sábado, 10 de dezembro de 2011

Why Architecture Matters, por Paul Goldberger


 









Por Pedro Lobo Martins

Vitruvius, escrevendo no primeiro século AD, definiu os três elementos primordiais da arquitetura como comodidade, solidez e prazer. Paul Goldberger foi mais além: um edifício deve ser útil, bem construído e visualmente agradável, é certo, mas a arquitetura começa realmente a importar na medida em que, não obstante essas três facetas fundamentais, mais ligadas à funcionalidade e à praticidade, adquire qualidades de Arte. A arquitetura importa quando, podendo gerar prazer, pode também nos tornar infelizes; quando, podendo nos trazer o conforto do íntimo e do familiar, tem o potencial de nos deixar perplexos em meio à grandeza dos grandes espaços; quando, aliviando as nossas necessidades, pode satisfazer também os nossos desejos.

A arte pode ser definida principalmente pela intenção. Também a arquitetura possui essa qualidade, mas nela a intenção traduz-se pelo seu caráter civilizatório. Goldberger entende que a arquitetura importa quando, mais do que edifícios individuais, pode criar uma fábrica urbana que acaba por se tornar o substrato da civilidade e da civilização. Valoriza, assim, a ligação estética entre edifícios vizinhos como elemento desejável na composição urbana (isso nos faz comparar a cacofonia visual de uma cidade como Belo Horizonte com a harmonia urbana de uma Paris).

Com a invenção da prensa, no século XV, a arquitetura deixou de ser o principal veículo de propagação de ideias, como observou Frank Lloyd Wright, e o seu propósito teve que ser rediscutido. A leitura que Wright e outros modernistas fizeram da situação é a de que as ideias do passado deveriam permanecer no passado, tornando-se inútil – para não dizer imoral – procurar reinventá-las. Os modernistas inauguraram a noção do “estilo de época”, desconhecido até o século XX. Para Goldberger, talvez tenha sido excesso de pretensão.

Isso porque, para ele, a arquitetura importa quando logra comunicar sua mensagem, que transcende o puramente funcional, e foca-se no belo. Afinal a forma, a escala, a proporção, a textura e a relação com o contexto do entorno dizem muito mais sobre o sucesso de um edifício do que as associações estilísticas que aplicamos a ele, ainda que estas se curvem às vicissitudes dos tempos. E que tempos estes, pós-modernos, em que "o gosto é a única moralidade". E Ruskin ainda diz: “Dize-me de que gostas e eu te direi quem és”. De qualquer modo, sobre a labilidade das preferências, individuais ou sociais, Goldberger pretende que deva prevalecer a estética do espírito.

A alienação espiritual que se observa nos grandes centros poderia estar ligada à perda da sensibilidade estética pela maior parte das pessoas. Goldberger cita Christian Norberg-Schulz, para quem está em curso a perda de senso de lugar na sociedade contemporânea, que se reflete na perda de um entendimento poético do mundo: “a vida, de fato, não consiste de quantidades e números, mas de coisas concretas como pessoas, animais, flores e árvores; de pedras, terra, madeira e água; de cidades, ruas e casas; do sol, da lua e das estrelas; das nuvens, da noite, do dia e da mudança das estações. E nós estamos aqui para nos importar com essas coisas.”. A arquitetura importa porque pode trazer o belo para mais perto das pessoas; porque pode tornar as pessoas mais sensíveis ao belo e, assim, mais felizes.

Goldberger considera as possibilidades de criação e desafio estético inesgotáveis. Mas se as possibilidades da ciência e da tecnologia, por mais que se pretenda o contrário, são limitadas, as do espírito sensível ao belo nunca serão.



sábado, 29 de outubro de 2011

A Exploração


Por Pedro Lobo Martins

Adaptação do bonito poema de Raimundo Correia: A Cavalgada

Este soneto é uma homenagem àqueles que, mais do que exploradores dos mundos subterrâneos, são grandes amigos das grutas. A ponto de estarem dispostos a deixar partes de suas almas nos labirintos onde, quem sabe um dia, serão capazes de reencontrá-las - apenas para mais uma vez as  deixarem por lá...
As grutas são uma metáfora da vida: apenas passamos por elas; e, embora não sejam infinitas, como talvez desejássemos, nos mostrarão seus infinitos mistérios, se bem procurarmos.
 

                                                                                                        Foto: Pedro Lobo Martins

A Exploração

A noite banha a solitária dama...
Silêncio!... mas além, confuso e brando,
O som longínquo vem se aproximando
Das vozes que dão alma à crua chama.

São pessoas que vão rumo ao incerto;
Vêm alegres, vêm rindo, vêm cantando,
C'os olhos a brilhar vão perscrutando
As sombras mudas do gentil deserto...

E a gruta ecoa, move-se, estremece...
Dos exploradores a visão fluente
Perde-se então no fundo da montanha...

E o silêncio outra vez soturno desce,
E límpida, sem mácula, premente,
A noite a solitária dama banha...



segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Theodore Dalrymple



                Theodore Dalrymple, pseudônimo de Anthony Daniels, é um psiquiatra inglês de 62 anos com larga experiência clínica em prisões  e hospitais de diversos países. Suas ideias, consideradas conservadoras, partem da crítica aos círculos intelectuais que minimizam a responsabilidade individual e assim desumanizam as pessoas, contribuindo para a formação, em vários países, de uma subclasse afligida pela violência endêmica, pela criminalidade, pela dependência do Estado e pelo abuso de drogas. Dalrymple publicou alguns livros, todos inéditos no Brasil, que vêm dando o que falar. Mais recentemente li Life at the Bottom (2003). A seguir, um pequeno resumo das principais ideias ali expostas:

                Para Dalrymple, o comportamento humano não pode ser explicado se não for correlacionado aos significados e intenções que as pessoas conferem aos seus próprios atos. Para ele, as pessoas podem ser divididas em dois grupos: aquelas que se responsabilizam pelo que fazem e aquelas, os pobres coitados, que externalizam a responsabilidade – e a culpa – por suas ações, transferindo toda a cadeia de causalidade a outras pessoas ou circunstâncias. Todos transitamos pelos dois extremos: a diferença é de grau.

                Esse segundo grupo de pessoas coloca-se no lugar de meras vítimas de forças sociológicas e econômicas poderosas e ocultas. Ocultas? Não tanto. Os intelectuais e acadêmicos dos últimos cento e cinquenta anos puseram-se a serviço de desvendar essas forças, criando uma dicotomia sociológica que fortaleceu aquela divisão entre as pessoas e a transmutou, separando aqueles que se encaixam na categoria de homens dos que, bem, não são tão humanos assim.

                Tamanha condescendência serviu a seu propósito: muitas pessoas começaram a sentir-se, bem, menos humanas. A racionalização de atitudes tornou-se disseminada. Afinal, justificativas “científicas” de cunho sociológico, econômico e psicológico agora passaram a existir. Livres de constrangimentos que operaram durante séculos, esta casta não-humana agora pode dar-se a realizar abortos via Kung Fu; a espancar esposas e abandonar seus filhos; a cometer todo tipo de violência contra o indivíduo e contra a sociedade; a tornar-se ainda menos humana através de drogas e, assim, tornar ainda mais “justificáveis” seus atos. A explicação, cada vez mais, passou a confundir-se com a justificativa.

                O relativismo moral, cultural e intelectual engendrado pela academia permeou toda a sociedade e fez nascer o indivíduo relativo, sem certezas, sem opiniões e sem responsabilidade pelos próprios atos. Mas no momento em que a educação se torna relativizada acontece o pior: o indivíduo se torna prisioneiro das condições sociais em que nasceu. O relativismo educacional e lingüístico transformou uma classe social em uma casta fechada, selada, imobilizável. Mas esta é a intenção de alguns intelectuais, ansiosos por manter suas posições acadêmicas e que não deixam de esforçar-se por deixar transparecer a seus pares sua visão ampla e “democrática” de mundo.

                “Vítimas” das diversas externalidades, esta casta pode o que os “humanos” não podem: transgressões normalmente não toleradas aos demais cidadãos são vistas com lentes mais nebulosas e condescendentes do que para com aqueles: pequenos furtos são tolerados, assim como a vandalização de bens públicos e a ocupação dos mesmos. A violência de sua parte é vista como uma válvula de escape perfeitamente aceitável. Afinal, por que vitimizar essas "pessoas" ainda mais? Excluem-se os “não humanos” das regras feitas apenas para os “humanos”, os únicos que as podem compreender e que, ao mesmo tempo, pós-modernamente se contêm ao fazer julgamentos morais sobre aqueles que julgam estarem aquém da condição de humanos.

                Para que, diriam os intelectuais da esquerda, abandonar a nossa weltanschauung? Deixem os milhões de pobres coitados, atores e vítimas da violência, sofrerem, desde que nosso senso de superioridade moral permaneça intocado, assim como a visão de mundo predominante, criada por nós. A liberdade, para eles, está no que deveria ser, e não o que é; está na cabeça das pessoas, não nas suas atitudes. Acreditando, como Rousseau, na pureza original da alma humana, esses intelectuais não atribuem a essa mesma alma o que só uma natureza humana não tão pura assim (a real) sempre acaba por deixar transparecer.

                Minha nota pessoal: muito harsh?  Talvez. Mas não demais, nestes tempos. A esquerda, utópica, desconsidera a natureza humana, ou a relativiza. A cada um de nós cabe avaliar as situações, dentro dos parâmetros da ética, e tomar decisões. A virtude como ideal está em transformar em atitudes apenas as decisões certas, o que infelizmente apenas poderá ser verificado a posteriori. No final, a última palavra e a última atitude são sempre nossas. Mas por que com o eventual preço a ser pago por elas deveria ser diferente? No responsibility, no freedom.

sábado, 13 de agosto de 2011

Entre Filhos e Pais



Relembro aqui três poemas. Cada um, a seu modo, expressa sentimentos comuns, universais, entre filhos e pais, entre pais e filhos.  Todos eles, porém, traduzem a angústia que se acerca dos filhos ao relembrarem seus queridos pais, falecidos; ou semelhante angústia que assola os pais ao se verem longe de seus filhos e que uma carta mal remedeia, ou ainda que lhes assoma na alma ao vislumbrarem a possibilidade de não estarem por perto quando forem mais necessários aos seus filhos. A angústia que se traduz por saudade, presente ou futura.


De Americo Lobo Leite Pereira para seu pai Joaquim Lobo Leite Pereira




Américo Lobo
Américo Lobo Leite Pereira (1841-1903) era filho de Joaquim Lobo Leite Pereira (1818-1856) e Ana Leopoldina Xavier de Araújo (1825-1863). Formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito de São Paulo, em 1862. Depois de atuar como juiz nos termos de Pouso Alegre (1863) e Rio Pardo (1865), ingressou na política e, pelo Partido Liberal,  foi eleito Deputado provincial (1867-1870). Em 1870 mudou-se para Leopoldina, na zona da Mata, onde se dedicou à propaganda republicana. Proclamada a República, foi brevemente governador do Estado do Paraná (1890) e em seguida eleito à Assembléia Constituinte, sendo senador por três anos pelo Estado de Minas Gerais. Em 1894 foi nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal. Foi casado com D. Manuela Urbana de Queirós e faleceu no Rio de Janeiro em 1º de outubro de 1903.


Era irmão de Fernando Lobo Leite Pereira, advogado, Ministro das Relações Exteriores;

Fernando Lobo em 1891


Também eram seus irmãos Francisco Lobo Leite Pereira (engenheiro e historiador diletante, autor de Descobrimento e Devassamento do território de Minas Gerais), além da primeira árvore genealógica dos Lobos...

... e Joaquim Lobo Leite Pereira (1854-1902), nosso trisavô, médico e membro do Clube Republicano de Cataguases, casado com sua prima Maria do Carmo Monteiro Lobo, avós de Mauro Lobo Martins, do segundo poema, abaixo.

Joaquim Lobo
Seu pai, Joaquim Lobo Leite Pereira, nascido em Congonhas do Campo em 1818, mudou-se para Campanha, onde foi professor da cadeira de filosofia e retórica, obtida através de concurso. Lá Joaquim casou-se com Ana Leopoldina Xavier de Araújo, de família campanhense. Joaquim faleceu ainda jovem, em 1856, aos 38 anos, deixando órfãos de pai os quatro filhos, com cuja educação muito concorreu o tio dos meninos, o Barão de Parima Francisco Xavier Lopes de Araújo.

Joaquim Lobo Leite Pereira (1818-1856)

Américo Lobo teve intensa atividade literária. Ainda estudante mostrou-se exímio orador; colaborou no jornal “Sul de Minas” e apoiou a campanha pela criação de um Estado separado no sul de Minas Gerais. Fundou, em 1863, a associação “Palestra Campanhense”, onde se discutiam teses filosóficas, jurídicas, literárias, artísticas e econômicas. Entre elas, de sua autoria: como são transmitidas em nossa alma as impressões do mundo externo?; que é a liberdade no sentido filosófico e político?; O Brasil e a colonização.

Foi autor de várias poesias, uma das quais transcrevo aqui. Reflete a saudade de seu pai, precocemente desaparecido quando Américo tinha apenas 15 anos.


Meu Pae – Joaquim Lobo Leite Pereira

Nas horas mortas ao tombar da noite
...Sósinho o vejo e minha dôr se afina!
Mortalha branca fluctuando incerta,
Cobre-o a neblina!

Da campa surge - mysterioso e lugubre
Chorando a vida o infeliz vagueia;
E no seu tumulo de flores orphão
Ninguem pranteia!

A sombra é muda - nem um ai ao menos,
A voz querida se apagou na morte!
Espaço breve não folgou na vida,
Curvou-se à sorte!

Em meus amplexos estreital-o quero,
Augusta sombra foste meu pae!
Gelado frio de hybernal sepulchro
No amor se esváe!

Vem… é sagrado e santo o amor de filho,
De negro crépe revestiu-me o dó,
Antes que murchem primavera e flores
Serei eu pó!

Não chores não - viver meu pai que val?
Prazeres castos no paúl se somem!
Louco chamou-te o mundo - oh! vil é elle,
Poeira o homem!


De Pedro Martins Pereira para seu filho Mauro Lobo Martins

Pedro Martins Pereira

Pedro Martins Pereira nasceu em 13 de outubro de 1877 na Fazenda das Palmeiras, em Grão-Mogol, Minas Gerais. Ainda jovem mudou-se para Cataguases, onde se casou, em aos 24 de julho de 1900, com Elvira Lobo Leite Pereira, sobrinha de Américo Lobo Leite Pereira e neta de Joaquim Lobo Leite Pereira. Tiveram três filhos, Jairo, Euro e Mauro Lobo Martins tendo sendo este último o mais velho, nascido aos  dois de agosto de 1904. Para maiores informações biográficas, veja Pedro Martins Pereira e Mauro Lobo Martins, de julho de 2011, neste blog.

O jovem Mauro (nosso avô) fazia os preparatórios no Rio de Janeiro quando escreveu sua primeira carta ao pai, e este marcou a ocasião no poema abaixo:

Ao Mauro

O que me poz no olhar brilhos de aurora
E o pensamento me fez todo enflorar
Não foi o azul do céu nem foi o olhar
De alguma linda fada encantadora!...

O que me fez sorrir, me faz cantar
E põe-me assim alegremente agora,
Veiu de muito longe, de onde mora,
Por quem fico de joelhos a rezar!

O que minha alma poz de gosos farta
E deu aos meus pensares novo brilho:
Foi a mais simples, mais ingênua carta

Que tenha transitado no correio...
Foi a primeira carta de meu filho,
Que guardo no mais intimo do seio.


De Hermínio Conde para sua filha Josephina Conde

Hermínio dos Santos Conde, nosso bisavô, nasceu em Passo do Camaragibe, Alagoas, aos 23 de julho de 1879, tendo passado sua infância em Penedo, onde seu pai, João Antonio dos Santos Conde, foi agente alfandegário. Estudou ainda em Maceió e Aracaju, e em 1895 seguiu para o Rio de Janeiro, matriculando-se no Mosteiro de São Bento, onde aprendeu o ofício de telegrafista. Transferiu-se para o Piauí pouco depois, já como telegrafista, fixando residência em Piracuruca. Aos 15 de agosto de 1900 pediu a mão de Azulina de Moraes Britto em casamento, recebendo resposta afirmativa quatro dias depois. Aos 30 de março de 1901 casavam-se. Escritor e poeta, colaborou na imprensa piauaiense, deixando, além de várias poesias inéditas e traduções (sabia latim, francês e inglês), a obra póstuma “Sombras”. Hermínio e Azulina tiveram cinco filhos: Josephina Conde, Linda Conde, Augusto Conde, Herminio Conde e Pedro Conde

Josephina Conde

Linda Conde
      Augusto de Moraes Britto Conde, nosso avô, mudou-se para Belo Horizonte, onde se formou em engenharia. Casou-se em Pitangui com Hercília Lopes Cançado. Faleceu em Belo Horizonte aos 43 anos de idade, em 1947, deixando três filhas pequenas e um filho por nascer.

Augusto Conde
      Hermínio de Moraes Britto Conde foi médico, cientista, poeta e jornalista. Fez Curso de Especialização em Lisboa, Paris, Viena e Berlim. Dirigiu o Instituto Benjamim Constant, do Rio, e o Centro de Pesquisas Oftalmológicas. Foi o inventor do aparelho coagulador para o tratamento do tracoma. Pertenceu à Academia Piauiense de Letras. Bibliografia: “Meninos Delinqüentes”; “Cochrane, Falso Libertador do Norte”; e “A Tragédia Ocular de Machado de Assis”.

Hermínio Conde
      Pedro de Moraes Britto Conde foi Magistrado, jurista e professor. Foi Promotor Público, Juiz de Direito, Procurador da Fazenda, Desembargador. Presidiu o Tribunal Regional Eleitoral e o Tribunal de Justiça do Piauí. 
Pedro Conde

Para sua filha mais velha, Josephina, Hermínio escreveu o soneto:

    Original de "Presentimento" - clique para ampliar       


Presentimento

Oh! Que eu não possa eternizar-te o nome,
minha Filha dilecta, estremecida!
Que eu haja de findar a curta vida
nesta lucta feral que me consome!

Não é morrer que eu sinto. A morte assome,
venha ante mim a horrível homicida,
não tremerei siquer; a fronte erguida,
bem calmo, deixarei que farte a fome.

O que me doe, o que me punge na alma
fundo, bem fundo, o que me rouba a calma,
num horrível martyrio sem igual,

é  que, na idade em flor da adolescência,
eu tenha de acabar minha existência,
sem haver realizado meu Ideal!



Hermínio faleceu de uma meningite fulminante pouco tempo depois, na tenra idade de 27 anos. Seu temor se concretizou: não pôde ver crescerem os filhos, que ficaram órfãos de pai. Faltou-lhes quando mais seria necessário.

         Herminio dos Santos Conde        


Que esses três poemas sirvam como homenagem aos pais que se foram, e que hoje são nossos bisavós, trisavós, tetravós...  distantes no tempo e ainda assim tão próximos de nós!

Pedro Lobo Martins - agosto de 2011

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Crise! 1- Bolhas se Desfazem



Os Estados Unidos são a locomotiva econômica do mundo, e na última década, mas principalmente a partir de 2004, esse papel se exacerbou de uma maneira singular. Com crédito barato correndo solto, o mercado imobiliário americano atingiu níveis recordes em 2006, e os consumidores americanos, ancorados pelo valor ascendente de suas casas, começaram a consumir como nunca. Em um processo contínuo de desindustrialização e consumindo produtos do mundo inteiro, a locomotiva causou crescimento econômico em toda parte.

E o governo americano entrou na festa. O seu déficit aumentou 550% desde 2007; a quantidade de dinheiro em circulação aumentou 200% desde 2008. A dívida pública americana, que foi de 8,5 trilhões em 2006, deverá passar a mais de 15 trilhões no final de 2011. Se a bolha imobiliária, que se desfaz, deu panos pra manga, a bolha criada pela dívida americana é muito maior e perigosa. Apesar do profundo interesse dos credores, entre os quais China e Japão têm lugar de destaque, em segurar o dólar, quem vai querer continuar a financiar essa dívida ad aeternum?

Em 2008 as bolsas de valores de todo o mundo despencaram, puxadas pela crise imobiliária americana. Ao invés de procurar lidar em termos realistas com a bolha que se desfazia, o Banco Central americano tratou de inflá-la ainda mais, puxando Wall Street de volta a níveis pré-crise Toda essa atividade econômica foi recuperada através de mecanismos de Quantitative Easing (QE), que nada mais são do que colocar a prensa para fazer dinheiro, junk currency que foi despejada na economia. Esse excesso de dinheiro deu, junto com o endividamento crescente do governo e das pessoas, uma sobrevida ao dólar e às bolsas mundiais, levando o mundo a acreditar que a fase down da economia estaria cedendo lugar a uma fase de crescimento sustentado, configurando apenas mais um ciclo econômico.  Mas o que se estava fazendo era apenas inflando um pouco mais as diversas bolhas, que teriam estourado na crise de 2008 não fossem as intervenções governamentais.

A verdade é que o mundo inteiro se beneficiou do crescimento bolhoso dos Estados Unidos e, portanto, o crescimento do mundo também configurou uma bolha. Este crescimento puxou a demanda mundial por energia, fazendo escalar o preço do petróleo, que chegou a U$140,00 o barril em 2008, fazendo girar a roda econômica da Rússia e dos demais países exportadores de petróleo. A demanda crescente por minerais, como ferro e cobre, alimentou o crescimento de países como Austrália, Canadá e Brasil. A economia bolhosa dos Estados Unidos fez a bolha do mundo inflar. Quando ela se desfizer, em breve, o impacto global será imenso.

O problema é que um crescimento econômico sobre bases que não se ancoram em determinantes econômicos reais simplesmente não se sustenta. E os governos têm cada vez menos margem de manobra para evitar o pior. Com capacidade de contrair novas dívidas cada vez menor, e a juros crescentes, restará ao governo americano e de outras partes do mundo uma solução que se repete historicamente: fabricar mais dinheiro. O que os governos dos Estados Unidos e de outras partes do mundo têm feito, e continuarão a fazer, de uma maneira geral, é aumentar a quantidade de dinheiro em circulação.

Uma coisa parece certa: os impactos secundários, a tsunami econômica mundial que está por vir, arrastará consigo o que restar do terremoto inicial. Em um futuro próximo, após um lapso de tempo usual, esse excesso de moeda começará a ser sentido pelos agentes econômicos. O resultado previsível é uma depressão econômica mundial sem precedentes, em que, ao invés de deflação, a inflação exportada pelos E.U.A terá lugar de destaque (veja: Economia: Entre a Cruz e a Espada, postado em abril de 2011). Mas isso será assunto para um próximo post neste blog.
















domingo, 31 de julho de 2011

Pedro Martins Pereira e Mauro Lobo Martins

No dia 2 de agosto de 2011 celebraremos os 107 anos de nascimento de Mauro Lobo Martins, falecido há 16 anos. Sua ausência será sempre sentida por nós, que tivemos o privilégio de conviver com ele.  Lembramos também seu pai, Pedro Martins Pereira, cuja vida marcou  de modo decisivo a de Mauro. 

Se estas breves linhas genealógicas/biográficas jamais esgotarão as vidas destes dois homens, nosso avô e bisavô, ao menos sirvam como um pequeno registro sentimental.


Clique nas fotos para ampliar.

Cataguases 

Mauro Lobo Martins nasceu em 02 de agosto de 1904 em Sereno, Cataguases, MG, o primogênito dos três filhos do casal Pedro Martins Pereira e Elvira Lobo Leite Pereira.

Mauro Lobo Martins, 1906

Tudo começou com a estrada de ferro. Em 1895 foi construído o ramal Cataguases-Miraí da Estrada de Ferro Cataguases, e foi na estação de Sereno que Pedro viu a jovem Elvira pela primeira vez. Apaixonado, fez-lhe os primeiros dos muitos versos que faria e pouco depois, em 24 de julho de 1900, se casavam:




Elvira e Pedro no início do séc. XX
                 
                 Surgiste para mim como o imprevisto...
                 Mas eu amo o imprevisto, adoro o acaso!
                 Destino é letra que se vence, o prazo...
                 Foi meu olhar o teu olhar ter visto!
                 Pedro Martins Pereira



         

Elvira, nascida em 12 de junho de 1880, descendia dos Lobo Leite Pereira, antiga família mineira. Seus pais, Joaquim Lobo Leite Pereira e Maria do Carmo Lobo, eram primos. Descendiam ambos dos povoadores de Cataguases. Na sua cidade natal, o pequeno Mauro gostava de andar em seu carrinho de madeira forrado de pele de carneiro, enquanto ouvia de sua avó as histórias dos antigos. Antiga era sua trisavó Maria José de Seabra, a “vovó da Barra”, que morreu velhinha em sua Fazenda deste nome, cercada por matas seculares; ouvia falar ainda de seu avó Joaquim, que não conheceu, morto prematuramente dois anos antes do seu nascimento.



Joaquim Lobo Leite Pereira
Maria do Carmo Monteiro Lobo


Sua avó Maria do Carmo lhe contava que Joaquim, que era médico, foi o último presidente da Câmara de Cataguases no regime monárquico e primeiro presidente do Clube Republicano. Diabético, teve que ir a Paris procurar tratamento, e foi lá que Elvira adquiriu seus hábitos refinados e o seu francês fluente, que ensinava no Gymnasio Municipal de Cataguases, fundado em 1910. Mais distantes ainda pareciam-lhe as histórias sobre seu tetravô Manoel José Monteiro de Barros, que ousara deixar as minas para, adquirindo uma sesmaria, desbravar aquelas terras cheias de mato virgem e estabelecer-se na Fazenda da Providência. Ouvia ainda, de seu pai, as histórias dos parentes mortos na região durante a epidemia de febre amarela, que a muitos ceifou a vida, no final do século XIX.
 

Diamantes, Germes e Aço


Mineiro, revolvendo o meu cascalho
(Que foi tirado do mais puro veio)
Em busca do diamante, eu encontrei-o:
Ela, que anima e enflora o meu trabalho!
Pedro Martins Pereira




Mal sabia Mauro que a história de sua vida um dia seria marcada pelo metal das ferrovias e pelos germes da febre amarela.


Pedro Martins Pereira, seu pai, não sabia o que era ficar parado. Nasceu em 13 de outubro de 1877 na Fazenda das Palmeiras, em Grão-Mogol.



A Fazenda  das Palmeiras pouco mudou desde 1877

Grão Mogol

Esta cidade do norte mineiro situa-se na Cordilheira do Espinhaço, num altiplano de onde se vislumbra o vale do caudaloso Itacambiraçu, afluente do Jequitinhonha. Foi dessas águas, e dos inúmeros regatos que sulcam a serrania, que se extraíram os diamantes que ali foram depositados por milhões de anos de intempéries a erodir as vetustas encostas quartzíticas que dominam o horizonte.


A Serra de Santo Antônio, vista de longe



Esses diamantes, desde há muitos procurados naqueles dilatados sertões, foram, com as pedras da serrania, os construtores dos velhos sobrados coloniais da Rua Direita, da velha Matriz de Santo Antônio, sólida construção de pedra e madeira, velha de quase dois séculos. Foram os diamantes, acima de tudo, os construtores de uma sociedade com características próprias, uma “civilização” cujos valores e tradições marcam ainda aquela região do norte de Minas Gerais.

Sobrado de Grão Mogol


A velha Matriz de Santo Antonio, toda de pedra e madeira


Emygdio Martins Pereira




Emygdio Martins Pereira
Emygdio Martins Pereira, pai de Pedro, lutou como Capitão na Guerra do Paraguai e era descendente das primeiras famílias a se estabelecerem no território de Minas Gerais: era tetraneto de Salvador Fernandes Furtado, taubateano, que tomou parte nos primeiros descobertos auríferos, em 1695, sendo o fundador do arraial e depois Vila do Carmo, futura Mariana; Salvador foi detentor, naqueles tempos bárbaros, de imponente biblioteca: possuía as Ordenações do Reino, encadernadas em pastas com frisos de ouro. Além disso, tinha o Repertório das mesmas Ordenações, tinha a História Social em seis volumes, e mais vinte e sete livros de várias obras, todas encadernadas em pergaminho. Salvador faleceu em 1725.

Um dos filhos de Salvador, Bento Fernandes Furtado, que ainda impúbere tinha acompanhado o pai pelas andanças nos sertões, forneceu a Claúdio Manoel da Costa os apontamentos (de memória) para o seu “Fundamento Histórico”, com que abre o poema “Vila Rica”, escrito em 1763. Bento escreveu ainda “Notícias dos primeiros descobridores das primeiras minas de ouro pertencentes a estas Minas Gerais – Pessoas mais assinaladas nestas empresas e dos mais memoráveis casos acontecidos desde os seus princípios”, documento considerado dos mais importantes para a historiografia mineira, versando sobre a fundação e povoamento de Minas Gerais. 



Fronstispício de Villa Rica
  Bento casou-se com Bárbara Moreira de Castilhos, neta do mestre-de-campo Carlos Pedroso da Silveira, principal figura de todo o primeiro período do grande ciclo do ouro em Minas Gerais. Faleceu em 19 de outubro de 1765. Entre os seus filhos estava Maria Magdalena de Pazzi, batizada em 1739 na freguesia de São Caetano de Mariana (atual Monsenhor Horta), onde se casou, em 1757, com o Tenente-Coronel Francisco Martins Pereira, natural de Santo Amaro da Purificação, Bahia, com o qual se mudou para os sertões do São Francisco. 


Livro de registro de matrimônios de São Caetano 1725-1764 - Arquidiocese de Mariana
Pesquisa PLM em julho de 1994.

Aos vinte e cinco do mez de septembro de mil sette centos cincoenta e sette annos na Capella de Nossa Senhora dos Remedios filial desta freguesia de Sam Caetano, às dez horas da manhaa. feytas as denunciacoens na forma do sagrado concilio tridentino e constituiçoens observadas neste bispado com provisão do Reverendo Doutor Vigario Geral Manoel Cardoso Frasão Castelo Branco, assistio com licenca minha o Reverendo Doutor João de Carvalho e Abreu, presbitero do habito de Sam Pedro, morador na cidade Marianna, ao sacramento do Matrimonio, que contrahiram com palavras de presente Francisco Martins Pereyra filho legitimo do capitam mor Domingos Martins Pereyra ja defuncto, e de Dona Catharina do Prado de Oliveira; natural, e baptisado na freguesia de Nossa Senhora da Purificaçam da villa de Sancto Amaro, Arcebispado da Bahia e Dona Maria Magdalena de Pazis, filha legitima do Coronel Bento Fernandes Furtado, e de Dona Barbara Moreyra de Castilho, natural, baptisada, e moradora nesta ditta freguesia. E lhes dei as bençaons nupciaes conforme aos dirtos da sancta madre Igreja. E sendo por testemunhas prezentes o Doutor juiz de fora da cidade Marianna Silverio Ferreyra, e o guarda mor José da Silva Pontes, ambos cavalleiros professos na Ordem de Christo assistentes na ditta cidade, o capitam Manoel da Guerra Leal, o tenente André Correa Lima moradores nesta freguesia; e outra muitas pessoaz que presentes se achavão. De que fiz este assento a os vinte e sette diaz do sobre ditto mez, e anno. O Vig.rio Manoel Narciso Soarez


Francisco Martins herdara na região de Morrinhos (atual Matias Cardoso) partes de uma fazenda de criar gado de seu avô homônimo Francisco Martins Pereira. Este, juntamente com o primo Domingos Escórcio, Salvador Cardoso de Oliveira e mais sertanistas paulistas, acompanhara Matias Cardoso de Almeida (tio-bisavô do Ten. Cel Francisco) em suas andanças pelos sertões "do Rio Pardo e Rio Doce", tendo todos recebido, em 1690, sesmarias nos limites da capitania da Bahia.



Igreja de Matias Cardoso, datada de c. 1695

Maria da Cruz Portocarreiro, a matriarca do sertão  
Maria da Cruz, nascida em Penedo no final do século XVII, sendo descendente de Cristóvão de Barros, que devassou Sergipe, era uma matrona do São Francisco: era viúva do bandeirante paulista Salvador Cardoso de Oliveira, sobrinho de Matias Cardoso de Almeida, que foi Lugar-Tenente da bandeira de Fernão Dias Paes. Junto com seu filho Pedro Cardoso de Oliveira foi presa e levada a Ouro Preto para julgamento, após liderarem os chamados “Motins do Sertão”, de 1736, contra os excessos tributários da Coroa Portuguesa.

Pedro Cardoso foi degredado no Rio de Sene, em Moçambique. Lá, o moço convenceu a corte do imperador Monomotapa a confiar-lhe descobertas nas ricas lavras auríferas, o que fez. Entusiasmado, em 1743 escreveu ao governador do Rio de Janeiro, solicitando que lhe "socorressem quarenta ou cinquenta paulistas com suas mulheres para se irem estabelecer naqueles rios", o que, parece, não logrou êxito. Não se sabe seu fim.

Maria da Cruz foi mais afortunada. Seu genro, o rico Coronel Domingos Martins Pereira, da Bahia, intercedeu por ela, em favor da qual foi expedido, aos nove de abril de 1739, o "Alvará de Perdão concedido a D. Maria da Cruz, Viúva", assinado pelo Conde Galveas em nome de D. João, Rei de Portugal e Algarves.  Retornou então à sua Fazenda do Capão, no sítio das Pedras, à beira do São Francisco, onde terminou seus dias. Faleceu aos 23 de junho de 1760, estando sepultada na singela, então Capela, de Nossa Senhora da Conceição das Pedras.



Capela de Nossa Senhora da Conceição das Pedras, no atual município de Pedras de Maria da Cruz, onde jaz Maria da Cruz


Parênteses: em 19.07.2011 o governador Antônio Anastasia criou a "Medalha dos Gerais - Matias Cardoso e Maria da Cruz" para agraciar pessoas físicas ou jurídicas pelo reconhecimento do Poder Público Estadual por contribuição ao desenvolvimento cultural, econômico e social do norte do Estado. A intenção da Medalha é "resgatar a história e tradições culturais, com valorização dos que contribuíram para a integração territorial do Estado".

O Tenente-Coronel Francisco Martins Pereira, neto de Maria da Cruz e bisavô de Emygdio, era filho de Domingos Martins Pereira e Catharina do Prado de Oliveira. Domingos Martins Pereira, Cavaleiro professo da ordem de Cristo, foi irmão maior da Santa Casa de Misericórdia de Salvador:

 Livro de Irmãos da Santa Casa de Misericórdia de Salvador, cópia do século XIX - registro original, pg 561, Arquivo da Santa Casa de Misericórdia de Salvador.
cópia do século XIX - livro original ainda existe.
Pesquisa PLM em fevereiro de 2010

             Termo do Ir.o Domingos Miz Pereira 
Maior

Aos dez dias do mes de abril de mil e setecentos e vinte e nove annos nesta Cidade da Bahia e Casa do Consistorio da Mesa desta Casa da Santa Misericordia estando o irmão Provedor o R.do Chantre João Calmon comigo escrivão abaixo nomeado e os mais irmãos Conselhieros da Mesa e da Junta foi proposta uma petição do Coronel Domingos Miz Pereira, n.l desta Cidade filho legitimo do Cap.m Fran.co Miz Per.a já defunto, familiar do Santo Oficio e de D.Antonia de Uzeda de Araujo ja defunta ir.os que forão desta Santa Casa, casado com D. Catharina do Prado e Oliveira, natural deste arcebispado,  freguesia de S. Antonio do Rio de S. Francisco, filha legitima do Coronel Salvador Cardoso de Oliveira. n.l da Cidade de S. Paulo, bispado do Rio de Janeiro, e de D. Maria da Cruz, n.l da Vila do Penedo, bispado de Pernambuco, elle dito Coronel Salvador Cardoso ir.o intr.o de Dom.os do Prado de Oliveira familiar também do Santo Oficio, em a qual petição pediao admitissem por Irmão desta Santa Irmandade, o que visto pelo dito Ir.o Provedor e mais Irmãos da mesa precedendo as informações necessarias,  pondo-se em votos como dispõe o Compromisso sahio admitido por resolução da Mesa e Junta, e se lhe deo o juramento da posse em um missal, e prometeo guardar as disposições do Compromisso como nelle se contem, do que fiz este Termo que assignou o dito Irmão com o dito Provedor, e eu Andre Marques Escrivão da Mesa que o fiz

Prov.or João Calmon
Andre Marques
Domingos Martins Pereira."



Domingos Martins Pereira faleceu em Santo Amaro da Purificação em 07 de janeiro de 1749:


Livro de óbitos de Santo Amaro da Purificação 1727-1796, Registro de óbito de Domingos Martins Pereira
Pesquisa PLM em 1995

"Aos sette dias do mes de janeiro de mil e sette centos e quarenta e nove annos faleceo da vida prezente com todos os sacramentos o Cap.Mor Domingos Martins Pereira, natural da Freg.a de S. Tiago de Iguape e morador no Subahe termo desta Freg.a de N. Snr.a da Purificação, filho legítimo do Cp.m Francisco Miz Per.a e de sua m.er D. Antonia de Uzeda Ar.o casado com D. Catharina do Prado de Olivr.a de quem deixou filhos; fez testamento no qual nomeia testamenteiros em prm.o lugar sua m.er D. Catharina do Prado, e Ar.o (sic) , em segundo seu filho bastardo o Cap.m Domingos Miz Pereira, instituindo por erdeira do remanecente de sual alma sua mulher, os seus filhos em partes iguais; foi seo corpo amortalhado no habito de Cristo por ser cavaleiro da dita ordem e enterrado nesta Matriz das portas a dentro e grades p.a sima defronte da Capella do Santissimo Sacramento. Teria de idade sincoenta e sette annos pouco mais, ou menos pello q. de pre....(ta) e por verdade fiz este assento q. asignei supra.

O Coadjutor Manoel Dias Ciebra.".


Domingos Martins Pereira e Catharina do Prado de Oliveira deixaram pelo menos os seguintes filhos:

1- José Martins Pereira
2- Francisco Martins Pereira
3- Francisca de Uzeda e Oliveira (irmã Francisca Maria do Sacramento), enclausurada no convento         do Desterro.
4- Úrsula de Uzeda Ayala Araújo e Luna (sobrenome tomado de seu trisavô, o espanhol de Córdoba, nascido cerca de 1600, Manoel de Uzeda Ayala), Casada com Tomás da Costa Alkmin Ferreira, filho de português homônimo e Rita Leite, esta filha de Estêvão Raposo Bocarro. Tiveram o filho Tomás Antonio da Costa Alkmin Ferreira, que talvez seja ancestral do gov. Geraldo Alkmin. Tomás (pai) foi casado segunda vez com sua tia Rita Pedroso de Abreu, tendo os filhos Felisberto da Costa Alkmin Ferreira cc Genoveva Leite Pereira, e João da Costa Alkmin Ferreira morador no Palmital; ele e seu irmão foram agentes de uma série de desmandos no rio de São Francisco (ver livro "A Geografia do Crime- Violência nas Minas Setecentistas", de Carla Anastasia)
5- Antonia e Ana, falecidas ainda meninas.


O Ten. Cel. Francisco Martins Pereira, filho de Domingos e Catharina, faleceu por volta de 1767 em luta contra os índios botocudos, no sertão do Cuietê. Havia sido enviado para lá pelo governo das Minas, após incendiar a Fazenda da Tábua, do inimigo histórico dos paulistas do São Francisco, o potentado Miguel Nunes de Souza, filho do chefe dos emboabas da guerra de 1711, Manoel Nunes Viana.


Botocudos dos sertões do leste

Do casal de Francisco Martins Pereira e Maria Magdalena de Pazzi nasceu, em São Caetano do Japoré, Antônio Martins Pereira que, depois de criar-se em Morrihos, atraído pelos diamantes, mudou-se para Itacambira, onde adquiriu a Fazenda Pé da Serra. Em 7 de janeiro de 1790, casou-se com Francisca Mariana de Paula, filha do Sargento-Mor José de Abreu Guimarães e Motta, que anunciou a primeira descoberta, e de sua mulher Teresa Maria de Jesus, neta do paulista Manoel Affonso Gaya, que também participara da bandeira de Fernão Dias, e que se fixou nos sertões do Rio Verde.

Livro de registros de matrimônios de Itacambira - 1782-1803
Pesquisa PLM em 1994

Aos sete dias do mes de janeiro de mil setecentos e noventa anos nesta matriz de Santo Antonio da Itacambira feitas as denunciacoes e mais diligencias que manda o sagrado concilio e constituicao sem impedimento se receberao em minha presenca com palavras de prezente pelas dez oras do dia Antonio Miz Pereira filho legitimo do Tenente-Coronel Francisco Miz Pereira e dona Maria Magdalena de Pazis natural e baptizado  na freguezia de Sao  Caetano do Japore e criado na freguezia dos Morrinhos deste arcebispado e dona Francisca Marianna de Paula filha legitima do Sargento Mor José de Abreu Guimarães e Motta com dona Thereza Maria de Jesus natural e baptizada nesta freguezia e nella todos moradores e lhes dei as bencaos conforme o Ritual Romano sendo a tudo testemunhas o capitao Antonio de Serqueira Malheiros e o Tenente Bento Luiz Velloso e mais povo do que para constar fiz este que assignei. 

O Vig. Caetano João Pereira Torrozo


Nas montanhas de Itacambira nasceu-lhes, em um certo dia da primavera de 1790, o filho Caetano Martins Pereira. 


Itacambira - Santo Antonio - Batismos 1781-1792 , pg98v
Pesquisa PLM 1994

"Aos sete dias do mes de novembro de mil e setecentos e noventa annos nesta matriz baptisei e pus os santos oleos a Caetano innocente filho legitimo de Antonio Miz Pereira e Dona Francisca Maria de Abreu (sic). Forão padrinhos o Reverendo Coadjutor Diogo Soares Barboza e Dona Andreza Theodora de Grinalda todos desta freguezia do que para constar fiz este que assignei.

O Vigr. Caetano Pereira Torrozo."




A ainda pequena Itacambira, em meio à serrania do Espinhaço
 

Vendo esgotadas as lavras de sua terra natal, Caetano mudou-se para Grão-Mogol, perto dali, sendo ainda, em 1844, um dos pioneiros nas Minerações de Santa Isabel do Paraguaçu (atual Mucugê, na Chapada Diamantina). Aos pés da Serra de Santo Antônio, em terras que foram de seu avô José de Abreu, Caetano construiu fazenda homônima de Grande extensão. Foi casado com Josefa Carolina Dias Bicalho,


LIvro de Registros de casamentos de Itacambira 1817-1836 E 1868-1880, Registro de casamento de Caetano Martins Pereira e Josefa Carolina Dias Bicalho
Pesquisa. PLM  janeiro de 1994

"...se receberao em matrimonio Caetano Martins Pereira filho legítimo de Antonio Martins Pereira e Francisca Marianna de Paula com D.Josefa Carolina Dias Bicalho exposta em casa do Coronel Joaquim Dias Bicalho naturais  desta freguezia e lhes dei as bencaos do Ritual  Romano e  forao  testemunhas Jose Dias Bicalho e o Capitam Jose da Silva Mares e para constar mandei passar este termo por mim somente assignado.
              
O Vig. Euzebio Antonio dos Santos."

Josefa faleceu em Mucugê em 1848, onde encontrei seu inventário. Como se vê do termo de seu casamento, ela fora exposta (entregue para ser criada) na casa do trisavô de Pedro, Joaquim Dias Bicalho, que talvez fosse pai de Josefa. O sétimo filho deste casal foi Emygdio, avô de Mauro. Caetano faleceu mais tarde, na sua Fazenda de Santo Antônio, aos 28 de abril de 1864:

Registro de testamento de Caetano Martins Pereira, Cartorio de Grão-Mogol, MG.

"Em nome da Santissima Trindade, Padre, Filho, e Espirito Santo, em quem eu Caetano Martins Pereira, firmemente creio e em cuja fé protesto morrer e viver mediante os auxilios de Deus. Este meu testamento e última vontade.
Declaro que sou Cidadão Brasileiro, honra que muito preso; sou natural da Freguesia de Santo Antonio da Itacambira, filho legítimo dos finados Antonio Martins Pereira, e Dona Francisca Mariana de Paula; que fui casado com Dona Josefa Carolina Dias Bicalho, de cujo matrimonio tivemos dez filhos, dos quaes so existem os seguintes = João Baptista Martins, Gualter Martins, Doutor Joaquim Martins, Maria Vicencia de Oliveira Martins, Doutor Pedro Martins, Emidio Martins, Ramiro Martins, e Emygdia Martins, por cabeça de seu pai e meu filho Francisco de Assis Martins, hoje falecido; Assim mais tenho tido no estado de viuves os seguintes filhos = Gasparina filha de Anna da Motta; Filomeno Orlando, havido com Leocadia Munis = E assim mais com a dita Leocadia tive huma filha de nome Maria Balbina, aos quaes com os ditos meus filhos legitimos ja mencionados instituo herdeiros geraes e universaes dos remanecentes de meos bens e declaro que os referidos meos filhos illegitimos aqui instituidos são tidos com mulheres com as quaes nem hum impedimento canonico tenho.
Falecendo eu neste lugar desejo que meo corpo seja involto em habito preto, acompanhado pelo Parocho respectivo e que tenha por jazigo a Matriz, ou semiterio geral, tudo sem menor vislumbre de pompa ou vaidade.
Mando que se celebre por minha alma huma capella de missas, com a brevidade possivel e assim mais quero que se digão tres missas pelas almas de meus pais, e de minha mulher.
(...)."

Continuando os laços com os Bicalho, Emygdio casou-se com Maria Norberta Bicalho Veloso, a “vovó Mariquinhas”, que descendia por via materna do Governador das Esmeraldas, Fernão Dias Paes, fundador de Itacambira, onde se encontravam a célebre lagoa de Vapabuçu e a Serra das Esmeraldas. Em suas veias corria ainda o sangue dos próprios Dias Bicalho, e também dos Velloso, Azeredo Coutinho, Abreu e Melo, Vale Amado e Oliveira Horta, famílias portuguesas e paulistas que, nos séculos anteriores, haviam se radicado no território das Minas Gerais.



Vovó Mariquinhas, falecida em BH em 1932


Saudades

Pedro tinha apenas 13 anos quando tudo começou a mudar...




O jovem Pedro, cerca de  1891
 
O casario colonial de Grão-Mogol aos poucos desvanecia na bruma da manhã...




Grão Mogol ao longe





... enquanto o carreiro seguia viagem de mais de vinte dias até Cataguases. Pedro Martins Pereira nunca mais veria a sua terra natal. As lembranças, contudo, nunca mais lhe deixariam. Anos mais tarde, em Caratinga, escreveu:

 


Vim da terra das flores e dos lagos
Da minha terra, que é o jardim mais lindo!
Eu vim de lá saudades já sentindo
Daquelas serras e daqueles pagos!

Pedro Martins Pereira


 De Emygdio, seu pai, Pedro guardava, entre tantas, as lembranças mais queridas: os passeios que fazia no seu colo, a cavalo, pela Fazenda das Palmeiras, atravessando os campos... as frutas, as flores, os ninhos...os barreiros, onde o gado vinha lamber o sal... aquela terra fofa e escura... os melanciais, de onde seu pai tirava a mais suculenta  melancia... os cafezais...os buritizais, que davam nome à Fazenda e mais pareciam plantados... as matas sombrias logo adiante e lá, mais distante, aquele paredão cor de chumbo...



Os buritizais do pé da Serra...



... e o paredão cor de chumbo.

  Já velho e viúvo, na distante Caratinga, ouviria, nas noites de São João, o batuque alegre e incessante dos negros a dançar. Veria, ao olhar para o céu, as fagulhas da fogueira rodopiando para cima até desaparecer...e virar estrelas! E ouviria Ti Zé, preto velho, contar histórias ... e cantar sobre prisioneiros:

Lucas, de Feira de Santana
é homem de opinião:
só ele vai a cavalo
Os outros de pé no chão...

Nas noites calmas poderia, quem sabe, discernir o som característico da prensa de mandioca da Fazenda Palmeiras, que, mesmo antes do galo, o acordava bem cedo, pela manhã...


A prensa de mandioca ainda é a mesma


Por muitos anos vislumbraria, em sua memória, a  grande Fazenda do Cafezal, do tio Gualter Martins, de onde partiam para descortinar os vastos horizontes do alto da serra do Barão...



Ruinas da Fazenda do Cafezal

        .... após subir o caminho de pedras tão bem feito que esse seu tio, o Barão de Grão-Mogol, mandara construir.




A trilha da serra, mandada construir pelo tio Gualter Martins Pereira, o Barão de Grão Mogol




 Lá em cima todos da família paravam na gruta do Quebra-Coco para comer arroz com lingüiça e só então descer até a cidade e descansar na casa da velha avó Antônia Ricarda Felizarda Bicalho, saboreando um fumegante cuscuz na manteiga...


A Gruta no alto da serra, onde paravam para comer

Depois estavam prontos para seguir em romaria até a igrejinha do Vau, onde havia uma pedra com a figura de uma pomba...


Na igrejinha do vau do Itacambiruçu rezavam para a pomba de pedra


 Em 1910, ao avistar o cometa Halley, lembrou-se do dia, muitos anos antes, em que Lalá, a escrava de quem mais gostava, o acordou no meio da madrugada para ver “uma estrela de cauda” que todos da Fazenda ficaram vendo até que a luz da manhã a apagasse...

Muitos anos depois se lembraria, triste, do olhar de seu pai quando, naquele distante ano de 1883, o pegou ao colo e, entre lágrimas, disse que iria embora para Mucugê, para talvez nunca mais voltar... e, acompanhado pelo tio Orozimbo Velloso, partiu para sempre, falecendo de febres na Fazenda do Poço, em Salto da Divisa. Tal como o avô que não conhecera, pai de sua mãe, Leonel Velloso, que partiu para Lençóis com seus diamantes e o escravo de confiança para nunca mais voltar, talvez assassinado por bandidos que infestavam aqueles sertões...

Com um esforço de memória talvez se lembrasse da velhíssima tia-bisavó, a tia Donana, que ainda morava na fazenda do falecido avô Caetano, e que num belo dia mostrou para sua irmã Aurora (que muitos anos depois escreveu sobre isso e tantas outras coisas), e para as primas Idalina e Elfrida, um velhíssimo baú. Nele luziam jóias, entre elas um pesadíssimo colar de contas de ouro, com lindo crucifixo, que naquele longinquo e triste ano de 1883 mandou a escrava Lia colocar no pescoço da pequena órfã Aurora. A pobre tia, irmã do lendário bisavô Dom José Dias Bicalho, foi amparada na velhice pelo bom afilhado, o tio João Batista Martins, mas morreu pouco depois. Com ela terminaram-se os dias da velha Fazenda Santo Antônio, onde tudo havia começado...


Restos da Santo Antonio, onde findou seus dias a velha tia Donana














Parênteses: em fins do século XX o pequeno Mathias, de 4 anos, que morava na casa moderna e eletrificada construída sobre parte dos alicerces de Santo Antonio, dizia ao próprio pai, para espanto deste, ser, na verdade, filho de um "Caetano", e perguntava sempre onde estavam as lamparinas a óleo de que tanto sentia falta... e que nunca havia visto. O menino cresceu e foi se esquecendo de tudo, até mudar-se de Grão Mogol para Goiás. Só na minha visita, em 2009, depois de me contarem isso, é que os seus velhos avós, atuais proprietários, ficaram sabendo que o construtor da fazenda foi Caetano Martins Pereira.

Pedro, por anos a fio, ao pegar a caneta para escrever seus belos poemas, lembrar-se-ia com ternura do velho professor Carlos Catão Prates, que lhe ensinara as primeiras letras...

Em Caratinga, tão longe dali, só lhe restaram lembranças daqueles tempos.


A Leopoldina Railway Company

Sempre a estrada de ferro. Pedro, aos 23 anos, já trabalhava como fornecedor de lenha, madeira e dormentes para a Leopoldina Railway Company, no ramal Cataguases-Miraí. Logo nasceram-lhe os três filhos: Mauro Lobo Martins, em 1904; Jairo Lobo Martins, em 1906; e Euro Lobo Martins, em 1910


O jovem Mauro, quando dividia quarto com Ari Barroso

As crianças ficaram órfãs precocemente. Elvira, ao visitar sua mãe no Rio de Janeiro, em 1921, foi acometida de tifo juntamente com a irmã Zaira, e ambas vieram a falecer alguns dias depois.

Zaira e Elvira Lobo Leite Pereira, quando jovens

 De Cataguases Pedro foi para Viçosa, incumbido de construir o ramal ferroviário entre esta cidade e Calambau. Trouxe consigo os dois filhos mais novos. 


Mauro, Jairo, Pedro e Euro

 O filho mais velho, Mauro, estudava no Rio de Janeiro, onde fazia os preparatórios. Desta época são os versos de Pedro:

Ao Mauro

O que me pôs no olhar brilhos de aurora
E o pensamento me fez todo enflorar,
Não foste azul do céu nem foi o olhar
De alguma linda fada encantadora!...

O que me fez sorrir, me faz cantar,
E põe-me assim alegremente agora,
Veio de muito longe, de onde mora,
Por quem fico de joelhos a rezar!

O que minha alma pôs de gozos farta
E deu aos meus pensares novo brilho
Foi a mais simples, mais ingênua carta

Que tenha transitado no correio...
Foi a primeira carta de meu filho,
Que guardo no mais íntimo do seio.


Bom Jesus do Galho

Algum tempo depois Pedro transferiu-se para Visconde do Rio Branco, onde construiu a estrada de ferro entre aquela cidade e Rio Pomba.

Foi então que, convidado pela Leopoldina Railway Company¸ mudou-se para Bom Jesus do Galho, aonde chegou em abril de 1929. Construiu o trecho que vai da Estação de Bom Jesus até a divisa dos Correas com São Bento. 

Foi nessa época que Mauro Lobo Martins se transferiu para Bom Jesus do Galho. Tendo se formado em Medicina pela Universidade do Rio de Janeiro em 1928, foi aproveitado como médico das turmas de empregados nas construções, então assoladas pela febre amarela.


Mauro em sua formatura - 1928


     
            
      Da fortuna – há um destino bem marcado
     Terás o teu quinhão, não há quem torça
      O destino – ele foi por Deus traçado!

      Pedro Martins Pereira











Pedro, em seguida, ficou incumbido de construir um trecho para a Itabira Iron (futura Vale do Rio Doce), mas com o advento da Revolução de 1930, as obras não se iniciaram e a Leopoldina pediu-lhe que continuasse no fornecimento de lenha e dormentes no trecho de Raul Soares a Caratinga. Aceitou, passando a residir nesta última cidade. 

Mauro serviu como Capitão Médico de um batalhão que seguiu até o Rio de Janeiro, participando dos episódios da Revolução Constitucional de 1930. 



Mauro (centro) na Revolução de 1930


Casou-se em 29 de dezembro de 1934, em Belo Horizonte, com Luiza Ferraz Ribeiro da Luz, filha de Joaquim Bento Ribeiro da Luz e de D. Mariana Ribeiro Ferraz, e que o acompanhou durante todo o resto de sua vida.


Luiza e Mauro casados, em 1934

Pedro Martins Pereira continuou residindo em Caratinga, enquanto seu filho Mauro permaneceu em Bom Jesus do Galho. Além de árduo trabalhador nas lides ferroviárias, Pedro Martins, como seus ancestrais distantes, gostava de literatura. Em 1933 publicou o livro de poesias “Versos para Mim”. Pedro faleceu, de edema agudo dos pulmões, em 13 de janeiro de 1943. Seu nome é lembrado no Grupo Escolar de Bom Jesus do Galho e na Rua Coronel Pedro Martins, em Caratinga.




Pedro Martins Pereira



Depois de percorrer a imensa estrada
Que sem desvio vai ao fim da vida,
Só nos resta a esperança dolorida
De retornar tranqüilamente ao nada.

Pedro Martins Pereira










No ano seguinte Mauro, ainda clinicando em Bom Jesus, lutou arduamente pela emancipação de Bom Jesus do Galho do município de Caratinga, tendo sido o primeiro prefeito do novo município. Na sua gestão construiu, com os poucos recursos técnicos então disponíveis, a difícil estrada que liga Bom Jesus ao Distrito de Córrego Novo. Teve as propriedades do Sítio do Murici, que por muito tempo forneceu as águas de abastecimento de Bom Jesus do Galho, e da Tiririca, próxima ao Rio Doce. Era também proprietário de um armazém de beneficiamento de cereais, cuja construção, levando seu nome já desbotado, ainda se vê nos arredores da cidade.


Armazém em Bom Jesus do Galho


Após 20 anos vivendo em Bom Jesus, Mauro mudou-se para Belo Horizonte, passando a residir na Rua Professor Antônio Aleixo 755, no bairro de Lourdes. Lá acabou de educar seus cinco filhos: Nelson, Maria Elvira, Maria Luiza, Mauro e José Carlos, tendo Maria Luiza e Mauro nascido em Bom Jesus. 

A casa de Belo Horizonte


Os cinco filhos de Mauro e Luiza


 Uma Vida de Exemplos

Durante a sua longa vida meu avô Mauro não se esqueceu dos vínculos com a velha Bom Jesus. Manteve a sua casa na Rua Major João Gualberto, próxima à ponte sobre o Ribeirão do Sacramento e, até os anos de sessenta, uma serraria e a casa de comércio de cereais. Vinha à cidade quase todos os meses. Mesmo depois, em visitas à cidade, onde revia os muitos amigos que soube cultivar, era convidado a dar o ponta-pé inicial nas partidas de futebol do time da Associação, que ajudou a fundar, e que é tricolor como o Fluminense, time de sua paixão. Sua casa hoje pertence a seu filho Mauro Lobo Martins Junior, ex-deputado estadual pela região.


Casa em Bom Jesus, na década de '70

Até sua morte, ocorrida em 11 de julho de 1995, após 91 anos de frutífera existência, foi filho, pai, avô, bisavô, irmão e amigo exemplar, tendo honrado todos aqueles que tiveram o privilégio de com ele conviver. Com ele todos aprendemos o que é uma vida de virtudes e humanismo.


Lendo na fazenda Bela Vista

Lembro-me de, menino, vê-lo com a minha avó a distribuir cobertores e palavras amigas aos pobres que vinham bater à sua porta nas frias noites do inverno bomjesuense de 1977. Dizem que não eram poucos os necessitados que atendia, sem cobrar, no consultório que mantinha na sala da frente de sua casa. Nos idos de 1947 ou 1948, quando muitos aproveitadores sem competência nem caráter para ascender politicamente pelas vias legais se valiam da bala, um pistoleiro foi contratado para matar meu avô assim que descesse do trem. O sujeito mirou, de longe, mas, forçando a vista, percebeu que o alvo era o Dr. Mauro, que tantas vezes havia cuidado de sua família. Não teve coragem de apertar o gatilho, como muitos anos depois confessou.

 A Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe referiu-se a ele, em 1964, como “um mineiro manso, cauteloso e franco” e à minha avó, como “uma jovem avó que, como boa mineira, sabe juntar a elegância sóbria a uma atraente simplicidade de expressão”. Se as palavras de um neto podem soar por demais impregnadas da admiração que por ele sentia, talvez essas, menos parciais, possam juntar-se às que foram escritas no Jornal Estado de Minas de 9 de agosto de 1994, afiançando o caráter íntegro e correto de Mauro Lobo Martins:

 “Nesta época em que os valores se consomem na luta dos interesses menores; época de pouca sabedoria, em que prevalecem as competições neuróticas e são escassas, nos homens, as virtudes, é muito bom poder comemorar os noventa anos de quem soube viver com dignidade, temperança e postura moral os tempos da sua juventude e da sua maturidade. É muito bom poder comemorar os noventa anos de quem acumulou, não só os justos frutos do trabalho honesto, como, também, uma sólida cultura e um cabedal de ações meritórias que a modéstia cristã não permitiu fossem mais conhecidas.
Ao homenagear um ilustre mineiro, que nos idos tempos exerceu medicina apostólica nos rincões do interior do Estado; ao homenagear um íntegro cidadão, político de outros tempos, que cumpriu com lisura, competência e dedicação seu mandato de prefeito numa então florescente cidade das Minas Gerais, reverenciamos, com certeza, o desprendimento dos que servem sua comunidade sem nenhum laivo de interesse pessoal. Por isso, senhor redator, pedimos um pequeno espaço, nesse importante jornal, para grafar em negrito o nome respeitado do Dr. Mauro Lobo Martins, modelo exemplar de filho, esposo, pai, irmão e amigo. Louvando-lhe a lucidez de espírito e a nobreza de atitudes, próprias do verdadeiro gentleman, reveladoras do autêntico cristão!”

(Maria de Lourdes Guimarães)


Vovô Mauro velhinho, com uma bisneta


Sua esposa Luiza sobreviveu-lhe até 2006, quando também se foi, aos 92 anos. Tiveram cinco filhos e dezessete netos. Têm hoje 20 bisnetos.


Vovó  Luizinha

E as estradas de ferro também se foram...


Pedro Lobo Martins, 2003 e 2011

Fotos: Arquivo pessoal; e viagem a Grão Mogol em junho de 2009

Para conhecer os antepassados de Luiza veja o post de maio de 2011:
http://caveab.blogspot.com/2011/05/os-antepassados-de-luiza-ferraz-ribeiro_12.html 

Para um filme sobre a última viagem de pesquisas a Grão Mogol: