quarta-feira, 18 de maio de 2011

As almas do cidadão do mundo






















A polêmica criada pela adoção do livro “Por uma Vida Melhor” pelo MEC está dando o que falar.  Uma leitura atenta dos trechos transcritos do livro e das entrevistas de uma das autoras, Heloisa Ramos, deixa transparecer a pretensão de mostrar aos alunos da rede pública, seus leitores, que não precisam constranger-se por usar, dentro da sala de aula, a mesma linguagem coloquial que falam e ouvem da boca de seus pais e pares, nas ruas e em casa.

“Não queremos ensinar errado, mas deixar claro que cada linguagem é adequada para uma situação. Por exemplo, na hora de estar com os colegas, o estudante fala como prefere, mas quando vai fazer uma apresentação, ele precisa falar com mais formalidade”, diz.

Parece fazer sentido. Todos nós usamos uma linguagem diferente em situações diferentes. Parece-me que há um exagero naqueles que interpretam o conteúdo do livro como uma tentativa de ensinar que o português "errado" que falam está "certo" e que dá até pra escrever desse jeito. Pelo que li e ouvi, não me parece ter sido esta a intenção dos autores. A sua real intenção parece ter sido a de ponderar que, dentro da sala de aula, os alunos não devem se importar em falar "errado", mesmo com os professores. Qual é a minha opinião? Para chegar a ela, não bastou assistir aos telejornais; para mostrá-la, será necessária uma digressão:

As pessoas tendem a imaginar que existem pessoas que falam “certo” e pessoas que falam “errado”, supondo que exista uma maneira “certa” de falar. Para início de conversa, essa maneira não existe. A distinção que vou fazer aqui (embora não seja unanimidade entre os linguistas) é entre uma norma popular, que é falada, e um norma culta, que é escrita. Ignorar esta distinção, como veremos, é cair em uma cilada preparada por aqueles que querem levar a fala até as gramáticas.

Dizer que a norma popular é o jeito que o povo fala é o mesmo que dizer que o latido é o jeito que os cachorros emitem sons. Só os seres humanos falam. Por isso a norma popular é usada por todos os seres humanos, de qualquer país; até mesmo pela rainha da Inglaterra e pelos mais puristas (excetuando-se talvez os pedantes).

A fala é natural. Todos os seres humanos sem patologias cerebrais que o impeçam aprendem a falar no convívio com outras pessoas. Sempre foi assim e sempre será.  Alguns estudiosos, como Noam Chomsky e Stephen Pinker, chegaram a propor a existência de uma gramática inata e universal, alicerçada em mecanismos genéticos. Mas nem todo mundo aprende a escrever. A escrita precisa ser ensinada formalmente e requer conexões entre os circuitos cerebrais que não ocorreriam de outra forma.

As evidências glotocronológicas indicam que, antes da invenção da escrita, as línguas evoluíam de forma muito mais rápida. Não havia normas e convenções que travassem inversões semânticas, alterações no léxico ou evoluções morfológicas. Além disso, as situações de relativo isolamento geográfico em que muitas populações se encontravam favorecia a rápida diferenciação linguística, que culminava no surgimento de novas línguas.

Foi assim que, de uma língua falada nas estepes ao norte do mar negro (o proto- indoeuropeu), e após uma infinidade de estágios intermediários que incluíram certamente empréstimos (os estrangeirismos, que alguns deploram), jamais escritos, surgiu o latim. E da forma vulgar (popular) do latim, e não do latim clássico (sua norma culta) surgiu o galego-português, entre os séculos XII e XIII. A norma popular, falada, continuou a mudar a partir de então. Entretanto, a leitura de textos do século XVI mostra que o ritmo de evolução da nossa língua desacelerou. Isso se deveu em grande parte à relativa estandardização linguística e fixação ortográfica promovida pelas gramáticas normativas (a primeira em português é da pena de Fernão de Oliveira, que a terminou em 27 de janeiro de 1536). Mais recentemente, a relativa disseminação da educação formal tornou nossa língua ainda mais gramatizada, o que facilitou a sua fixação, em muitos aspectos. De forma alguma, contudo, a evolução linguística deixou de prosseguir.

Mas a norma popular não varia apenas com o tempo. Os diferentes falares refletem ainda posições geográficas, etárias, culturais e sociais (são as variações diatópica, diastrática e diamésica da linguística). Cada um fala de acordo com o local onde mora, sua idade, seu grau de instrução e sua posição social.Quanto mais instruída a população, maior influência soferá, em seus falar, da norma culta. Mas a correlação nunca será perfeita. Noto que, como todos  podemos atestar, a fala, por seus tons, inflexões, altura e palavras empregadas reflete ainda qualidades do caráter do falante. Sendo a fala a expressão da alma, como prega a sabedoria universal, como nos furtarmos ao direito de podermos escolher, entre as diferentes "almas", aquelas com que preferimos nos comunicar?

Com a norma culta, escrita, a coisa é diferente. Os estudos gramaticais, que se estendem aos antigos gregos e aos vedas, se originaram de estudos literários e da necessidade de estudar e conservar textos veneráveis. As mais antigas gramáticas pretendiam dar ordem e legitimar uma linguagem religiosa sagrada e ritualística, tornando-a disponível a uns poucos iniciados. Essa linguagem não era a usada pelas pessoas comuns e, na maioria das vezes, nunca foi usada por ninguém em tempo algum, sendo apenas escrita e declamada, não se constituindo em um vernáculo. O sânscrito, da Índia antiga, é típico. Com a dessacralização dos textos, só os poucos que sabiam lê-los continuaram a ter acesso a eles. E as gramáticas continuaram a refletir uma profunda dissociação entre a norma culta e a norma popular, mantendo seu caráter elitista. Assim, o latim que se lê nas obras clássicas de Cícero e no de outros autores coetâneos provavelmente nunca saiu da boca de ninguém. Não obstante, mesmo não sendo um vernáculo, esse mesmo latim (clássico) continuou a ser escrito pelos séculos que se seguiram, com pouquíssimas modificações.

As gramáticas normativas, assim, tiveram sua origem no fosso social existente entre os que sabiam e os que não sabiam ler. Entre os que podiam ler e os que não podiam ler. As gramáticas refletiam essa distância enquanto a reforçavam. Idealmente, deveriam permanecer tão estanques quanto os textos a que serviam.

Hoje a coisa mudou. Nossas gramáticas até admitem mudanças, mas estas em geral são graduais, levadas a cabo após discussões conduzidas por um colegiado de lingüistas em que raramente impera a unanimidade. Alguns poucos, assim como os antigos romanos, pretendem que a gramática continue a padecer de inércia temporal, mantendo regras consagradas por uma norma culta imutável.Outros querem que reflita a fala das populações urbanas educadas e de alto nível social; há ainda aqueles que desejam uma gramática dinâmica, que reflita em tempo quase real a evolução da norma popular, incorporando usos que se considerem razoavelmente disseminados em uma parcela significativa da população. Estes últimos consideram que a escrita deve ser uma mera representação gráfica da fala. Defendendo uma gramática descritiva, no extremo pretendem extinguir a dicotomia entre a norma culta e a norma popular.

Quem está com a razão? Na minha opinião, uma outra vertente. E para explicar-me peço paciência para uma nova  digressão.

Muitos imaginam que exista uma tendência, na língua falada, à simplificação. Mas isso nem sempre acontece. No Brasil, na verdade, parece estar se passando o contrário. Falamos o longo “dei a chave pra ela” ao invés da forma sintética “dei-lhe a chave”, ou ainda "dei-lha", que ninguém fala. E preferimos a forma recentemente popularizada “vou estar te passando o número do telefone” ao pequeno “passarei a você o número do telefone", ou "passar-lho-ei”. E ainda interpomos elementos gramaticalmente desnecessários, redundantes, em construções como “Eu tenho um amigo que ele só usa chinelo de dedo”, ou “Eu vou te dar ele pra você amanhã.

O ponto é: a forma escrita pode ser mais sintética, uma vez que o leitor, diante de uma oração longa, pode lê-la mais devagar ou mesmo relê-la, ao passo que não pode ficar pedindo ao seu interlocutor que fale mais pausadamente ou repita tudo o que disse, sob pena de interferir no bom andamento da comunicação. Além disso, ao escrevermos como falamos estamos desperdiçando os recursos estéticos e de síntese que a escrita nos proporciona.  Esses fatos, por si sós, me colocariam contra aqueles que pretendem uma gramática que reflita em tempo real a forma coloquial das pessoas se expressarem, o vernáculo. Se isso não fosse suficiente (e me parece ser), a esperança de que exista uma gramática que reflita todos os falares de um país, com suas belas e jamais unificáveis nuances (considere a diversidade do Brasil, por exemplo), não vai deixar de ser isso – uma esperança, um sonho de uma noite de verão.

*kattām mordēieti kwōn (o gato, mordeu o cão)
*nē tewom peumi! (Não te entendo!)
*nē? smerdesi (não? *#@¨¨!)

Estas palavras, segundo os linguistas, devem ter sido faladas pelos proto-indoeuropeus há cerca de sete mil anos, em algum lugar que hoje fica na Ucrânia (ou Turquia, para outros). De acordo com o que os puristas defendem, deveríamos estar escrevendo assim, uma vez que até a gramática dessa língua ancestral foi , em grande parte, reconstruída. Ou seria concedido que apenas os padres se ativessem à língua eclesiástica por excelência, o latim ?

Quero escrever em bom português, mas inteligível, e isso me põe em posição contrária à daqueles que pretendem engessar a gramática. Resta-me agora explicar minha oposição àqueles que querem transferir a norma popular urbana e instruída para a gramática: Ora, é tolice imaginar que um advogado de São Paulo não tenha seus deslizes gramaticais. Ou que os professores de Teresina falem tão bem, melhor ou pior do que os de Recife ou Belo Horizonte. Acredito que mesmo o melhor professor de português da USP provavelmente tenha escorregado e dito, ao menos uma vez, “os livro”. Qual seria a fala culta escolhida?

Chegando ao ponto, na minha opinião a gramática deve ser normativa, e não descritiva, devendo prescrever as regras que definem a norma culta (escrita) e não a norma popular (falada). E a norma culta deve mirar-se nas regras gramaticais, que não devem prescindir de sua função prescritiva. Ponto. Um equilíbrio perfeito. Circularidade sadia. Em outras palavras: o que está escrito nos bons jornais, nos bons livros e nas boas revistas deve ditar as regras. Dom Casmurro deve ditar as regras. Eça de Queiroz deve ditar as regras. Carlos Drummond de Andrade deve ditar as regras. A Folha de São Paulo ou outro bom jornal deve ditar as regras. Tudo o que pertencer ao nosso horizonte cultural deve ditar as regras, incluindo estrangeirismos e neologismos; até Camões, por que não?, deve ditar algumas regras.Quando novas regras forem incorporadas pela boa linguagem literária, que mal haverá em as gramáticas também as incorporarem? Felizmente, que eu saiba, em nenhum bom livro ou jornal podemos ainda encontrar "Os menino pegou os peixe". Enquanto isso, “Por uma Vida Melhor”, Marcos Bagno, Heloisa Ramos, o MEC e o Presidente da República não podem e não devem ditar as regras.

Heloisa Ramos e seu livro estão certos, contudo, em um ponto: querem mostrar aos alunos que não existem jeitos certos ou errados de expressão. Existem jeitos diferentes de expressão. Se você nasceu em Cabrobó, estudou em Cabrobó e sempre viveu em Cabrobó, não tente imitar o falar da atriz da novela. Ou do advogado de São Paulo. O jeito certo de falar em Cabrobó é Cabrobóês. Cada alcatéia tem seu jeito de uivar. A fala "certa" é definida pelas circunstâncias. A escrita, não.

A defesa do respeito à diversidade lingüística, como a defesa da diversidade cultural, é salutar.  A globalização cultural, como toda forma de unificação cultural, é cruel. À escola, como ambiente plural que deve ser, cabe defender toda diversidade – cultural, de opiniões, de falares. Mecanismos contextualizados de regulação da adequação social de atitudes (muitas vezes equalizados com “preconceito social”), e que são universais, comuns a todas as sociedades, infelizmente não deixarão de atuar, por mais que se procure inibi-los. Isso não significa que não se deva possibilitar aos alunos, via aprendizado e uso da norma culta na sala de aula, sua apresentação aos ícones que definem o horizonte cultural brasileiro, os quais estão irreversivelmente inseridos nesta mesma norma culta.Qual professor de inglês, na sala de aula, não corrigiria os erros gramaticais  na escrita de seus alunos? Com o português tem que ser diferente? Falando em circunstâncias, no ambiente "especial" da sala de aula a linguagem corrente deve, sim, aproximar-se de uma variedade culta, que se espelhará, tanto quanto possível e conveniente, e sem discriminar sotaques, no português escrito, culto. A escola, neste sentido, é, sim um "templo da sabedoria", e não deve ser menosprezada.

A defesa da substituição da norma culta pela norma popular na sala de aula me parece um exemplo de politicamente-corretismo em excesso, ideologização e relativismo cultural em demasia. Pior: é entender erroneamente que as crianças de nossas escolas são irremediavelmente incapazes de aprender a escrever de acordo com a norma culta, e a aproximar sua fala da mesma, estando condenadas a ficar de fora da beleza e riqueza da produção cultural brasileira atual, pretérita e futura, deixando de ser seus admiradores e agentes ativos. É tirar-lhes a autonomia e o mérito de poderem decidir, por conta própria, sobre como se valerão da sua fala e da escrita de acordo com sua conveniência, adequação e necessidade, substituindo-os pelo descrédito. É chutar o balde da escola.

Ênio, poeta latino do século II a.C, dizia que tinha três almas. Uma para o grego, outra para o latim e outra para o osco, línguas em que sabia se expressar.Cada alma lhe dava o poder de conceber o mundo de uma forma diferente, o que lhe mostrou o caminho para se tornar um “cidadão do mundo”. A escola tem o poder de transformar. Ensinando a norma culta, e exigindo seu uso na sala de aula,  ela abre páginas de livros, descortina horizontes e liberta os espíritos dos limites determinados por seus falares e línguas. Acima de tudo, tem o condão e o dever de transformar o menino pobre nascido em Cabrobó em um cidadão único, mas do mundo, capaz de adquirir para si quantas almas quiser e puder conquistar.













domingo, 15 de maio de 2011

Augusto

Esta cantiga de ninar fiz pro Augusto, em 05 de novembro de 2002.
Pra ele se lembrar de que a vida pode ser bela sob muitas perspectivas.















Clique no link abaixo para escutar a canção em MP3 (abra o arquivo)
E releve o desafino na flauta!



https://sites.google.com/site/pedrolobomartins/AVida%C3%A9Bela%21.mp3?attredirects=0&d=1

A Vida é Bela!                      

O dia é tão lindo, e a noite também!
As estrelas são tão lindas, e brilho elas têm!
Tu és, filho meu, uma estrela também!

O sol é tão bonito, e a chuva também!
O inverno é tão lindo e o verão já vem!
Eu canto porque lhe tenho amor, meu bem!

As montanhas são tão belas, e os rios também!
E correm longe ao mar, que é lindo também! 
Eu canto porque lhe tenho amor, meu bem!

As florestas são tão lindas,  e os bichos também! 
As grutas são tão belas, mistério elas têm! 
Eu canto porque lhe tenho amor, meu bem!

A vovó é tão linda, e o vovô também!
Te querem todo o bem, pois te amam também!
Eu canto porque lhe tenho amor, meu bem!

O mundo é tão lindo, e a vida também!
Mamãe te ama muito, e o papai também!
Tu cresces e serás um homem de bem!  
para se perguntar sempre:
(Tu és, filho meu, um homem de bem?)

Catharina

Para registro: esta é a canção que fiz para ninar a Catharina, quando era nenem. Filha minha do meu bem querer!




Clique no link abaixo para escutar a canção em MP3 (abra o arquivo)

E releve o desafino na gaita portuguesa!
https://sites.google.com/site/pedrolobomartins/Inventada-Catharina.mp3?attredirects=0&d=1

Catharina

Catharina, Catharina,
Onde está você?
Filha minha do meu bem querer...

Catharina, Catharina,
Encontrei você
Bem fundo dentro do meu coração!

Hmmmmm...
Hmmmmm...

Dentro do meu coração!

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Visões

Compartilho pequeno e singelo poema que fizemos juntos, eu e meu filho Augusto, em 12 de agosto de 2010, pela manhã, quando ele estava estudando um dos cinco sentidos: a visão





















Visões


Olhos, olhos e olhos cheios de luz,
Visões que se estendem ao infinito;
Que dó das toupeiras, dos pobres tatus,
Que nada enxergam de belo e bonito...


Ares, águas e terras cheias de cores,
Visões que penetram no fundo da alma;
Que seria da vida, de tantos amores,
Sem a luz que emana da noite calma?


Olhos, olhos e olhos de lágrimas verdes,
Da fonte luminosa de um matiz profundo,
De lindas visões além das paredes,
Longínquas visões além do mundo!

domingo, 8 de maio de 2011

A pirâmide de Gizé na Previdência Social

Por Pedro Lobo Martins


Em dezembro de 1919, Charles Ponzi convenceu uma dúzia de Bostonianos a confiar seu dinheiro a ele, em troca de um retorno de 50% em 45 dias, obtido através do investimento em cupons postais internacionais. Homem de palavra que era, no final do prazo doze felizes cidadãos embolsaram a grana. Embolsaram? Não. A coisa era tão boa que os investidores lhe deram o dinheiro de volta para fazê-lo crescer ainda mais.

A notícia logo se espalhou. Um ano depois Ponzi estava rico, tomando U$250.000,00 por dia de cidadãos de todo o país. Quando um antigo amigo invejoso resolveu levar a ficha criminal de Ponzi à polícia de Boston, cerca de 40.000 pessoas haviam confiado a ele seu dinheiro: cerca de U$15 milhões, em valores da época.

O que Ponzi fazia? Simples. Ele usava o dinheiro dos novos investidores para pagar aos que haviam "investido" primeiro. Mas, como em todas as correntes parecidas, assim que o número de pessoas entrando no esquema começou a diminuir todo o aparato veio abaixo e muita gente perdeu dinheiro numa época em que ninguém podia se dar a este luxo. Outros esquemas parecidos surgiriam depois, envolvendo pseudo-jantares beneficentes, doações a entidades filantrópicas e mensagens de e-mail. A legislação brasileira, como no resto do mundo, considera tais esquemas como estelionato.

Entretanto, vigora no Brasil há décadas um esquema de pirâmide gerenciado pelo governo: a Previdência Social. A Previdência Social foi criada em 1923 sob a premissa elitista de que trabalhadores de determinadas categorias como ferroviários, telegrafistas e portuários não dariam conta de cuidar de seu próprio dinheiro, economizando para sua própria aposentadoria. Trabalhadores autônomos ficaram de fora, inicialmente, talvez porque se imaginasse que este tipo de atividade estivesse associado a pessoas mais responsáveis.

Ao contrário dos Montepios e Caixas de Socorro, que desde o século XIX funcionavam mais como um seguro contra infortúnios para determinadas categoria (mutualismo), a Previdência Social instituiu a “poupança forçada” para diversas categorias, tornando-se mais abrangente com o passar dos anos, sendo sua legislação uniformizada e sua administração unificada, mais recentemente. Além disso, vários benefícios foram sendo incorporados. Por fim, com a Constituição Federal de 1988, a Seguridade Social foi estruturada nos moldes atuais, compondo-se do tripé: saúde, previdência e assistência social. Em 1990 foi, por fim, criado o INSS.

Talvez o Instituto Nacional do Seguro Social devesse erguer uma estátua de Charles Ponzi no seu saguão principal. Na verdade, a única diferença entre Ponzi e o INSS é que a pirâmide erguida por este Instituto é muito maior e envolve milhões de contribuintes. Além do mais, foi implementada sem dar aos seus participantes qualquer escolha.

Nos esquemas tipo Ponzi é ótimo entrar primeiro. Na Previdência Social foi ótimo ter entrado anos atrás, quando a população brasileira crescia rápido e a base da pirâmide (tanto demográfica quanto a de contribuintes) era larga. O esquema funcionava. A atual população idosa, ou nem tanto, haja vista o grande número de aposentados com menos de 60 anos, entrou primeiro e saiu ganhando. Não obstante as tentativas do governo em aumentar a base de contribuintes, as atuais gerações, mas principalmente as de nossos filhos, infelizmente serão deixadas de chapéu na mão quando a pirâmide desmoronar, transformando suas contribuições em perdas amargas.

Os trabalhadores deveriam estar livres da obrigatoriedade de contribuir. Aos ex-contribuintes caberia a responsabilidade de decidir cuidar da poupança para sua própria aposentadoria ou contribuir para uma Previdência Social reformada, autossustentável.  Sem isso  haverá a falência do sistema, com grande custo político e social.  Com isso se fará justiça aos nossos filhos, que ainda não votam.

Uma das premissas básicas da democracia é a liberdade com responsabilidade. Sem paternalismo.

Mas não me iludo: o preço de certas omissões só o tempo consegue cobrar, não a política.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

A Ilusão das Fronteiras Infinitas



Parece ser da nossa natureza: ao nos deparamos com a abundância, queremos acreditar na sua eternidade. A surpresa que o excesso nos causa nos agrada ao mesmo tempo em que nos seduz através de expectativas irreais. Chamo isso de a “ilusão das fronteiras infinitas”.

Há quinze mil anos bandos errantes chegaram às pradarias norte-americanas para encontrar o Éden sobre a terra. Por mais que a vista se estendesse, os horizontes se abriam às vastas extensões de terra virgem e uma imensidão de animais que compunham uma megafauna ainda intocada, da qual o homem, a partir daquele momento, seria apenas mais um componente. E em dois mil anos seria virtualmente o único, depois de chegar ao fim a fronteira: a megafauna estava extinta. Nesse sentido biogeográfico, até mesmo ilhas foram consideradas fronteiras infinitas, sendo notórios vários casos de extinções insulares.

Se não podemos desvendar a mente dos primeiros americanos para compreender sua visão de mundo, somos mais afortunados em relação a épocas mais recentes. Tomemos o caso de Minas Gerais: desde o anúncio do primeiro ouro, em fins do século XVII, a multidão que acorreu à região central do nosso estado imaginava que os grânulos que se encontravam em abundância à flor da terra durariam para sempre: “enquanto o mundo durar, se não poderão extinguir as minas”, vaticinava D. Rodrigo da Costa, governador-geral da colônia, em 1706. A ilusão o cegava.

Nos séculos XVIII e XIX mesma ilusão se apoderava daqueles que, ao vislumbrarem a imensidão sem-fim das florestas litorâneas do Brasil, a consideravam interminável. Já no século XX, o mesmo se daria com a floresta amazônica. Desta vez seu tamanho descomunal não apenas cegava: apequenados diante dela seus desbravadores ainda a tratam como se fosse um inimigo infinito.

Até mesmo nós, exploradores de cavernas, somos tomados pela expectativa da fronteira infinita quando nos deparamos com um carste inexplorado. As descobertas, que inicialmente se sucedem em ritmo frenético, dão-nos a impressão de que anos a fio de prospecção não darão conta de todas. Ainda hoje, quando quase todas as províncias espeleológicas foram bastante exploradas, é comum ouvir alguém dizer que “apenas 10 a 20% das cavernas (mesmo as grandes) foram descobertas”. O caso do petróleo também é emblemático. A fronteira, como o universo, parece não ter fim.

O homem tem a tendência a sobrevalorizar eventos recentes ao antecipar possibilidades futuras, o que o torna mais sintonizado ao mundo. Ficamos prontos a agir de acordo com o feedback estatístico que o ambiente nos fornece, e isso parece fazer certo sentido do ponto de vista sociobiológico, evolutivo. Suspeito, contudo, que em se tratando de amostras iniciais particularmente abundantes, como nos casos acima descritos, esse mecanismo não funcione tão bem. Um tipo de imprinting cognitivo perece manter em nós a ilusão de que a abundância permanecerá no tempo, a despeito dos sinais estatísticos que novas situações nos anunciem. Tendemos assim a considerar que o que é abundante num primeiro momento permanecerá assim por um longo tempo. Ao contrário, aquilo que nos parece inicialmente raro continuará raro nos momentos seguintes. E isso parece ser particularmente válido para entidades tais como florestas, cavernas, petróleo e outros recursos naturais, cuja impressão de abundância inicial não se desfaz até que a descoberta/ produção entre em colapso. Por vezes a ilusão se estende ao último minuto, e mecanismos culturais podem favorecer a sua sobrevida mesmo através de gerações.

Do ponto de vista metafísico, a ilusão do sem-fim parece, de alguma forma, compensar a nossa própria finitude, trazendo-nos um certo alívio espiritual. Não é a isso, afinal, que as grandes religiões se propõem? O imenso e desbravado território do misterioso nos apequena a carne enquanto engrandece a nossa alma. Se isso não nos basta, ao menos nos consola.

domingo, 1 de maio de 2011

Dourando a pílula: como proteger seu dinheiro contra a inflação, que virá.

O abandono do padrão ouro em 1971 liberou o Federal Reserve Bank, que controla a quantidade de dinheiro em circulação, de seu único empecilho em “fabricar” dinheiro. Desde então, o dinheiro em circulação nos Estados Unidos teve como lastro apenas os produtos que o dinheiro comprava e a confiança no tesouro, expressa na disposição do público e do mundo em comprar seus títulos. Esse lastro não era dourado mas era real. Hoje nem ele existe mais, uma vez que a economia americana passou, nos últimos anos, a viver uma ficção, uma utopia que já começa a despertar séria desconfiança.

Estando mergulhados em déficits (em contas correntes e orçamentário, sobretudo) os Estados Unidos, via Fed, escolheram diluir o valor desses ônus em dólar, diminuindo ainda os custos de programas sociais. Isso foi feito através da criação de moeda, o que desvalorizou o dólar, processo que segue em pleno curso. Naturalmente, isso levou a uma bolha especulativa cujos primeiros estertores já se fizeram sentir em 2007-8. A recuperação que se seguiu, levada a cabo por uma inundação ainda maior de dinheiro sem valor, será, como se verá, um voo de galinha nada sustentável.

Embora os ânimos estejam momentaneamente acalmados, nem todos estão iludidos e sabem que o resultado final disso tudo será a inflação, por ora apenas postergada através da exportação desses dólares em excesso para a Ásia, que, crescendo a taxas altíssimas, apenas sente cócegas. Milhares de investidores já estão desertando o que uma vez foi considerado um porto seguro, o dólar americano, e se voltando para o ouro e outras commodities, que têm valor intrínseco. Isso tem levado seus preços às alturas. A alta do preço do petróleo deve-se em parte também a esse movimento especulativo, mas a sua produção, que atingiu o pico, sendo incapaz de acompanhar a demanda mundial, cada vez mais explicará as altas futuras do barril.

(veja, neste blog: o fim do petróleo barato e suas consequências)

Vejamos o caso específico do ouro: seu preço (por onça) estava em U$ 600,00 no início de 2006. Apenas cinco anos depois, chega, no final de abril de 2011, a US1565,00. Uma senhora valorização de 160%. Só em abril de 2011 a valorização foi de 10%. Nada mau. Pra quem comprou. E você acha que já chegou a hora de sair do mercado? Não se afobe. Estima-se que o movimento ascendente esteja apenas começando. Afinal, apesar do Fed, o dólar caiu mas ainda não entrou em colapso, e a hiperinflação ainda não atingiu aquele país ou se alastrou pelo mundo.Quando isso acontecer, e não vai demorar, o ouro poderá facilmente chegar a U$5000,00 a onça, ou mais. Mas aí a própria onça não mais será cotada em dólares...

Minha dica é: quando a hiperinflação chegar, não deixe seu dinheiro nos bancos. Seu valor será perdido. Transforme-o em ativos reais. Os imóveis poderão ser uma saída; entretanto, com a recessão que virá de roldão, não se espera muito deles. O melhor será dourar, ou por que não, pratear a pílula.

Observação de 19.08.11: com as incertezas que pairam sobre as economias americana e da Zona do Euro, afetando a credibilidade de suas moedas, o preço do ouro continua subindo, beirando agora o limite psicológico de U$1900,00 a onça. Enquanto isso, as bolsas de valores seguem com grande volatilidade e em ritmo de queda, que deverá acentuar-se no médio prazo, assim que algumas economias centrais mostrarem sinais mais evidentes de insolvência e a inflação, fruto das tentativas desesperadas dos governos em transparecer normalidade via aumento da base monetária, começar a se fazer notar com maior vigor e com abrangência mundial.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Economia: Entre a Cruz e a Espada

O Ministério da Fazenda está entre a cruz e a espada. Enquanto a inflação (oficial) se aproxima do teto da meta fixada pelo Banco Central para 2011, de 6,5%, o dólar segue caindo, caindo, caindo... batendo nos R1,58. Ortodoxamente falando, bastaria ao Bacen aumentar a taxa de juros para conter as pressões inflacionárias. Isso deverá ocorrer, mas apenas fará aumentar a entrada de capitais no país, exacerbando a valorização do Real e prejudicando os setores exportadores, que estão no limite.

As conclusões são para quem as quiser notar: a âncora cambial, que manteve as pressões inflacionárias em rédea curta nos últimos anos, está mostrando sinais de exaustão; o mercado interno, que acomodou o excedente não exportado, idem. Tudo isso, e esta é a principal observação, graças ao excesso de liquidez promovido pelo Federal Reserve Bank, que inundou as plagas americanas e agora começa a exportar sua junk currency e seus problemas para o resto do mundo.

Bolhas, uma vez estouradas, não voltam a inflar. Se o excesso de liquidez foi primeiramente direcionado ao mercado imobiliário americano, que experimentou um crescimento-fantasma até cair na real, o dinheiro sem lastro ainda sendo injetado na economia americana simplesmente achará um modo de fluir para algum outro lugar. E esse lugar será o das commodities, metais preciosos e bens de consumo. Tudo isso traduz-se em uma coisa: inflação exportada, ou pior: estagflação.

Uma eventual substituição do dólar como reserva de valor e meio de troca internacional por uma cesta de moedas, como aventado pelos BRICS, apenas aceleraria o inevitável colapso da moeda americana. Forças políticas em (difícil) gestação apenas definirão de que modo se colocará o último prego no caixão: medidas fiscais eficazes politicamente impossíveis à parte, os juros americanos aumentarão para conter a depreciação do dólar, acabando por fazer ruir um mercado imobiliário já submerso em dívidas, e a economia em geral? Ou ficarão artificialmente contidos, levando o dólar às baixuras do inferno? Os resultados, de qualquer modo, não serão os melhores. E isso respingará pelo resto do mundo. Em Brasília, ficará cada vez mais difícil segurar o dólar e, ao mesmo tempo, a inflação. É esperar para ver.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Paternidade e os direitos do homem e da criança

Hoje li no jornal “O Estado de Minas” a história de “PC”, que se vê obrigado a pagar pensão judicial a uma moça de 36 anos com necessidades especiais, mesmo não sendo seu pai biológico, sob a tese de “paternidade socioafetiva”. De acordo com a reportagem, PC descobriu que a moça não era sua filha biológica só recentemente, através de um exame de DNA, já estando separado de sua ex-esposa há algum tempo e sem convívio com a moça há seis anos.

Não vou entrar no cerne jurídico desta questão específica, em que se entrelaçam de forma polêmica, até mesmo entre os juristas, os direitos de PC e os da moça. Estão fora da minha competência, mas parto do princípio de que uma afeição que não mais existe e que anteriormente fora imposta por meio de uma mentira se parece com uma prova plantada, portanto falsa. Caso típico de fraude de paternidade. Não obstante, lembro que existem outros aspectos pertinentes que devem ser considerados:

A antropologia nos ensina que a ligação biológica entre um homem e uma criança é o principal condicionante para o desenvolvimento de uma ligação afetiva tipo pai-filho, embora, como todo pai  de crianças, adotadas ou não, incluindo padrastos, bem sabe, a convivência seja imprescindível para fazer florescer e para fortalecer esse laço. Mas enquanto a maioria dos homens está disposta a amar seus filhos biológicos e adotivos, nem todos os homens estão predispostos a adotar uma criança. Significativo é o fato de que padrastos, cuja ligação com os enteados tem caráter mais fortuito, estatisticamente têm com eles maiores problemas de relacionamento do que outros homens experimentam com seus filhos biológicos ou adotivos.

O ponto a que quero chegar é o “movimento” que PC sugere: o de resguardar o direito do homem à escolha. O ideal de democracia, que engloba aspectos políticos, sociais e jurídicos, entre outros, a meu ver deve basear-se na verdade dos fatos. Fora dessa verdade, algum direito estará em perigo.  PC passou todos os anos acreditando que fosse o pai biológico da moça quando, se tivesse conhecimento da verdade, poderia ter escolhido, ou não, criar a menina como sua enteada, assumindo a condição de seu padrasto.

Numa época em que os direitos humanos, se não respeitados integralmente, ao menos são valorizados, os homens, por razões históricas muitas vezes associados à brutalidades contra as mulheres e ao abandono de crianças, elos certamente mais fracos da corrente familiar, ficaram desguarnecidos deste direito fundamental que é o de saber a verdade em questões de paternidade. Democracia envolve não só direitos mas deveres e, acima de tudo, responsabilização pelos próprios atos. Por parte do homem, mas também da mulher. Sem moralismos.

Mas não nos esqueçamos também de um direito das crianças raramente lembrado: baseando-nos sempre no princípio da verdade, considero direito de toda pessoa saber se o homem que aparece nos registros como seu pai tem ou não relação biológica com ela. Direito que naturalmente se estende ao neto de saber o mesmo de seu suposto avô, do bisneto quanto a seu suposto bisavô e aos milhares de supostos descendentes que serão iludidos ad eternum em toda a cadeia genealógica, a qual não passará de uma fraude. Nesses termos, as pessoas têm o direito de preferir não conhecer a verdade a serem induzidas a acreditar numa mentira, que é mais comum do que pensamos. Se a mulher tem a certeza da maternidade, o homem não pode ter tanta certeza: a genética de populações nos mostra que entre 4 a 10% das crianças não são filhas dos homens que tomam por seus pais. E número semelhante de homens não são pais dos filhos que tomam por seus.

Estas colocações certamente estarão começando a causar espanto em alguns leitores. Por que? Provavelmente porque se considera que o direito de uma criança a ter por perto um homem que a alimente, seja ele seu pai biológico ou não, deve prevalecer sobre os direitos de ambos de conhecer sua verdadeira relação biológica. Mas uma coisa não exclui a outra. Qualquer homem, dentro ou fora do casamento, pode assumir a paternidade de uma criança, resguardados os ditames da Lei Nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992, entre outras. Para isso bastaria mudar o termo “reconhecimento de paternidade” para algo do tipo “reconhecimento de paternidade socioafetiva”. Os registros de nascimento teriam assim um campo para pai biológico, onde se marcaria o nome de um homem após o teste de DNA (ou desconhecido, se assim fosse) e outro campo onde se assinalaria a condição de pai socioafetivo, que poderia corresponder ao pai biológico ou a um outro homem que, escolhendo esta responsabilidade sob condições bem definidas, responsabilizar-se-ia por “alimentar” a criança conforme a forma da lei.

Mas para isso caberia ao Estado garantir tais direitos ao homem, às crianças e às futuras gerações, arcando com os custos dos exames de DNA, que, embora ainda caros, vão se tornando cada vez mais baratos. No Brasil os testes ainda custam cerca de R$700,00, mas nos Estados Unidos já estão disponíveis exames por cerca de U$150,00. Naturalmente, convênios dos governos com laboratórios para fazer exames em larga escala fariam os preços caírem até níveis razoáveis. Para barrar excessos, o Estado pagaria um teste por criança, cabendo à mãe indicar o suposto pai. Nuances teriam que ser avaliadas caso a caso e previstas em lei. De qualquer forma, se poderia começar por realizar testes-piloto sob requisição paterna e em determinados estados antes de eles se tornarem obrigatórios em todo o território nacional.

Obrigatórios? As pessoas certamente ficarão divididas, e isso é bom para alimentar a discussão. Os adversários dessa ideia, que incluirão muitas mulheres e casais fiéis que se considerariam ofendidos, dirão que existem outras prioridades para um país pobre como o nosso e que nossa realidade social não permitiria tal “extravagância”, ou que é um direito dos pais esconder a verdade das crianças, sob a alegação de que o amor justifica tudo. Dirão ainda que o Estado não deve intrometer-se em assuntos de foro íntimo das mulheres (ooops, famílias). Ou dirão que existem várias outras questões legais envolvidas (todas anteriores à existência de testes de DNA). E como ficarão os doadores anônimos de esperma?

A questão não é moral: a fraude de paternidade é uma injustiça social que, com o advento dos testes de DNA, pode num futuro próximo começar a ser retificada. Mas no final das contas as prioridades são definidas politicamente. Coloco estas idéias aqui mais para fazer pensar, pois infelizmente receio que nossa sociedade não esteja ainda madura o suficiente para considerar mudança tão brusca no status quo. Em alguns lugares do mundo o teste de paternidade é obrigatório nos casos de mães solteiras; em outros, até no caso de mães recentemente casadas.Talvez simplesmente no Brasil não estejamos prontos a considerar a igualdade entre os sexos no quesito da paternidade e a perceber o direito das crianças de saber pelo menos quem seus pais não são como uma conquista social irrevogável. Com ou sem tudo isso resta uma certeza: o amor paternal nunca dependeu e nunca será condicionado pela paternidade biológica.

Imediatistas acima e abaixo do Equador: quando governos se curvam ao consumidor

O grau de confiança nos Estados Unidos caiu. A agência de classificação de risco Standard & Poor’s  rebaixou de “estável” para “negativa” a perspectiva da dívida soberana dos Estados Unidos devido a seu déficit orçamentário, na casa dos trilhões, elevado endividamento, e à falta de implementação de políticas que possam reverter o quadro. Já se fala mais abertamente do risco de o país não conseguir pagar sua dívida.

A inflação americana ainda não saiu de controle porque o excesso de liquidez injetado pelo Fed na tentativa meio frustrada de aquecer a economia permanece retido nos bancos. Quando esse dinheiro for liberado no sistema financeiro, não dá pra dizer exatamente o que acontecerá, mas certamente a inflação não continuará comportada.

O próprio presidente Obama, em sua recente peregrinação pelos Estados Unidos propagandeando seu plano de redução do déficit (de dificílima costura: veja minha nota sobre o assunto), declarou que as finanças americanas estão em níveis “insustentáveis”. E isso vem desde tempos mais republicanos, em que as verdinhas foram gastas (ou melhor, fabricadas) com toda a liberalidade.

Tudo isso causado por uma economia que funciona na premissa equivocada de que o crescimento econômico pode ser promovido de forma sustentável no longo prazo emprestando dinheiro às pessoas para que gastem no consumo (diga-se de passagem, o governo brasileiro atual, de viés desenvolvimentista, está caindo na mesma armadilha). Acontece que o verdadeiro crescimento sustentável só é possível quando se promove a poupança interna e a postergação do consumo, que permitem a queda da taxa de juros e o financiamento dos investimentos formadores de capital. E nada disso vem acontecendo, nem acima nem abaixo do Equador. Estamos todos endividados.

Uma das raízes dessas mazelas reside em que o governo está ficando cada vez maior e mais caro e o pacato cidadão, que tem que financiá-lo, resiste quanto pode à queda do seu padrão de vida que os impostos mais altos lhe impõem. Em primeiro lugar, sangra sua poupança; depois inicia um círculo vicioso de endividamento. Isso dá uma falsa sensação de segurança até que a inflação (que é uma forma de taxação da classe média e dos mais pobres por uma sociedade nada anônima entre o governo e os mais ricos) faça todos caírem na real e a maioria ficar mais pobre.

Tomar emprestado para produzir é como os países pobres ficam ricos; tomar emprestado para consumir é como os países ricos ficam pobres. Neste momento em que o velho dilema emprego x inflação parece se impor de forma mais acentuada à nossa presidente, este conselho assume maior relevância. Estamos todos felizes: com o primeiro carro, com as férias baratas de avião, com as compras em Nova Iorque: até quando?

O primeiro problema é que os governantes querem agradar a seus eleitores nos quatro ou cinco anos de seus mandatos. Enquanto isso vão alongando os pavios para que a bomba estoure o mais adiante possível. O segundo, terceiro e quarto problemas é que os eleitores (e também a mídia) são imediatistas, não entendem de macroeconomia e, não discernindo tendências, acham que o futuro pertence exclusivamente aos adivinhos: um casamento perfeitamente democrático – e explosivo.