quinta-feira, 5 de maio de 2011

A Ilusão das Fronteiras Infinitas



Parece ser da nossa natureza: ao nos deparamos com a abundância, queremos acreditar na sua eternidade. A surpresa que o excesso nos causa nos agrada ao mesmo tempo em que nos seduz através de expectativas irreais. Chamo isso de a “ilusão das fronteiras infinitas”.

Há quinze mil anos bandos errantes chegaram às pradarias norte-americanas para encontrar o Éden sobre a terra. Por mais que a vista se estendesse, os horizontes se abriam às vastas extensões de terra virgem e uma imensidão de animais que compunham uma megafauna ainda intocada, da qual o homem, a partir daquele momento, seria apenas mais um componente. E em dois mil anos seria virtualmente o único, depois de chegar ao fim a fronteira: a megafauna estava extinta. Nesse sentido biogeográfico, até mesmo ilhas foram consideradas fronteiras infinitas, sendo notórios vários casos de extinções insulares.

Se não podemos desvendar a mente dos primeiros americanos para compreender sua visão de mundo, somos mais afortunados em relação a épocas mais recentes. Tomemos o caso de Minas Gerais: desde o anúncio do primeiro ouro, em fins do século XVII, a multidão que acorreu à região central do nosso estado imaginava que os grânulos que se encontravam em abundância à flor da terra durariam para sempre: “enquanto o mundo durar, se não poderão extinguir as minas”, vaticinava D. Rodrigo da Costa, governador-geral da colônia, em 1706. A ilusão o cegava.

Nos séculos XVIII e XIX mesma ilusão se apoderava daqueles que, ao vislumbrarem a imensidão sem-fim das florestas litorâneas do Brasil, a consideravam interminável. Já no século XX, o mesmo se daria com a floresta amazônica. Desta vez seu tamanho descomunal não apenas cegava: apequenados diante dela seus desbravadores ainda a tratam como se fosse um inimigo infinito.

Até mesmo nós, exploradores de cavernas, somos tomados pela expectativa da fronteira infinita quando nos deparamos com um carste inexplorado. As descobertas, que inicialmente se sucedem em ritmo frenético, dão-nos a impressão de que anos a fio de prospecção não darão conta de todas. Ainda hoje, quando quase todas as províncias espeleológicas foram bastante exploradas, é comum ouvir alguém dizer que “apenas 10 a 20% das cavernas (mesmo as grandes) foram descobertas”. O caso do petróleo também é emblemático. A fronteira, como o universo, parece não ter fim.

O homem tem a tendência a sobrevalorizar eventos recentes ao antecipar possibilidades futuras, o que o torna mais sintonizado ao mundo. Ficamos prontos a agir de acordo com o feedback estatístico que o ambiente nos fornece, e isso parece fazer certo sentido do ponto de vista sociobiológico, evolutivo. Suspeito, contudo, que em se tratando de amostras iniciais particularmente abundantes, como nos casos acima descritos, esse mecanismo não funcione tão bem. Um tipo de imprinting cognitivo perece manter em nós a ilusão de que a abundância permanecerá no tempo, a despeito dos sinais estatísticos que novas situações nos anunciem. Tendemos assim a considerar que o que é abundante num primeiro momento permanecerá assim por um longo tempo. Ao contrário, aquilo que nos parece inicialmente raro continuará raro nos momentos seguintes. E isso parece ser particularmente válido para entidades tais como florestas, cavernas, petróleo e outros recursos naturais, cuja impressão de abundância inicial não se desfaz até que a descoberta/ produção entre em colapso. Por vezes a ilusão se estende ao último minuto, e mecanismos culturais podem favorecer a sua sobrevida mesmo através de gerações.

Do ponto de vista metafísico, a ilusão do sem-fim parece, de alguma forma, compensar a nossa própria finitude, trazendo-nos um certo alívio espiritual. Não é a isso, afinal, que as grandes religiões se propõem? O imenso e desbravado território do misterioso nos apequena a carne enquanto engrandece a nossa alma. Se isso não nos basta, ao menos nos consola.

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