segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Theodore Dalrymple



                Theodore Dalrymple, pseudônimo de Anthony Daniels, é um psiquiatra inglês de 62 anos com larga experiência clínica em prisões  e hospitais de diversos países. Suas ideias, consideradas conservadoras, partem da crítica aos círculos intelectuais que minimizam a responsabilidade individual e assim desumanizam as pessoas, contribuindo para a formação, em vários países, de uma subclasse afligida pela violência endêmica, pela criminalidade, pela dependência do Estado e pelo abuso de drogas. Dalrymple publicou alguns livros, todos inéditos no Brasil, que vêm dando o que falar. Mais recentemente li Life at the Bottom (2003). A seguir, um pequeno resumo das principais ideias ali expostas:

                Para Dalrymple, o comportamento humano não pode ser explicado se não for correlacionado aos significados e intenções que as pessoas conferem aos seus próprios atos. Para ele, as pessoas podem ser divididas em dois grupos: aquelas que se responsabilizam pelo que fazem e aquelas, os pobres coitados, que externalizam a responsabilidade – e a culpa – por suas ações, transferindo toda a cadeia de causalidade a outras pessoas ou circunstâncias. Todos transitamos pelos dois extremos: a diferença é de grau.

                Esse segundo grupo de pessoas coloca-se no lugar de meras vítimas de forças sociológicas e econômicas poderosas e ocultas. Ocultas? Não tanto. Os intelectuais e acadêmicos dos últimos cento e cinquenta anos puseram-se a serviço de desvendar essas forças, criando uma dicotomia sociológica que fortaleceu aquela divisão entre as pessoas e a transmutou, separando aqueles que se encaixam na categoria de homens dos que, bem, não são tão humanos assim.

                Tamanha condescendência serviu a seu propósito: muitas pessoas começaram a sentir-se, bem, menos humanas. A racionalização de atitudes tornou-se disseminada. Afinal, justificativas “científicas” de cunho sociológico, econômico e psicológico agora passaram a existir. Livres de constrangimentos que operaram durante séculos, esta casta não-humana agora pode dar-se a realizar abortos via Kung Fu; a espancar esposas e abandonar seus filhos; a cometer todo tipo de violência contra o indivíduo e contra a sociedade; a tornar-se ainda menos humana através de drogas e, assim, tornar ainda mais “justificáveis” seus atos. A explicação, cada vez mais, passou a confundir-se com a justificativa.

                O relativismo moral, cultural e intelectual engendrado pela academia permeou toda a sociedade e fez nascer o indivíduo relativo, sem certezas, sem opiniões e sem responsabilidade pelos próprios atos. Mas no momento em que a educação se torna relativizada acontece o pior: o indivíduo se torna prisioneiro das condições sociais em que nasceu. O relativismo educacional e lingüístico transformou uma classe social em uma casta fechada, selada, imobilizável. Mas esta é a intenção de alguns intelectuais, ansiosos por manter suas posições acadêmicas e que não deixam de esforçar-se por deixar transparecer a seus pares sua visão ampla e “democrática” de mundo.

                “Vítimas” das diversas externalidades, esta casta pode o que os “humanos” não podem: transgressões normalmente não toleradas aos demais cidadãos são vistas com lentes mais nebulosas e condescendentes do que para com aqueles: pequenos furtos são tolerados, assim como a vandalização de bens públicos e a ocupação dos mesmos. A violência de sua parte é vista como uma válvula de escape perfeitamente aceitável. Afinal, por que vitimizar essas "pessoas" ainda mais? Excluem-se os “não humanos” das regras feitas apenas para os “humanos”, os únicos que as podem compreender e que, ao mesmo tempo, pós-modernamente se contêm ao fazer julgamentos morais sobre aqueles que julgam estarem aquém da condição de humanos.

                Para que, diriam os intelectuais da esquerda, abandonar a nossa weltanschauung? Deixem os milhões de pobres coitados, atores e vítimas da violência, sofrerem, desde que nosso senso de superioridade moral permaneça intocado, assim como a visão de mundo predominante, criada por nós. A liberdade, para eles, está no que deveria ser, e não o que é; está na cabeça das pessoas, não nas suas atitudes. Acreditando, como Rousseau, na pureza original da alma humana, esses intelectuais não atribuem a essa mesma alma o que só uma natureza humana não tão pura assim (a real) sempre acaba por deixar transparecer.

                Minha nota pessoal: muito harsh?  Talvez. Mas não demais, nestes tempos. A esquerda, utópica, desconsidera a natureza humana, ou a relativiza. A cada um de nós cabe avaliar as situações, dentro dos parâmetros da ética, e tomar decisões. A virtude como ideal está em transformar em atitudes apenas as decisões certas, o que infelizmente apenas poderá ser verificado a posteriori. No final, a última palavra e a última atitude são sempre nossas. Mas por que com o eventual preço a ser pago por elas deveria ser diferente? No responsibility, no freedom.

sábado, 13 de agosto de 2011

Entre Filhos e Pais



Relembro aqui três poemas. Cada um, a seu modo, expressa sentimentos comuns, universais, entre filhos e pais, entre pais e filhos.  Todos eles, porém, traduzem a angústia que se acerca dos filhos ao relembrarem seus queridos pais, falecidos; ou semelhante angústia que assola os pais ao se verem longe de seus filhos e que uma carta mal remedeia, ou ainda que lhes assoma na alma ao vislumbrarem a possibilidade de não estarem por perto quando forem mais necessários aos seus filhos. A angústia que se traduz por saudade, presente ou futura.


De Americo Lobo Leite Pereira para seu pai Joaquim Lobo Leite Pereira




Américo Lobo
Américo Lobo Leite Pereira (1841-1903) era filho de Joaquim Lobo Leite Pereira (1818-1856) e Ana Leopoldina Xavier de Araújo (1825-1863). Formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito de São Paulo, em 1862. Depois de atuar como juiz nos termos de Pouso Alegre (1863) e Rio Pardo (1865), ingressou na política e, pelo Partido Liberal,  foi eleito Deputado provincial (1867-1870). Em 1870 mudou-se para Leopoldina, na zona da Mata, onde se dedicou à propaganda republicana. Proclamada a República, foi brevemente governador do Estado do Paraná (1890) e em seguida eleito à Assembléia Constituinte, sendo senador por três anos pelo Estado de Minas Gerais. Em 1894 foi nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal. Foi casado com D. Manuela Urbana de Queirós e faleceu no Rio de Janeiro em 1º de outubro de 1903.


Era irmão de Fernando Lobo Leite Pereira, advogado, Ministro das Relações Exteriores;

Fernando Lobo em 1891


Também eram seus irmãos Francisco Lobo Leite Pereira (engenheiro e historiador diletante, autor de Descobrimento e Devassamento do território de Minas Gerais), além da primeira árvore genealógica dos Lobos...

... e Joaquim Lobo Leite Pereira (1854-1902), nosso trisavô, médico e membro do Clube Republicano de Cataguases, casado com sua prima Maria do Carmo Monteiro Lobo, avós de Mauro Lobo Martins, do segundo poema, abaixo.

Joaquim Lobo
Seu pai, Joaquim Lobo Leite Pereira, nascido em Congonhas do Campo em 1818, mudou-se para Campanha, onde foi professor da cadeira de filosofia e retórica, obtida através de concurso. Lá Joaquim casou-se com Ana Leopoldina Xavier de Araújo, de família campanhense. Joaquim faleceu ainda jovem, em 1856, aos 38 anos, deixando órfãos de pai os quatro filhos, com cuja educação muito concorreu o tio dos meninos, o Barão de Parima Francisco Xavier Lopes de Araújo.

Joaquim Lobo Leite Pereira (1818-1856)

Américo Lobo teve intensa atividade literária. Ainda estudante mostrou-se exímio orador; colaborou no jornal “Sul de Minas” e apoiou a campanha pela criação de um Estado separado no sul de Minas Gerais. Fundou, em 1863, a associação “Palestra Campanhense”, onde se discutiam teses filosóficas, jurídicas, literárias, artísticas e econômicas. Entre elas, de sua autoria: como são transmitidas em nossa alma as impressões do mundo externo?; que é a liberdade no sentido filosófico e político?; O Brasil e a colonização.

Foi autor de várias poesias, uma das quais transcrevo aqui. Reflete a saudade de seu pai, precocemente desaparecido quando Américo tinha apenas 15 anos.


Meu Pae – Joaquim Lobo Leite Pereira

Nas horas mortas ao tombar da noite
...Sósinho o vejo e minha dôr se afina!
Mortalha branca fluctuando incerta,
Cobre-o a neblina!

Da campa surge - mysterioso e lugubre
Chorando a vida o infeliz vagueia;
E no seu tumulo de flores orphão
Ninguem pranteia!

A sombra é muda - nem um ai ao menos,
A voz querida se apagou na morte!
Espaço breve não folgou na vida,
Curvou-se à sorte!

Em meus amplexos estreital-o quero,
Augusta sombra foste meu pae!
Gelado frio de hybernal sepulchro
No amor se esváe!

Vem… é sagrado e santo o amor de filho,
De negro crépe revestiu-me o dó,
Antes que murchem primavera e flores
Serei eu pó!

Não chores não - viver meu pai que val?
Prazeres castos no paúl se somem!
Louco chamou-te o mundo - oh! vil é elle,
Poeira o homem!


De Pedro Martins Pereira para seu filho Mauro Lobo Martins

Pedro Martins Pereira

Pedro Martins Pereira nasceu em 13 de outubro de 1877 na Fazenda das Palmeiras, em Grão-Mogol, Minas Gerais. Ainda jovem mudou-se para Cataguases, onde se casou, em aos 24 de julho de 1900, com Elvira Lobo Leite Pereira, sobrinha de Américo Lobo Leite Pereira e neta de Joaquim Lobo Leite Pereira. Tiveram três filhos, Jairo, Euro e Mauro Lobo Martins tendo sendo este último o mais velho, nascido aos  dois de agosto de 1904. Para maiores informações biográficas, veja Pedro Martins Pereira e Mauro Lobo Martins, de julho de 2011, neste blog.

O jovem Mauro (nosso avô) fazia os preparatórios no Rio de Janeiro quando escreveu sua primeira carta ao pai, e este marcou a ocasião no poema abaixo:

Ao Mauro

O que me poz no olhar brilhos de aurora
E o pensamento me fez todo enflorar
Não foi o azul do céu nem foi o olhar
De alguma linda fada encantadora!...

O que me fez sorrir, me faz cantar
E põe-me assim alegremente agora,
Veiu de muito longe, de onde mora,
Por quem fico de joelhos a rezar!

O que minha alma poz de gosos farta
E deu aos meus pensares novo brilho:
Foi a mais simples, mais ingênua carta

Que tenha transitado no correio...
Foi a primeira carta de meu filho,
Que guardo no mais intimo do seio.


De Hermínio Conde para sua filha Josephina Conde

Hermínio dos Santos Conde, nosso bisavô, nasceu em Passo do Camaragibe, Alagoas, aos 23 de julho de 1879, tendo passado sua infância em Penedo, onde seu pai, João Antonio dos Santos Conde, foi agente alfandegário. Estudou ainda em Maceió e Aracaju, e em 1895 seguiu para o Rio de Janeiro, matriculando-se no Mosteiro de São Bento, onde aprendeu o ofício de telegrafista. Transferiu-se para o Piauí pouco depois, já como telegrafista, fixando residência em Piracuruca. Aos 15 de agosto de 1900 pediu a mão de Azulina de Moraes Britto em casamento, recebendo resposta afirmativa quatro dias depois. Aos 30 de março de 1901 casavam-se. Escritor e poeta, colaborou na imprensa piauaiense, deixando, além de várias poesias inéditas e traduções (sabia latim, francês e inglês), a obra póstuma “Sombras”. Hermínio e Azulina tiveram cinco filhos: Josephina Conde, Linda Conde, Augusto Conde, Herminio Conde e Pedro Conde

Josephina Conde

Linda Conde
      Augusto de Moraes Britto Conde, nosso avô, mudou-se para Belo Horizonte, onde se formou em engenharia. Casou-se em Pitangui com Hercília Lopes Cançado. Faleceu em Belo Horizonte aos 43 anos de idade, em 1947, deixando três filhas pequenas e um filho por nascer.

Augusto Conde
      Hermínio de Moraes Britto Conde foi médico, cientista, poeta e jornalista. Fez Curso de Especialização em Lisboa, Paris, Viena e Berlim. Dirigiu o Instituto Benjamim Constant, do Rio, e o Centro de Pesquisas Oftalmológicas. Foi o inventor do aparelho coagulador para o tratamento do tracoma. Pertenceu à Academia Piauiense de Letras. Bibliografia: “Meninos Delinqüentes”; “Cochrane, Falso Libertador do Norte”; e “A Tragédia Ocular de Machado de Assis”.

Hermínio Conde
      Pedro de Moraes Britto Conde foi Magistrado, jurista e professor. Foi Promotor Público, Juiz de Direito, Procurador da Fazenda, Desembargador. Presidiu o Tribunal Regional Eleitoral e o Tribunal de Justiça do Piauí. 
Pedro Conde

Para sua filha mais velha, Josephina, Hermínio escreveu o soneto:

    Original de "Presentimento" - clique para ampliar       


Presentimento

Oh! Que eu não possa eternizar-te o nome,
minha Filha dilecta, estremecida!
Que eu haja de findar a curta vida
nesta lucta feral que me consome!

Não é morrer que eu sinto. A morte assome,
venha ante mim a horrível homicida,
não tremerei siquer; a fronte erguida,
bem calmo, deixarei que farte a fome.

O que me doe, o que me punge na alma
fundo, bem fundo, o que me rouba a calma,
num horrível martyrio sem igual,

é  que, na idade em flor da adolescência,
eu tenha de acabar minha existência,
sem haver realizado meu Ideal!



Hermínio faleceu de uma meningite fulminante pouco tempo depois, na tenra idade de 27 anos. Seu temor se concretizou: não pôde ver crescerem os filhos, que ficaram órfãos de pai. Faltou-lhes quando mais seria necessário.

         Herminio dos Santos Conde        


Que esses três poemas sirvam como homenagem aos pais que se foram, e que hoje são nossos bisavós, trisavós, tetravós...  distantes no tempo e ainda assim tão próximos de nós!

Pedro Lobo Martins - agosto de 2011

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Crise! 1- Bolhas se Desfazem



Os Estados Unidos são a locomotiva econômica do mundo, e na última década, mas principalmente a partir de 2004, esse papel se exacerbou de uma maneira singular. Com crédito barato correndo solto, o mercado imobiliário americano atingiu níveis recordes em 2006, e os consumidores americanos, ancorados pelo valor ascendente de suas casas, começaram a consumir como nunca. Em um processo contínuo de desindustrialização e consumindo produtos do mundo inteiro, a locomotiva causou crescimento econômico em toda parte.

E o governo americano entrou na festa. O seu déficit aumentou 550% desde 2007; a quantidade de dinheiro em circulação aumentou 200% desde 2008. A dívida pública americana, que foi de 8,5 trilhões em 2006, deverá passar a mais de 15 trilhões no final de 2011. Se a bolha imobiliária, que se desfaz, deu panos pra manga, a bolha criada pela dívida americana é muito maior e perigosa. Apesar do profundo interesse dos credores, entre os quais China e Japão têm lugar de destaque, em segurar o dólar, quem vai querer continuar a financiar essa dívida ad aeternum?

Em 2008 as bolsas de valores de todo o mundo despencaram, puxadas pela crise imobiliária americana. Ao invés de procurar lidar em termos realistas com a bolha que se desfazia, o Banco Central americano tratou de inflá-la ainda mais, puxando Wall Street de volta a níveis pré-crise Toda essa atividade econômica foi recuperada através de mecanismos de Quantitative Easing (QE), que nada mais são do que colocar a prensa para fazer dinheiro, junk currency que foi despejada na economia. Esse excesso de dinheiro deu, junto com o endividamento crescente do governo e das pessoas, uma sobrevida ao dólar e às bolsas mundiais, levando o mundo a acreditar que a fase down da economia estaria cedendo lugar a uma fase de crescimento sustentado, configurando apenas mais um ciclo econômico.  Mas o que se estava fazendo era apenas inflando um pouco mais as diversas bolhas, que teriam estourado na crise de 2008 não fossem as intervenções governamentais.

A verdade é que o mundo inteiro se beneficiou do crescimento bolhoso dos Estados Unidos e, portanto, o crescimento do mundo também configurou uma bolha. Este crescimento puxou a demanda mundial por energia, fazendo escalar o preço do petróleo, que chegou a U$140,00 o barril em 2008, fazendo girar a roda econômica da Rússia e dos demais países exportadores de petróleo. A demanda crescente por minerais, como ferro e cobre, alimentou o crescimento de países como Austrália, Canadá e Brasil. A economia bolhosa dos Estados Unidos fez a bolha do mundo inflar. Quando ela se desfizer, em breve, o impacto global será imenso.

O problema é que um crescimento econômico sobre bases que não se ancoram em determinantes econômicos reais simplesmente não se sustenta. E os governos têm cada vez menos margem de manobra para evitar o pior. Com capacidade de contrair novas dívidas cada vez menor, e a juros crescentes, restará ao governo americano e de outras partes do mundo uma solução que se repete historicamente: fabricar mais dinheiro. O que os governos dos Estados Unidos e de outras partes do mundo têm feito, e continuarão a fazer, de uma maneira geral, é aumentar a quantidade de dinheiro em circulação.

Uma coisa parece certa: os impactos secundários, a tsunami econômica mundial que está por vir, arrastará consigo o que restar do terremoto inicial. Em um futuro próximo, após um lapso de tempo usual, esse excesso de moeda começará a ser sentido pelos agentes econômicos. O resultado previsível é uma depressão econômica mundial sem precedentes, em que, ao invés de deflação, a inflação exportada pelos E.U.A terá lugar de destaque (veja: Economia: Entre a Cruz e a Espada, postado em abril de 2011). Mas isso será assunto para um próximo post neste blog.