terça-feira, 5 de março de 2013

A Ladeira Escorregadia da Iniquidade


Por Pedro Lobo Martins
O senador Clésio Andrade (PMDB), notório representante mineiro do poderoso setor de transportes, está brincando com a nossa inteligência. Ou talvez não se importe com ela, mas apenas com o setor que financia suas campanhas milionárias. Campanhas que contaram com a mãozinha de Duda Mendonça, que afagou a cabeça de  galos antes das rinhas de que participava e que se sujou com o dinheiro asqueroso do mensalão. O caso que vou aqui contar, publicado no site do próprio senador, não poderia ser mais digno deste senhor.

Acontece que o setor de transportes está sofrendo com a falta de motoristas. Segundo  certas estimativas, faltariam entre 40 e 120 mil profissionais. A Associação Nacional de Transportes de Cargas estima que hoje, nas principais empresas, 1 em cada 10 caminhões esteja parado por falta de motoristas.

Estejam corretos ou não esses números, os principais analistas da área já propuseram medidas sensatas para sanar este descompasso entre o (pequeno) número de trabalhadores preparados e o (grande) movimento nas transportadoras.  É fato que não só o volume de carga transportada vem aumentando como cresce também a complexidade e o tamanho  dos caminhões e carretas, que agora têm computadores de bordo, sistemas de rastreamento e telemetria, entre outras parafernálias. Todas as medidas propostas passam pelo treinamento dos atuais condutores e pela formação de motoristas mais jovens, mais dispostos a absorver as novas tecnologias. Parcerias com escolas profissionalizantes seriam o caminho mais óbvio para esse fim.

Em uma economia de livre mercado, todo excesso de demanda é compensado por um aumento na oferta. Se faltam motoristas, cabe aos interessados – os empregadores – instituir os meios de atraí-los, seja pelo aumento de salários seja pela adoção de incentivos de outra natureza, como treinamento frequente, aumento de fretes para os motoristas autônomos e redução da jornada, entre outros.

Mas no Brasil as forças do mercado, infelizmente, não estão livres. E o senador Clésio Andrade, como legítimo representante do PMDB, e mais ainda da coligação de que seu partido faz parte em nível nacional,  não acredita nas forças do mercado e da livre iniciativa. Ou, se porventura acredita, prefere ignorá-la para favorecer seus aliados à revelia dessas forças. Mas certamente, como seus amigos do PT, Clésio não acredita nos princípios fundamentais estabelecidos pela constituição brasileira: os da igualdade de direitos entre os cidadãos brasileiros.
Não é por outro motivo que resolveu devolver favores aos financiadores de suas campanhas, que desde já agradecem: neste caso, apresentou um Projeto de Lei, aprovado no dia 21 de fevereiro último na Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR), que pretende garantir ao jovem que tenha renda familiar de até R$ 1.635,00 a obtenção gratuita da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). A mesma CNH que nós outros, da classe média, temos que pagar do nosso próprio bolso. Segundo seu site, a proposta teria por objetivo “suprir a demanda do setor transportador por mão de obra qualificada”. Os recursos para financiar a habilitação virão da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), cobrada na venda de combustíveis.

O senador não explica se esses jovens que receberão a CNH de graça terão que trabalhar obrigatoriamente para o setor de transportes. Depreende-se disso que os objetivos de seu Projeto de Lei são outros: por um lado, o lado populista, agradar a uma parcela expressiva da população, (quiçá seus futuros eleitores) que receberá um presente do senador, pago naturalmente pelo contribuinte. Por outro, agradar ao setor de  transportes, que passará a contar com um contingente maior de jovens habilitados não com dinheiro do setor mas – outra vez – de nós-outros contribuintes.

Por que, pergunto, não insiste ele que os senhores donos de transportadoras paguem eles mesmos pela formação de seus condutores, desde a primeira aula de auto escola, como aliás já fazem outros setores industriais?  Por que o senador não apresenta um Projeto de Lei que trate de um empréstimo aos jovens aspirantes a condutores, a ser pago em suaves prestações após seu primeiro emprego? Por que, pergunto, o senador, não começa a discussão para a regulamentação da profissão de motorista de caminhão? Por que, pergunto, o senador não institui na sua egrégia Casa a discussão sobre o aumento da participação do transporte ferroviário no transporte de cargas, atualmente em apenas 35%?

Clésio Andrade, que foi presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT) e vice-governador de Minas, não poderia agir de outra forma. Sabe como poucos participar do jogo  fisiológico em que não só ele mas quase todos de seu partido são tão bons, e que nós outros abominamos, que consiste em atender a interesses privados com dinheiro público; em dar o peixe ao invés de ensinar a pescar – e comprar, digo, cobrar votos dos injustamente favorecidos.  O contribuinte, mais uma vez, paga o pato, ou o voto.
  
Pode parecer uma crítica excessiva a um caso tão “inexpressivo”. Afinal, são apenas uns poucos milhares de jovens que vão ter a graça de ter sua carteira sem pagar um tostão por elas. Mas da ladeira escorregadia da iniquidade institucionalizada não se sai facilmente. Todos nós que acreditamos na democracia de facto tentaremos manter nosso equilíbrio. E, se nos recusarmos a apontar um dedo para os populistas fisiológicos, logo estes senhores farão com que percamos não só os demais dedos mas todos os nossos anéis.