quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Joaquim e a Inquisição

Por Pedro Lobo Martins

Ligo meu computador hoje pela manhã e vejo no facebook uma postagem de uma professora de História da UFMG, falando de Joaquim Barbosa:

“Infelizmente, a fama subiu-lhe à cabeça e o ministro Joaquim Barbosa está jogando para a platéia. Intempestivo e rude, quer passar para a história como o magistrado que combateu a corrupção. Por vezes, perde a compostura e o senso de justiça...
Estranho um juiz desconhecer que o excesso de zelo e a vontade de punir podem redundar em injustiça.
E, como na Espanha de Torquemada, a massa delira...”


Torquemada? Excesso de zelo?

Infelizmente é comum a muitas pessoas, ao sentirem suas ideias de justiça (ou seu partido político) de alguma forma atacados, partirem para o denegrimento dos algozes  (ou bodes expiatórios) que eles mesmos instituem. Seria bom ter sempre o cuidado de não pretender desmerecer as ideias, ações e posicionamento atacando as pessoas por trás delas ou mesmo suas motivações pessoais. Chegou-se ao cúmulo de se levantar a suspeita de que Barbosa estaria se aproveitando da toga para vingar-se do cativeiro enfrentado por seus ancestrais. Se a maior parte das críticas não foi tão fundo, muitas cutucaram desrespeitosamente a pessoa do magistrado.

Se as ideias são sempre discutíveis e as pessoas são sempre imperfeitas, apenas as primeiras, e não as últimas, são capazes de sustentar a democracia.  E é só na democracia que as pessoas (ou, como prefere pejorativamente a professora, a ”massa” delirante, a “platéia”) podem avaliar as ideias e gostar, ou não, de quem as defende.

Invertendo a questão: não é meu gosto pela extensa obra da professora no campo da história colonial mineira (sobretudo por seus estudos sobre a "Guerra" dos Emboabas) que me tornará um incondicional admirador de sua pessoa, que alias nunca conheci.

Comparações com a inquisição parecem-me fora de propósito e anacrônicas. Torquemada e seus pares defendiam interesses da Igreja Católica no contexto de uma Reconquista ainda incompleta e dos primeiros laivos da Reforma. As decisões do STF  (Barbosa, a propósito, não é o único a votar) são apenas um tiro contra uma instituição secular (em ambos os sentidos) e arraigada, que é a corrupção. E quem melhor do que os ministros do STF para julgar a corrupção, num país em que a justiça (sobretudo nas instâncias inferiores) não é exatamente cega e onde milhares de telhados são de vidro?

É estranho a professora notar a “descompostura” do ministro Joaquim Barbosa e não criticar a frieza e inconsistência demonstradas por Lewandowski no decorrer do julgamento. Se a polidez é desejável, nem sempre acolhe a razão. Como retorquiu o próprio Joaquim Barbosa ao revisor, após este fazer notar a “rudeza" do relator:



“Em qualquer atividade humana, urbanidade e responsabilidade são qualidades que não se excluem. Mas, às vezes, a urbanidade presta-se a ocultar a falta de responsabilidade. A propósito, é com extrema urbanidade que muitas vezes se praticam as mais sórdidas ações contra o interesse público.”

É sempre bom lembrar: muitos nazistas cometeram as maiores atrocidades sem se desviarem de sua frieza, de uma "urbanidade" e até mesmo da polidez.

Nuremberg e a história, felizmente, não os julgaram por sua compostura.