quarta-feira, 27 de abril de 2011

Economia: Entre a Cruz e a Espada

O Ministério da Fazenda está entre a cruz e a espada. Enquanto a inflação (oficial) se aproxima do teto da meta fixada pelo Banco Central para 2011, de 6,5%, o dólar segue caindo, caindo, caindo... batendo nos R1,58. Ortodoxamente falando, bastaria ao Bacen aumentar a taxa de juros para conter as pressões inflacionárias. Isso deverá ocorrer, mas apenas fará aumentar a entrada de capitais no país, exacerbando a valorização do Real e prejudicando os setores exportadores, que estão no limite.

As conclusões são para quem as quiser notar: a âncora cambial, que manteve as pressões inflacionárias em rédea curta nos últimos anos, está mostrando sinais de exaustão; o mercado interno, que acomodou o excedente não exportado, idem. Tudo isso, e esta é a principal observação, graças ao excesso de liquidez promovido pelo Federal Reserve Bank, que inundou as plagas americanas e agora começa a exportar sua junk currency e seus problemas para o resto do mundo.

Bolhas, uma vez estouradas, não voltam a inflar. Se o excesso de liquidez foi primeiramente direcionado ao mercado imobiliário americano, que experimentou um crescimento-fantasma até cair na real, o dinheiro sem lastro ainda sendo injetado na economia americana simplesmente achará um modo de fluir para algum outro lugar. E esse lugar será o das commodities, metais preciosos e bens de consumo. Tudo isso traduz-se em uma coisa: inflação exportada, ou pior: estagflação.

Uma eventual substituição do dólar como reserva de valor e meio de troca internacional por uma cesta de moedas, como aventado pelos BRICS, apenas aceleraria o inevitável colapso da moeda americana. Forças políticas em (difícil) gestação apenas definirão de que modo se colocará o último prego no caixão: medidas fiscais eficazes politicamente impossíveis à parte, os juros americanos aumentarão para conter a depreciação do dólar, acabando por fazer ruir um mercado imobiliário já submerso em dívidas, e a economia em geral? Ou ficarão artificialmente contidos, levando o dólar às baixuras do inferno? Os resultados, de qualquer modo, não serão os melhores. E isso respingará pelo resto do mundo. Em Brasília, ficará cada vez mais difícil segurar o dólar e, ao mesmo tempo, a inflação. É esperar para ver.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Paternidade e os direitos do homem e da criança

Hoje li no jornal “O Estado de Minas” a história de “PC”, que se vê obrigado a pagar pensão judicial a uma moça de 36 anos com necessidades especiais, mesmo não sendo seu pai biológico, sob a tese de “paternidade socioafetiva”. De acordo com a reportagem, PC descobriu que a moça não era sua filha biológica só recentemente, através de um exame de DNA, já estando separado de sua ex-esposa há algum tempo e sem convívio com a moça há seis anos.

Não vou entrar no cerne jurídico desta questão específica, em que se entrelaçam de forma polêmica, até mesmo entre os juristas, os direitos de PC e os da moça. Estão fora da minha competência, mas parto do princípio de que uma afeição que não mais existe e que anteriormente fora imposta por meio de uma mentira se parece com uma prova plantada, portanto falsa. Caso típico de fraude de paternidade. Não obstante, lembro que existem outros aspectos pertinentes que devem ser considerados:

A antropologia nos ensina que a ligação biológica entre um homem e uma criança é o principal condicionante para o desenvolvimento de uma ligação afetiva tipo pai-filho, embora, como todo pai  de crianças, adotadas ou não, incluindo padrastos, bem sabe, a convivência seja imprescindível para fazer florescer e para fortalecer esse laço. Mas enquanto a maioria dos homens está disposta a amar seus filhos biológicos e adotivos, nem todos os homens estão predispostos a adotar uma criança. Significativo é o fato de que padrastos, cuja ligação com os enteados tem caráter mais fortuito, estatisticamente têm com eles maiores problemas de relacionamento do que outros homens experimentam com seus filhos biológicos ou adotivos.

O ponto a que quero chegar é o “movimento” que PC sugere: o de resguardar o direito do homem à escolha. O ideal de democracia, que engloba aspectos políticos, sociais e jurídicos, entre outros, a meu ver deve basear-se na verdade dos fatos. Fora dessa verdade, algum direito estará em perigo.  PC passou todos os anos acreditando que fosse o pai biológico da moça quando, se tivesse conhecimento da verdade, poderia ter escolhido, ou não, criar a menina como sua enteada, assumindo a condição de seu padrasto.

Numa época em que os direitos humanos, se não respeitados integralmente, ao menos são valorizados, os homens, por razões históricas muitas vezes associados à brutalidades contra as mulheres e ao abandono de crianças, elos certamente mais fracos da corrente familiar, ficaram desguarnecidos deste direito fundamental que é o de saber a verdade em questões de paternidade. Democracia envolve não só direitos mas deveres e, acima de tudo, responsabilização pelos próprios atos. Por parte do homem, mas também da mulher. Sem moralismos.

Mas não nos esqueçamos também de um direito das crianças raramente lembrado: baseando-nos sempre no princípio da verdade, considero direito de toda pessoa saber se o homem que aparece nos registros como seu pai tem ou não relação biológica com ela. Direito que naturalmente se estende ao neto de saber o mesmo de seu suposto avô, do bisneto quanto a seu suposto bisavô e aos milhares de supostos descendentes que serão iludidos ad eternum em toda a cadeia genealógica, a qual não passará de uma fraude. Nesses termos, as pessoas têm o direito de preferir não conhecer a verdade a serem induzidas a acreditar numa mentira, que é mais comum do que pensamos. Se a mulher tem a certeza da maternidade, o homem não pode ter tanta certeza: a genética de populações nos mostra que entre 4 a 10% das crianças não são filhas dos homens que tomam por seus pais. E número semelhante de homens não são pais dos filhos que tomam por seus.

Estas colocações certamente estarão começando a causar espanto em alguns leitores. Por que? Provavelmente porque se considera que o direito de uma criança a ter por perto um homem que a alimente, seja ele seu pai biológico ou não, deve prevalecer sobre os direitos de ambos de conhecer sua verdadeira relação biológica. Mas uma coisa não exclui a outra. Qualquer homem, dentro ou fora do casamento, pode assumir a paternidade de uma criança, resguardados os ditames da Lei Nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992, entre outras. Para isso bastaria mudar o termo “reconhecimento de paternidade” para algo do tipo “reconhecimento de paternidade socioafetiva”. Os registros de nascimento teriam assim um campo para pai biológico, onde se marcaria o nome de um homem após o teste de DNA (ou desconhecido, se assim fosse) e outro campo onde se assinalaria a condição de pai socioafetivo, que poderia corresponder ao pai biológico ou a um outro homem que, escolhendo esta responsabilidade sob condições bem definidas, responsabilizar-se-ia por “alimentar” a criança conforme a forma da lei.

Mas para isso caberia ao Estado garantir tais direitos ao homem, às crianças e às futuras gerações, arcando com os custos dos exames de DNA, que, embora ainda caros, vão se tornando cada vez mais baratos. No Brasil os testes ainda custam cerca de R$700,00, mas nos Estados Unidos já estão disponíveis exames por cerca de U$150,00. Naturalmente, convênios dos governos com laboratórios para fazer exames em larga escala fariam os preços caírem até níveis razoáveis. Para barrar excessos, o Estado pagaria um teste por criança, cabendo à mãe indicar o suposto pai. Nuances teriam que ser avaliadas caso a caso e previstas em lei. De qualquer forma, se poderia começar por realizar testes-piloto sob requisição paterna e em determinados estados antes de eles se tornarem obrigatórios em todo o território nacional.

Obrigatórios? As pessoas certamente ficarão divididas, e isso é bom para alimentar a discussão. Os adversários dessa ideia, que incluirão muitas mulheres e casais fiéis que se considerariam ofendidos, dirão que existem outras prioridades para um país pobre como o nosso e que nossa realidade social não permitiria tal “extravagância”, ou que é um direito dos pais esconder a verdade das crianças, sob a alegação de que o amor justifica tudo. Dirão ainda que o Estado não deve intrometer-se em assuntos de foro íntimo das mulheres (ooops, famílias). Ou dirão que existem várias outras questões legais envolvidas (todas anteriores à existência de testes de DNA). E como ficarão os doadores anônimos de esperma?

A questão não é moral: a fraude de paternidade é uma injustiça social que, com o advento dos testes de DNA, pode num futuro próximo começar a ser retificada. Mas no final das contas as prioridades são definidas politicamente. Coloco estas idéias aqui mais para fazer pensar, pois infelizmente receio que nossa sociedade não esteja ainda madura o suficiente para considerar mudança tão brusca no status quo. Em alguns lugares do mundo o teste de paternidade é obrigatório nos casos de mães solteiras; em outros, até no caso de mães recentemente casadas.Talvez simplesmente no Brasil não estejamos prontos a considerar a igualdade entre os sexos no quesito da paternidade e a perceber o direito das crianças de saber pelo menos quem seus pais não são como uma conquista social irrevogável. Com ou sem tudo isso resta uma certeza: o amor paternal nunca dependeu e nunca será condicionado pela paternidade biológica.

Imediatistas acima e abaixo do Equador: quando governos se curvam ao consumidor

O grau de confiança nos Estados Unidos caiu. A agência de classificação de risco Standard & Poor’s  rebaixou de “estável” para “negativa” a perspectiva da dívida soberana dos Estados Unidos devido a seu déficit orçamentário, na casa dos trilhões, elevado endividamento, e à falta de implementação de políticas que possam reverter o quadro. Já se fala mais abertamente do risco de o país não conseguir pagar sua dívida.

A inflação americana ainda não saiu de controle porque o excesso de liquidez injetado pelo Fed na tentativa meio frustrada de aquecer a economia permanece retido nos bancos. Quando esse dinheiro for liberado no sistema financeiro, não dá pra dizer exatamente o que acontecerá, mas certamente a inflação não continuará comportada.

O próprio presidente Obama, em sua recente peregrinação pelos Estados Unidos propagandeando seu plano de redução do déficit (de dificílima costura: veja minha nota sobre o assunto), declarou que as finanças americanas estão em níveis “insustentáveis”. E isso vem desde tempos mais republicanos, em que as verdinhas foram gastas (ou melhor, fabricadas) com toda a liberalidade.

Tudo isso causado por uma economia que funciona na premissa equivocada de que o crescimento econômico pode ser promovido de forma sustentável no longo prazo emprestando dinheiro às pessoas para que gastem no consumo (diga-se de passagem, o governo brasileiro atual, de viés desenvolvimentista, está caindo na mesma armadilha). Acontece que o verdadeiro crescimento sustentável só é possível quando se promove a poupança interna e a postergação do consumo, que permitem a queda da taxa de juros e o financiamento dos investimentos formadores de capital. E nada disso vem acontecendo, nem acima nem abaixo do Equador. Estamos todos endividados.

Uma das raízes dessas mazelas reside em que o governo está ficando cada vez maior e mais caro e o pacato cidadão, que tem que financiá-lo, resiste quanto pode à queda do seu padrão de vida que os impostos mais altos lhe impõem. Em primeiro lugar, sangra sua poupança; depois inicia um círculo vicioso de endividamento. Isso dá uma falsa sensação de segurança até que a inflação (que é uma forma de taxação da classe média e dos mais pobres por uma sociedade nada anônima entre o governo e os mais ricos) faça todos caírem na real e a maioria ficar mais pobre.

Tomar emprestado para produzir é como os países pobres ficam ricos; tomar emprestado para consumir é como os países ricos ficam pobres. Neste momento em que o velho dilema emprego x inflação parece se impor de forma mais acentuada à nossa presidente, este conselho assume maior relevância. Estamos todos felizes: com o primeiro carro, com as férias baratas de avião, com as compras em Nova Iorque: até quando?

O primeiro problema é que os governantes querem agradar a seus eleitores nos quatro ou cinco anos de seus mandatos. Enquanto isso vão alongando os pavios para que a bomba estoure o mais adiante possível. O segundo, terceiro e quarto problemas é que os eleitores (e também a mídia) são imediatistas, não entendem de macroeconomia e, não discernindo tendências, acham que o futuro pertence exclusivamente aos adivinhos: um casamento perfeitamente democrático – e explosivo.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

O fim do petróleo barato e suas consequências

Para pensar (sem apavorar). 

Por Pedro Lobo Martins

Não está (ainda) na mídia mais ampla, mas a produção mundial de petróleo está em seu pico de cerca de 86 milhoes de barris/dia. Em breve deverá começar a declinar ano a ano em pelo menos 2%, enquanto a demanda mundial não declinará na mesma proporção, podendo aumentar (ver adiante). Fontes alternativas de energia não preencherão o vácuo no horizonte de curto ou médio prazo, e provavelmente nem nos próximos 30 anos, tempo necessário, aproximadamente, para a estruturação de uma nova matriz energética, se ela vier a existir. O pré-sal, ainda que contenha os 30 bilhões de barris propagandeados, supriria sozinho não mais do que cerca de 5 meses de consumo mundial até que seu próprio pico fosse atingido. E sua exploração em terreno e águas profundíssimas é caríssima, requerendo novos e caros desenvolvimentos tecnológicos, tornando-se comercialmente viável somente a preços internacionais altíssimos do petróleo. O pré-sal é uma gota no oceano, por assim dizer.

Esqueça o hidrogênio ou a eletricidade: não são fontes primárias de energia, mas sim energia transformada (eletricidade), ou modos de transportar energia transformada (células de hidrogênio): são na verdade baterias que, necessariamente, requerem mais energia para serem carregadas do que são capazes de fornecer. A segunda lei da termodinâmica é infalível. O sol, fornecendo energia diretamente ou através de hidroeletricidade e biocombustíveis, não dá nem pra começar a história da substituição. O vento tampouco. Se todas essas formas podem ser viáveis em nível muito local, e o Brasil está relativamente bem aquinhoado, não serão a nível mundial. Só a energia nuclear, que certamente será (re)promovida, à revelia de Chernobyl e Fukushima, pode querer começar (e só começar), juntamente com o carvão mineral, a tapar um pequeno buraco, que não será o dos automóveis e caminhões. Os ambientalistas e o aquecimento global que se cuidem. Se foi o carvão, e depois fundamentalmente o petróleo, que possibilitaram o fim da escravidão humana no século XIX, é porque só um barril de óleo pode fazer o trabalho de 25 pessoas por um mês.

E não estamos falando apenas de transporte: toda a agricultura depende de combustíveis fósseis. O nitrogênio é o principal componente dos fertilizantes, sendo oriundo da amônia, que por sua vez é sintetizada a partir do gás natural. Os pesticidas são fabricados a partir do petróleo. Em toda a cadeia alimentar humana e dos animais de criação o petróleo e seus primos gasosos estão envolvidos. A sua substituição gota-a-gota por biocumbustíveis, matéria vegetal e adubos orgânicos, entre outros, não possibilitaria nem de longe a mesma escala, em nível mundial. Isso pra não falar da indústria química, que permeia toda a economia e depende fundamentalmente do petróleo e seus derivados.

Embora seja finito, o petróleo não vai acabar tão cedo. Só metade dele foi consumida. O problema é que os custos de exploração da outra metade serão tão altos que muito do óleo remanescente será simplesmente deixado onde está. Ou seja, a produção de petróleo vai cair ano após ano, enquanto seu preço vai, ao mesmo tempo, subir. Portanto, não se fala do fim do petróleo, mas de seu encarecimento, que, acredita-se, será em forma de serra ascendente, pois certos níveis de preço (começando em cerca de U$150,00/barril) destroem seriamente a demanda mundial, o que por sua vez leva à queda pouco duradoura do preço, que volta logo a subir, atingindo níveis mais altos do que anteriormente. Esses ciclos recessivos provavelmente destruirão paulatinamente a demanda global, com reflexos sociais, políticos, geopolíticos e econômicos imprevisíveis, até que, em algum ponto na próxima década, se atinja um novo patamar de equilíbrio, com a demanda seriamente comprometida em um cenário de novos paradigmas. 2008 foi aprimeira crise. Estamos prestes a experimentar outra. É aí que entra o dinheiro...

Os Estados Unidos se tornaram dependentes de dívida para crescer e do crescimento para poder continuar se endividando. Desde a expressiva queda da bolsa de valores americana na década de 1990 dinheiro novo vem sendo paulatinamente derramado na economia americana pelo Federal Reserve Bank (FED). A princípio isso aconteceu para promover o crescimento do país, o que levou à bolha imobiliária, mas a partir de 2007-8 esse dinheiro vem sendo imprescindível apenas para não deixar o país mergulhar em uma recessão. Trata-se do Keynesianismo levado ao extremo. Esse excesso de liquidez já foi sentido. Emboscado entre as escolhas de aumento das taxas de juros, que precipitaria a recessão, e sua diminuição (ou manutenção em patamares baixos), que levaria à inflação, o governo americano tem fortes razões para tomar a segunda medida. Um eventual aumento das taxas de juros levaria o déficit americano em contas correntes a níveis estratosféricos e os consumidores indivíduais, mergulhados até o pescoço em dívidas, à bancarrota. E isso seria políticamente desastroso. O FED, de qualquer modo, está numa sinuca de bico entre inflação e recessão, e parece ser tarde demais para evitar as consequências de ambas.

A China e o Japão vêm financiando a maior parte do déficit orçamentário de cerca de 1,8 trihões de dólares, comprando avidamente Treasure Securities emitidos pelo FED, e fazendo circular o dinheiro excedente das transações comerciais com aquele país. Um esquema que, em linhas gerais, não deixa de se parecer com o de uma pirâmide, ou uma bolha... Quando  os países asiáticos deixarem de se interessar em manter em suas reservas um dolar cada vez mais fraco representando uma economia cada vez mais instável, e começarem a retornar esses dólares aos Estados Unidos, com a compra de bens de consumo e ativos reais, estarão abertos os portões da (hiper)inflação. E tudo indica que esta bolha está prestes a desfazer-se. Ações desesperadas, como cortes fiscais de difícil viabilidade política, shutdown governamental, entre outros, provavelmente não evitarão o pior.

O resultado líquido da energia mais cara, alimentos mais caros (que já produzem tensões civis no mundo árabe), ambos constituindo o núcleo real dos sistemas econômicos atuais, e de um dólar na iminência de um colapso será um só: profunda queda na atividade econômica nos Estados Unidos e, dada a interconexão dos mercados, no mundo inteiro. A inflação, assim, virá por excesso de fiat money  (dinheiro sem lastro na produção) e por aumentos de custos de produção. Veremos provavelmente um 2008 amplificado e duradouro, com recessão mundial, enxugamento generalizado do crédito e, ao contrário do que se viu naquele ano, elevação geral dos preços. Paradoxalmente, a inflação, nos Estados Unidos, destruirá grande parte das dívidas pública e privada, o que não deixará de ter um lado benéfico, sobretudo para o setor público, o maior devedor e interessado. Mas só este lado, dentre os milhares existentes nesse prisma em que se refratam ainda as economias da zona do Euro, muitas delas à beira de um colapso financeiro que poderá levar à Desunião Europeia. Grécia, Irlanda e Portugal que o digam. E a Alemanha talvez não consiga segurar sozinha as pontas quando França, Espanha e Bélgica chegarem à frente da fila. Até a Grã-Bretanha espreita de (não tão) longe... Qualquer coisa poderá apertar o gatilho que levará o petróleo a níveis de preço de inflexão econômica (depressão): um ato terrorista, um ditador resiliente, qualquer coisa. Embora se vá confundir essa qualquer coisa com a causa primária, a verdadeira causa original residirá primordialmente na escassez do petróleo e em suas conseqüências econômicas e geopolíticas imediatas.

O homem, diante de notícias ruins, costuma passar por cinco fases: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. Em relação às escassas notícias que chegam do fronte sigiloso e cheio de tabus que é o do petróleo, a maioria de nós, incluindo a mídia, está na primeira fase, a do descrédito. O ideal, para nos protegermos, é passarmos rapidamente por todas as outras quatro fases enquanto tomamos as providências cabíveis. Isso, reconheço, é difícil. Mais fácil é fazer parte da manada e ir aonde ela for tocada, no último instante. Àqueles que tiverem coragem suficiente, em um cenário que caminha para o de estagflação globalizada em um mundo que provavelmente começará a se desglobalizar, recomendam-se investimentos atrelados a ativos reais de alta liquidez, como commodities (sobretudo agrícolas) e metais preciosos, de valor intrínseco, cujos preços já subiram expressivamente e deverão continuar sua trajetória ascendente. No cenário que se anuncia, provavelmente serão eles, e não os imóveis, os investimentos mais seguros e os únicos a não derreter.

Não tenho bola de cristal, mas sei ler e acredito poder discernir algumas tendências reais de um cenário econômico quase sempre imprevisível. E não, o mundo não vai acabar em 21 de dezembro de 2012,como dizem. Mas assim como o século XIX prolongou-se (só) até 1914, o século XX e todo o modo de vida que representou (leia-se petróleo barato) poderão estar com seus dias contados. 2012 poderia ser só o começo.

Advertência: não baseie suas decisões de investimento apenas em meus educated guesses . Embora seja um ávido consumidor de literatura econômica pessimista, espero sinceramente que nenhuma dessas mazelas vá acontecer, embora acredite que muitas vão.

Talvez devesse estar escrevendo notas sobre assuntos mais agradáveis, que talvez domine melhor, como os paleoíndios de Lagoa Santa, os últimos dias de vida dos últimos Neanderthais, ou ainda sobre os Tylacinos e Pombos-Passageiros, de que bons livros e artigos foram publicados recentemente. Mas eles estão extintos, e nós ainda não, de modo que ainda dá pra nos salvarmos... rsrsrsrsrsrs