandioca da Fazenda Palmeiras, que, mesmo antes do galo, o acordava bem cedo, pela manhã...


A prensa de mandioca ainda é a mesma


Por muitos anos vislumbraria, em sua memória, a  grande Fazenda do Cafezal, do tio Gualter Martins, de onde partiam para descortinar os vastos horizontes do alto da serra do Barão...



Ruinas da Fazenda do Cafezal

        .... após subir o caminho de pedras tão bem feito que esse seu tio, o Barão de Grão-Mogol, mandara construir.




A trilha da serra, mandada construir pelo tio Gualter Martins Pereira, o Barão de Grão Mogol




 Lá em cima todos da família paravam na gruta do Quebra-Coco para comer arroz com lingüiça e só então descer até a cidade e descansar na casa da velha avó Antônia Ricarda Felizarda Bicalho, saboreando um fumegante cuscuz na manteiga...


A Gruta no alto da serra, onde paravam para comer

Depois estavam prontos para seguir em romaria até a igrejinha do Vau, onde havia uma pedra com a figura de uma pomba...


Na igrejinha do vau do Itacambiruçu rezavam para a pomba de pedra


 Em 1910, ao avistar o cometa Halley, lembrou-se do dia, muitos anos antes, em que Lalá, a escrava de quem mais gostava, o acordou no meio da madrugada para ver “uma estrela de cauda” que todos da Fazenda ficaram vendo até que a luz da manhã a apagasse...

Muitos anos depois se lembraria, triste, do olhar de seu pai quando, naquele distante ano de 1883, o pegou ao colo e, entre lágrimas, disse que iria embora para Mucugê, para talvez nunca mais voltar... e, acompanhado pelo tio Orozimbo Velloso, partiu para sempre, falecendo de febres na Fazenda do Poço, em Salto da Divisa. Tal como o avô que não conhecera, pai de sua mãe, Leonel Velloso, que partiu para Lençóis com seus diamantes e o escravo de confiança para nunca mais voltar, talvez assassinado por bandidos que infestavam aqueles sertões...

Com um esforço de memória talvez se lembrasse da velhíssima tia-bisavó, a tia Donana, que ainda morava na fazenda do falecido avô Caetano, e que num belo dia mostrou para sua irmã Aurora (que muitos anos depois escreveu sobre isso e tantas outras coisas), e para as primas Idalina e Elfrida, um velhíssimo baú. Nele luziam jóias, entre elas um pesadíssimo colar de contas de ouro, com lindo crucifixo, que naquele longinquo e triste ano de 1883 mandou a escrava Lia colocar no pescoço da pequena órfã Aurora. A pobre tia, irmã do lendário bisavô Dom José Dias Bicalho, foi amparada na velhice pelo bom afilhado, o tio João Batista Martins, mas morreu pouco depois. Com ela terminaram-se os dias da velha Fazenda Santo Antônio, onde tudo havia começado...


Restos da Santo Antonio, onde findou seus dias a velha tia Donana














Parênteses: em fins do século XX o pequeno Mathias, de 4 anos, que morava na casa moderna e eletrificada construída sobre parte dos alicerces de Santo Antonio, dizia ao próprio pai, para espanto deste, ser, na verdade, filho de um "Caetano", e perguntava sempre onde estavam as lamparinas a óleo de que tanto sentia falta... e que nunca havia visto. O menino cresceu e foi se esquecendo de tudo, até mudar-se de Grão Mogol para Goiás. Só na minha visita, em 2009, depois de me contarem isso, é que os seus velhos avós, atuais proprietários, ficaram sabendo que o construtor da fazenda foi Caetano Martins Pereira.

Pedro, por anos a fio, ao pegar a caneta para escrever seus belos poemas, lembrar-se-ia com ternura do velho professor Carlos Catão Prates, que lhe ensinara as primeiras letras...

Em Caratinga, tão longe dali, só lhe restaram lembranças daqueles tempos.


A Leopoldina Railway Company

Sempre a estrada de ferro. Pedro, aos 23 anos, já trabalhava como fornecedor de lenha, madeira e dormentes para a Leopoldina Railway Company, no ramal Cataguases-Miraí. Logo nasceram-lhe os três filhos: Mauro Lobo Martins, em 1904; Jairo Lobo Martins, em 1906; e Euro Lobo Martins, em 1910


O jovem Mauro, quando dividia quarto com Ari Barroso

As crianças ficaram órfãs precocemente. Elvira, ao visitar sua mãe no Rio de Janeiro, em 1921, foi acometida de tifo juntamente com a irmã Zaira, e ambas vieram a falecer alguns dias depois.

Zaira e Elvira Lobo Leite Pereira, quando jovens

 De Cataguases Pedro foi para Viçosa, incumbido de construir o ramal ferroviário entre esta cidade e Calambau. Trouxe consigo os dois filhos mais novos. 


Mauro, Jairo, Pedro e Euro

 O filho mais velho, Mauro, estudava no Rio de Janeiro, onde fazia os preparatórios. Desta época são os versos de Pedro:

Ao Mauro

O que me pôs no olhar brilhos de aurora
E o pensamento me fez todo enflorar,
Não foste azul do céu nem foi o olhar
De alguma linda fada encantadora!...

O que me fez sorrir, me faz cantar,
E põe-me assim alegremente agora,
Veio de muito longe, de onde mora,
Por quem fico de joelhos a rezar!

O que minha alma pôs de gozos farta
E deu aos meus pensares novo brilho
Foi a mais simples, mais ingênua carta

Que tenha transitado no correio...
Foi a primeira carta de meu filho,
Que guardo no mais íntimo do seio.


Bom Jesus do Galho

Algum tempo depois Pedro transferiu-se para Visconde do Rio Branco, onde construiu a estrada de ferro entre aquela cidade e Rio Pomba.

Foi então que, convidado pela Leopoldina Railway Company¸ mudou-se para Bom Jesus do Galho, aonde chegou em abril de 1929. Construiu o trecho que vai da Estação de Bom Jesus até a divisa dos Correas com São Bento. 

Foi nessa época que Mauro Lobo Martins se transferiu para Bom Jesus do Galho. Tendo se formado em Medicina pela Universidade do Rio de Janeiro em 1928, foi aproveitado como médico das turmas de empregados nas construções, então assoladas pela febre amarela.


Mauro em sua formatura - 1928


     
            
      Da fortuna – há um destino bem marcado
     Terás o teu quinhão, não há quem torça
      O destino – ele foi por Deus traçado!

      Pedro Martins Pereira











Pedro, em seguida, ficou incumbido de construir um trecho para a Itabira Iron (futura Vale do Rio Doce), mas com o advento da Revolução de 1930, as obras não se iniciaram e a Leopoldina pediu-lhe que continuasse no fornecimento de lenha e dormentes no trecho de Raul Soares a Caratinga. Aceitou, passando a residir nesta última cidade. 

Mauro serviu como Capitão Médico de um batalhão que seguiu até o Rio de Janeiro, participando dos episódios da Revolução Constitucional de 1930. 



Mauro (centro) na Revolução de 1930


Casou-se em 29 de dezembro de 1934, em Belo Horizonte, com Luiza Ferraz Ribeiro da Luz, filha de Joaquim Bento Ribeiro da Luz e de D. Mariana Ribeiro Ferraz, e que o acompanhou durante todo o resto de sua vida.


Luiza e Mauro casados, em 1934

Pedro Martins Pereira continuou residindo em Caratinga, enquanto seu filho Mauro permaneceu em Bom Jesus do Galho. Além de árduo trabalhador nas lides ferroviárias, Pedro Martins, como seus ancestrais distantes, gostava de literatura. Em 1933 publicou o livro de poesias “Versos para Mim”. Pedro faleceu, de edema agudo dos pulmões, em 13 de janeiro de 1943. Seu nome é lembrado no Grupo Escolar de Bom Jesus do Galho e na Rua Coronel Pedro Martins, em Caratinga.




Pedro Martins Pereira



Depois de percorrer a imensa estrada
Que sem desvio vai ao fim da vida,
Só nos resta a esperança dolorida
De retornar tranqüilamente ao nada.

Pedro Martins Pereira










No ano seguinte Mauro, ainda clinicando em Bom Jesus, lutou arduamente pela emancipação de Bom Jesus do Galho do município de Caratinga, tendo sido o primeiro prefeito do novo município. Na sua gestão construiu, com os poucos recursos técnicos então disponíveis, a difícil estrada que liga Bom Jesus ao Distrito de Córrego Novo. Teve as propriedades do Sítio do Murici, que por muito tempo forneceu as águas de abastecimento de Bom Jesus do Galho, e da Tiririca, próxima ao Rio Doce. Era também proprietário de um armazém de beneficiamento de cereais, cuja construção, levando seu nome já desbotado, ainda se vê nos arredores da cidade.


Armazém em Bom Jesus do Galho


Após 20 anos vivendo em Bom Jesus, Mauro mudou-se para Belo Horizonte, passando a residir na Rua Professor Antônio Aleixo 755, no bairro de Lourdes. Lá acabou de educar seus cinco filhos: Nelson, Maria Elvira, Maria Luiza, Mauro e José Carlos, tendo Maria Luiza e Mauro nascido em Bom Jesus. 

A casa de Belo Horizonte


Os cinco filhos de Mauro e Luiza


 Uma Vida de Exemplos

Durante a sua longa vida meu avô Mauro não se esqueceu dos vínculos com a velha Bom Jesus. Manteve a sua casa na Rua Major João Gualberto, próxima à ponte sobre o Ribeirão do Sacramento e, até os anos de sessenta, uma serraria e a casa de comércio de cereais. Vinha à cidade quase todos os meses. Mesmo depois, em visitas à cidade, onde revia os muitos amigos que soube cultivar, era convidado a dar o ponta-pé inicial nas partidas de futebol do time da Associação, que ajudou a fundar, e que é tricolor como o Fluminense, time de sua paixão. Sua casa hoje pertence a seu filho Mauro Lobo Martins Junior, ex-deputado estadual pela região.


Casa em Bom Jesus, na década de '70

Até sua morte, ocorrida em 11 de julho de 1995, após 91 anos de frutífera existência, foi filho, pai, avô, bisavô, irmão e amigo exemplar, tendo honrado todos aqueles que tiveram o privilégio de com ele conviver. Com ele todos aprendemos o que é uma vida de virtudes e humanismo.


Lendo na fazenda Bela Vista

Lembro-me de, menino, vê-lo com a minha avó a distribuir cobertores e palavras amigas aos pobres que vinham bater à sua porta nas frias noites do inverno bomjesuense de 1977. Dizem que não eram poucos os necessitados que atendia, sem cobrar, no consultório que mantinha na sala da frente de sua casa. Nos idos de 1947 ou 1948, quando muitos aproveitadores sem competência nem caráter para ascender politicamente pelas vias legais se valiam da bala, um pistoleiro foi contratado para matar meu avô assim que descesse do trem. O sujeito mirou, de longe, mas, forçando a vista, percebeu que o alvo era o Dr. Mauro, que tantas vezes havia cuidado de sua família. Não teve coragem de apertar o gatilho, como muitos anos depois confessou.

 A Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe referiu-se a ele, em 1964, como “um mineiro manso, cauteloso e franco” e à minha avó, como “uma jovem avó que, como boa mineira, sabe juntar a elegância sóbria a uma atraente simplicidade de expressão”. Se as palavras de um neto podem soar por demais impregnadas da admiração que por ele sentia, talvez essas, menos parciais, possam juntar-se às que foram escritas no Jornal Estado de Minas de 9 de agosto de 1994, afiançando o caráter íntegro e correto de Mauro Lobo Martins:

 “Nesta época em que os valores se consomem na luta dos interesses menores; época de pouca sabedoria, em que prevalecem as competições neuróticas e são escassas, nos homens, as virtudes, é muito bom poder comemorar os noventa anos de quem soube viver com dignidade, temperança e postura moral os tempos da sua juventude e da sua maturidade. É muito bom poder comemorar os noventa anos de quem acumulou, não só os justos frutos do trabalho honesto, como, também, uma sólida cultura e um cabedal de ações meritórias que a modéstia cristã não permitiu fossem mais conhecidas.
Ao homenagear um ilustre mineiro, que nos idos tempos exerceu medicina apostólica nos rincões do interior do Estado; ao homenagear um íntegro cidadão, político de outros tempos, que cumpriu com lisura, competência e dedicação seu mandato de prefeito numa então florescente cidade das Minas Gerais, reverenciamos, com certeza, o desprendimento dos que servem sua comunidade sem nenhum laivo de interesse pessoal. Por isso, senhor redator, pedimos um pequeno espaço, nesse importante jornal, para grafar em negrito o nome respeitado do Dr. Mauro Lobo Martins, modelo exemplar de filho, esposo, pai, irmão e amigo. Louvando-lhe a lucidez de espírito e a nobreza de atitudes, próprias do verdadeiro gentleman, reveladoras do autêntico cristão!”

(Maria de Lourdes Guimarães)


Vovô Mauro velhinho, com uma bisneta


Sua esposa Luiza sobreviveu-lhe até 2006, quando também se foi, aos 92 anos. Tiveram cinco filhos e dezessete netos. Têm hoje 20 bisnetos.


Vovó  Luizinha

E as estradas de ferro também se foram...


Pedro Lobo Martins, 2003 e 2011

Fotos: Arquivo pessoal; e viagem a Grão Mogol em junho de 2009

Para conhecer os antepassados de Luiza veja o post de maio de 2011:
http://caveab.blogspot.com/2011/05/os-antepassados-de-luiza-ferraz-ribeiro_12.html 

Para um filme sobre a última viagem de pesquisas a Grão Mogol:



quinta-feira, 9 de junho de 2011

Com a Letra R


 
 
 
 


 
 
Pequeno poema com a letra R, a pedido (irrecusável) de meu tio José Carlos, que queria um jogral, mas assim ficou sendo:
R
Gosto de remos, de rumos, e das rimas
que animam as rezas, e risos
daquelas raras, rosadas meninas
que tenho reais em roda de mim:
(com C: Catharina e Ciça)

Não dos rudes, ruins, rabugentos
que desanimam as rezas, e risos
daqueles raros, rosados momentos
que quero repletos na ronda do fim.

Reunir, retribuir, repartir
ruínas rochosas, rios revoltos
romã, rolimã, rolar de rir;
sem erro e sem erre: a flor do jasmim!

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Radares de Velocidade em Belo Horizonte
















No início do ano envolvi-me na polêmica dos radares, sanha arrecadatória da BH Trans e coisa e tal. Tudo começou com a seguinte carta de uma leitora do jornal "O Estado de Minas", publicada em janeiro de 2011:


Motorista indignada com multas recebidas 
Cléo Vaz: Belo Horizonte

É um absurdo o que estão fazendo com os cidadãos de Belo Horizonte. Estou com multas no meu prontuário porque passei 3 km/h acima do permitido na Avenida Nossa Senhora do Carmo e 4 km/h acima do limite na Avenida do Contorno. Nos dois locais, não há trânsito de pedestres. O que representam 68 km/h em um veículo com todos os recursos de frenagem como os que são fabricados hoje? Não sou contra radares e acho que ninguém o é, mas eles deveriam pegar os que andam em alta velocidade e não os motoristas que são responsáveis. O limite de 70 km/h seria razoável e não provocaria tantas multas. Nunca fui notificada nos meus 21 anos de carteira. Sou atenta às leis de trânsito e faço minha parte, mas sou obrigada a concordar que existe, sim, uma indústria da multa em BH que precisa ser veementemente combatida. Se a prefeitura está sem dinheiro, ela que vá buscá-lo em Brasília e não por meio de uma forma sorrateira como está fazendo. Quem não foi ‘premiado’ com uma multa por alguns quilômetros acima de 60 km/h não se iluda: ainda vai ser. 

Não há trânsito de pedestres na N.Sra do Carmo e na Contorno? Todos os carros têm ótimos recursos de frenagem? Como diferenciar motoristas responsáveis dos irresponsáveis? Pela sua foto?


Sim, existe uma indústria da multa. Fato. Assim como existe uma "indústria" do cartão de crédito, uma "indústria" do Direito, uma "indústria" da doença e muitas outras "indústrias". Infelizmente nosso mundo está assim, e até que façamos alguma coisa vai continuar assim. É claro que a prefeitura quer arrecadar. Qual governo não tem uma "sanha arrecadatória"? Só que tem que arrecadar de forma razoável, nos limites da lei, e aplicar os recursos arrecadados de forma responsável.

Enquanto isso, quem quiser entrar no cheque especial que entre. Quem quiser perder dinheiro na loteria que perca. Quem quiser entrar em outros "esquemas" que entre. Essa indústria da multa ainda não me pegou. Se pegar, e de forma legal, pagarei e colocarei a responsabilidade inteiramente sobre meus ombros. Enquanto isso, acharei ótimo que pegue o corredor contumaz que um dia poderá me causar prejuízos materiais, se não de natureza muito pior.Os não contumazes que forem (ou formos) pegos, paciência.É o preço que pagamos pelos erros dos outros. Não temos que tolerar quebra-molas, que tanto causam estranheza nos estrangeiros, e que foram feitos para os "outros"?. 

Portanto, não concordo com a leitora, que foi pega alguns quilômetros acima da velocidade máxima permitida, considerando o limite de tolerância. Por isso escrevi uma "resposta" àquele jornal, publicada em 11.01.2011:


Pedro Lobo Martins - Belo Horizonte

Tenho observado, nesta seção, várias críticas aos radares de velocidade que vêm sendo instalados em Belo Horizonte. Ora os limites por eles impostos (60 km/h nas vias arteriais) são considerados baixos demais, ora os radares são relegados a meros instrumentos de uma ‘indústria da multa’ da prefeitura. São argumentos inertes. 

Os limites máximos de velocidade nas cidades não são definidos pelos municípios, mas pelo Código de Trânsito Brasileiro, em seu artigo 61. Os prefeitos, felizmente, não têm autoridade para alterar esses limites, que são definidos por critérios técnicos, que consideram a segurança dos motoristas e pedestres, e não políticos. Quanto ao aumento da arrecadação municipal depois da instalação dos radares, o que mais seria de se esperar? Se antes os apressados raramente eram flagrados, após a instalação dos radares as suas atitudes não mudaram e sua atenção não foi redobrada.

Aqui reside o cerne da questão: apesar do relativismo que permeia a cultura brasileira, no caso das normas de trânsito ou se é a favor do respeito a elas ou não. O fato é que, devido à sua natureza democrática (por não discriminarem ninguém), essas normas, sejam elas ‘boas’ ou ‘ruins’, valem tanto para o motorista da Brasília 1979 quanto para o do SUV 2011; tanto para o pior quanto para o melhor dos cidadãos. Não pretendo defender a BHTrans, mas as reclamações estão sistematicamente fora do alvo. Aqueles que consideram baixo o limite de 60 km/h nas vias arteriais, já que nossos carros incorporaram freios ABS e outros avanços tecnológicos, deveriam concentrar seu poder de fogo no Contran/Denatran, que estabelecem as normas de trânsito para todo o país.

Mas não nos iludamos: uma vez aprovado um hipotético aumento nacional do limite de velocidade para, digamos, 70 km/h, esses mesmos cidadãos exemplares (e apressados) não deixarão de transferir sua culpa para uma ‘sanha arrecadatória’ e de concentrar seu fogo nos seus algozes, os radares. 


Depois da publicação desta carta outros cidadãos indignados (e flagrados acima da velocidade máxima permitida) continuaram, como crianças mimadas que não sabem onde jogar a culpa, a atacar os radares, e também minha posição na carta ao jornal. A crítica mais lúcida (se não a única lúcida),  partiu do especialista em trânsito José Aparecido Ribeiro:

Parabenizo o Jornal Estado de Minas pela forma democrática que tem tratado o assunto radares e limite de 60km. O leitor Pedro Lobo Martins apresenta em sua carta publicada dia 11/01 argumentos bastante convincentes para tirar da Prefeitura e da BH Trans a responsabilidade das multas aplicadas a motoristas que andam revoltados por serem notificados em virtude de 3 km acima do permitido, como é o meu caso. Tenho 5 multas a 67, 68, 69, 71 e 73 km, todas em locais de pouco ou nenhum transito de pedestres.

Todo mundo sabe que os limites de velocidade são impostos pelo CNT e as Prefeituras apenas cumprem o que determina o código. Contudo, estamos diante de um impasse técnico que precisa ser melhor compreendido e que revela de fato a existência de uma “industria da multa” velada e até com defensores... O leitor diz em sua defesa que as vias arteriais devem ter limite de 60km e está corretíssimo. Mas é importante lembrar que não estamos falando dessas, e sim dos CORREDORES onde a velocidade máxima permitida pode ser de 70km e não 60km. É assim em São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória, Brasília e em muitas Capitais onde a categorização de vias são similares as de Belo Horizonte.

Comentário sobre meu grifo, acima:  não, estávamos todos falando  das vias arteriais mesmo (vulgas avenidas). Por outro lado, o Código Nacional de Trânsito (CNT) não reconhece CORREDORES de trânsito. Talvez José Aparecido se refira às VIAS DE TRÂNSITO RÁPIDO, em que a velocidade máxima pode chegar a 80km/h. Mas estas são caracterizadas por acessos especiais com trânsito livre, sem interseções em nível, sem acessibilidade direta aos lotes lindeiros e sem travessia de pedestres em nível. Em Belo Horizonte lembro-me agora, além do anel rodoviário e da via expressa, em que a velocidade máxima é de 80km/h, da subida da Av. Raja Gabaglia até o BH Shopping, em que a velocidade permitida é de 70km/h.
ele continua:

Ninguém é contra radar para pegar os apressadinhos que andam apostando corrida pela cidade, mas todos são contra radares instalados com objetivo arrecadatório. A velocidade média de segurança nos corredores da cidade de Belo Horizonte pode ser 70 km se o Prefeito quiser. Toda essa polêmica está acontecendo por teimosia e interesses financeiros, pois é possível adequar os limites dentro da Lei sem riscos para a sociedade. O problema é que a hipocrisia tomou o lugar da lógica ao colocar os motoristas que são a favor do limite de 70km no mesmo balaio dos que excedem em níveis fora dos padrões. Com efeito, a 70km o transito vai fluir melhor e poucos serão multados.

José Aparecido Ribeiro
Especialista em Trânsito e Assuntos Urbanos
CRA – MG 0094/94 – 31-9953-7945
Belo Horizonte -MG

Ele está certo: se quisermos, temos que atacar os limites de velocidade impostos pelo CNT, e não os radares implantados pelos municípios. Eu Adoraria poder trafegar a 70km/h nas avenidas de Belo Horizonte. Mas, de qualquer forma, onde estão os estudos que comprovem a segurança disso, caso a caso? Como age o lobby pró-aumento de velocidade, no Congresso? Os especialistas em trânsito estão se mobilizando? E os que escrevem  contra os radares? Já escreveram para seus representantes em Brasília?


Talvez seja mais fácil correr um pouquinho...

terça-feira, 7 de junho de 2011

Bons Preconceitos

   












Hoje fui buscar o Augusto na Escola e perguntei a ele o que tinha aprendido no dia.  É que gosto de aproveitar a oportunidade para mergulhar com ele um pouco mais fundo no assunto. Ele adora. Quando cabível, e quase sempre é, trato de doutrinar. Isso mesmo: doutrinar.  Não penso como o Pink Floyd. Acho que as crianças não devem ser deixadas sozinhas, nem pelos professores e muito menos pelos pais. Ele é meu filho, e doutrino sim. Com amor. Melhor que deixar a televisão doutrinar, melhor que deixar o governo doutrinar, melhor que deixar quem não o ama doutrinar, pois as crianças, com sua mente maniqueísta, querem  muito diferenciar o “certo” do “errado”. Se fizerem isso com os pais, estarão dispostas a ouvi-los pelo resto de suas vidas, ou os ecos de suas vozes, quando estes não existirem mais. Se não, terá sido tarde demais: na adolescência dispensarão seus conselhos para aprenderem tudo com os amigos, que provavelmente terão dificuldades em escolher, e se tornarão adultos menos próximos do que um pai gostaria.

A professora de Religião disse que não devemos ter preconceitos. E a professora de História, que não existem culturas melhores que as outras. Que bom, meu filho está tendo lições que o tornarão um homem do século XXI: tolerante, liberal, que saberá relativizar as situações e será capaz de sentir empatia por seu semelhante menos afortunado ou que pense diferente. Mas é isso, sem tirar nem por, que quero pra ele?

Enquanto o carro enfrentava o trânsito das sete (aprendi a deixar o carro enfrentá-lo sozinho, eximindo-me de participação nesse incômodo), comecei a pensar junto com meu filho. A conversa, acredito, foi adequada para ele, um menino de oito anos. Quando ele crescer, eis o que gostaria que ele entendesse melhor:
  
Nesses dias politicamente corretos há um grande preconceito contra o preconceito. Que pessoa virtuosa no mundo “civilizado” do século XXI seria a favor do preconceito? Nos nossos dias, quem, em boa companhia, admitiria ser preconceituoso? Fazê-lo é o mesmo que proclamar-se estreito em seus julgamentos, rígido em seus princípios, arrogante em suas atitudes, convencido de sua superioridade e moralista. Melhor então engolir os preconceitos do que admiti-los publicamente.

Ao contrário, a pessoa sem preconceitos, ou aquela que pretende sê-lo, submete todas as suas suposições ao escrutínio de uma suposta razão; seus julgamentos, se hesitam, terminam por tomar o caminho da generosidade. O indivíduo não discrimina preferências ou ações alheias. Sendo um cidadão do mundo, de mente aberta, trafega livremente pelos mais diversos universos culturais, os quais se inclina mais a compreender e aceitar do que a julgar e condenar. O indivíduo sem-preconceitos relativiza tudo, e isso inclui sua própria dimensão individual, que acaba enfraquecida. Mas ele procura compensar essa perda da individualidade apelando para a dúvida.  O sem-preconceitos quer libertar-se e, portanto, duvida. Duvida para recuperar sua individualidade. Seu ceticismo não acata limites, nem mesmo simbólicos. Sua busca por si próprio não aceita barreiras, muito menos as impostas pela autoridade.
  
Se o indivíduo cartesiano surgiu no século XVII, as crianças demoraram mais ainda a se tornar entes com personalidade própria. Hoje, contudo, como se verifica pelo status que adquiriram nas famílias ocidentais e pela crise de autoridade que aflige a maioria das escolas, elas finalmente se tornaram “livres”. Investidas desde pequenas da autoridade para escolher entre uma miríade espantosa de opções, para exercer seu poder de veto e para arbitrar entre o bem e mal, as crianças finalmente passaram a existir. Quem já viu uma mãe debruçar-se sobre seu filho de três ou quatro anos, em um supermercado, para perguntar o que gostaria de comer no jantar, sabe do que estou falando. A idéia é que, supostamente, se estará concedendo a ela a responsabilidade pela escolha, deixando de transmitir “preconceitos” maternos. “Autonomia”. Mas a lição verdadeiramente transmitida é que a vida deve ser guiada e levada pelos julgamentos e gostos da criança e não por regras externas a ela. Nem a mãe nem a criança (e nem a escola, para todos os efeitos) percebem que, ao invés de se ver livre de preconceitos externos, a criança se tornará escrava de seus próprios preconceitos, oriundos de sua razão apenas incipiente, insuficiente.

Se a criança é o pai do homem, o homem que dela nasce não é livre. Sua dúvida não encontra respostas. Sua individualidade é ilusória. Não espanta que a marca registrada dos adolescentes (e de muitos adultos) de hoje, sustentada e emulada pela mídia e produtos direcionados para esse público, seja a expressão facial de uma hostilidade abobada, uma mescla do indiferente olhar bovino com a ameaça latente de um pit bull.

Quero que o adulto que nascerá da criança que é o meu filho se ancore nos adultos que hoje são seu pai e sua mãe. Quero que ele aprenda conosco que não se deve fazer discriminações pessoais baseadas em características inatas, como cor da pele; em ideias políticas, científicas ou de qualquer outra natureza; e em preferências pessoais, incluindo sexuais. Não quero que ele seja politicamente correto, mas apenas, e isso basta, correto, ancorando-se nos valores e princípios que ele buscará primeiro nos ensinamentos de seus pais e demais tutores bem intencionados (incluindo professores e amigos), e que mais tarde certamente será capaz de encontrar em si próprio. Mas, ao contrário do que disseram superficialmente suas professoras de religião e de história, quero que ele saiba fazer algumas discriminações. Quero que meu filho seja preconceituoso.

Sim, existem bons preconceitos. E estes dizem respeito sobretudo às más atitudes. Quero que meus filhos saibam discriminar atitudes generosas das mal-intencionadas; atitudes respeitosas das egoístas; atitudes sábias das ingênuas; atitudes que, extrapolando a esfera pessoal  do agente, os atinja de forma agressiva ou anti-ética. Mas quero também que meus filhos saibam diferenciar o verdadeiramente belo daquilo que apenas aparenta virtude. Quero que saibam o que é arte e o que apenas pretende ser. Quero que reconheçam, para seus amigos, bons caráteres. Não quero que falem como não devem, que escrevam mal; melhor: quero que saibam ser convenientes. Quero que saibam diferenciar culturas de subculturas. Quero que entendam que a polidez, embora não baste, é sempre necessária. Quero que tenham consciência de que as coisas populares podem ser ruins e que as coisas impopulares podem ser boas, e vice-versa; quero que desprezem a ortodoxia acadêmica que prega o relativismo geral de que já que nada é melhor e nada é pior, então o pior é melhor porque é mais difundido; quero que saibam discutir ideias, sem menosprezar as pessoas que as têm.Quero que, como Churchill, defendam sempre o direito de as pessoas falarem sobre suas ideias, quaisquer ideias, mesmo que não concordem com elas. Assim saberão distinguir as nuances do que lhes parece errado para agir, pelo resto da sua vida, como lhes parecer certo.

Neste mundo de relativismos, algumas certezas são necessárias. Na educação dos filhos, em muitas situações a intuição, baseada em probabilidades construídas a partir da experiência dos pais, deve prevalecer sobre a observação, que requer a razão, que as crianças ainda não desenvolveram. Estas, ao crescerem e conquistarem autonomia e espírito crítico (razão), certamente julgarão seus pais e, ao formarem seus conceitos, filtrarão os "preconceitos" paternos que considerarem válidos. Irão tornar-se, assim, pessoas razoáveis e críticas, e não indivíduos hipercríticos, sem certeza de nada e ao mesmo tempo com todas as certezas do mundo, como se se veem aos montes por aí.
 
Não sou o melhor pai do mundo, mas sou o pai que meus filhos têm. Tenho apenas alguns anos para começar a honrar este papel, pois eles logo crescerão. Os filhos são meus e de minha esposa, mas o mundo, que é muito maior, é todo deles. E quero que eles, crescendo, sejam também do mundo, carregando pelo resto de suas vidas os princípios e valores que formos capazes de transmitir a eles e que tivemos a felicidade de receber de nossos pais. A omissão seria imperdoável. Imbuídos desde pequenos, entre outras coisas, de bons preconceitos, meus filhos terão os ombros mais leves, sem o peso da dúvida. Assim, espero, se tornarão verdadeiramente livres.

E eu também.





               

               

               

sábado, 4 de junho de 2011

A Ventura deste Mundo






















Christophle Plantin nasceu na França em 1514. Aprendeu o ofício da tipografia, tornando-se um dos maiores impressores de livros de sua época, amando-os, como bibliófilo e humanista que era. Faleceu em 1589.

Escreveu:

Avoir une maison commode, propre et belle,
Un jardin tapissé d'espaliers odorants,
Des fruits, d'excellent vin, peu de train, peu d'enfants,
Posséder seule, sans bruit, une femme fidèle. 

N´avoir dettes, amour, ni procès ni querelle,
Ni de partages à faire avec ses parents,
Régir tous ses desseins sur un juste modèle,

Se contenter de peu, n'espérer rien des gens. 

Vivre avec franchise et sans ambition, 
S´adonner sans scrupule à la dévotion, 
Dompter ses passions, les rendre obéissantes. 
                           
Conserver l'esprit libre, et le jugement fort,
Dire son chapelet en cultivant ses entes, 

C'est attendre chez-soi bien doucement la mort.


Nesse seu belo soneto, Plantin enumera aquilo que, segundo ele, dá valor à vida. Não o que faz a vida apenas suportável, mas o que a torna virtuosa e feliz. Até a velhice, se possível. A felicidade, segundo Plantin, requer um bom conhecimento de si próprio para saber doar-se sem perder-se: altruísmo pragmático. Não prescinde de “uma casa simples e bela” e de “algumas crianças” ao redor. Uma vida feliz requer, antes de tudo, ausência de infelicidade: uma mulher fiel, ausência de dívidas, amizade entre parentes; humanista e renascentista que era, valorizava a liberdade individual, garantida por um espírito livre, fortalecido pela razão. Homem do século XVI, considerava que se devia minimizar as “paixões”, subjugando-as. Tendo conhecido dissabores na vida, sabia que a riqueza material, fluida, não garantia  a felicidade. Humilde, reconhecia que sobre seus ombros repousavam os espíritos de seus antecessores. Sabia que só uma vida plena e feliz pode dar lugar a uma morte boa e “doce".

Inspirado por Plantin, que soube desvendar uma enorme faceta da alma, modifiquei seu soneto, fazendo-o aproximar-se da minha alma, que não é tão diferente. Somos, afinal, todos humanos.


                                                                                                                                                                                
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