O PT saqueia o país há mais de
uma década. E o saque não é apenas econômico, mas de natureza muito pior: trata-se de um saque
ético. Esta é a conclusão a que se chega ao final do livro do
historiador Marco Antonio Villa, para quem o partido legou-nos dez anos de
atraso. Nenhum partido, no Brasil, está livre de críticas e de denúncias de corrupção. Mas em "Década Perdida- 10 anos de PT no Poder (Editora Record)" o autor trata com grande lucidez daquilo que nós, amantes da liberdade, temos visto acontecer cada vez mais, desde 2002: a extirpação da ética na vida publica e a gradual consolidação de um sistema de
vale-tudo em que o partido da estrela e seus inúmeros aliados de ocasião se
valem do aparelhamento do Estado e da cooptação espúria para dominar o cidadão
e auferir benesses pessoais.
Lula deu novo sentido histórico
às velhas oligarquias estaduais, acobertou casos de corrupção, transformou o PT
em simples correia de transmissão de sua vontade pessoal, infantilizou a
política e privatizou o Estado em proveito do grande capital e seus aliados. O
ideal de homens públicos desapareceu e foi substituído pela triste realidade da
aceitação quase universal e inconteste de políticos profissionais sem qualquer
compromisso ideológico. Se políticos, de uma maneira geral, nunca foram bentos,
a República petista transformou a sociedade em um ente invertebrado, amorfo,
passivo e sem capacidade de reação.
Tudo isso em um clima que beira o
de caça às bruxas, que transformou adversários políticos em inimigos do Brasil,
para o mal da democracia e do nosso futuro e o dos nossos filhos. Villa, como muitos de
nós, está farto disso.
Abaixo faço a minha interpretação
do seu excelente texto, pincelada aqui e ali com observações pessoais minhas,
fruto da indignação que nasce da constatação de que o PT e o lulismo, com todos
os (des)valores que representam, são filhos dos seus eleitores, bem ou mal
intencionados, mais ou menos instruídos em matéria política. A minha
indignação, portanto, se dirige também aos eleitores inveterados do PT.
LULA, O GRANDE IRMÃO
Lula ficou em estado de êxtase
com a sua eleição. Misturando o ufanismo tupiniquim-retrô ao revisonismo
histórico de Josef Stalin em seu discurso de posse, dava início a uma catarse
coletiva, quase religiosa, cheia de ímpetos de emoção, digna dos regimes
totalitários em seus primeiros dias. Na festa de posse (paga por Marcos
Valério), em meio às delegações estrangeiras, Lula não economizava em
auto-elogios, o que deve ter arrancado alguns sorrisos indulgentes dos
representantes mais sérios ali presentes. Com Lula, acreditavam os ingênuos,
tudo mudaria. Foi como se D. Sebastião repentinamente tivesse deixado sua tumba
quinhentista de Alcácer-Quibir para finalmente retornar, transfigurando-se na
figura barbuda de um novo salvador da pátria. Ou talvez transformação melhor
fosse aquela que desejou Frei Betto, digno defensor da ditadura cubana e do
militarismo de esquerda: " que todos
fossem filhos, na vida pessoal e profissional, do casamento de Ernesto
Che Guevara com Santa Teresa - a escolher - de Ávila ou Calcutá". Mas Frei
Betto não pararia por aí. Logo estava comparando D. Lindu, a falecida mãe de
Lula, a Maria, e o novo presidente ao Messias. Lula transformava-se, portanto,
no imaginário popular, em um misto de D. Sebastião, Che Guevera e Cristo! Uma
mistura explosiva... e conveniente. O estilo personalista de governar seria a
marca registrada de todo o período Lula.
Já nos primeiros dias de seu
governo, Lula parecia mais um bode cuidando da horta pública. Vários de seus
ministros trataram de administrar suas pastas em benefício próprio e de seus
aliados. Em um ímpeto de zelo sem propósito, outros (José Graziano, Cristóvão
Buarque) resolveram convocar o exército para a luta cotidiana contra a fome e o
analfabetismo. Só se esqueceram de verificar se a Lei permitia isso.
No Campo externo, hábil político
que era, soube adicionar à sua figura
uma outra estrela: a de um pragmático presidente da terceira via, coisa conveniente
naquele momento. Esse ar pragmático era necessário para acalmar os justificados
temores do empresariado e da classe média com relação à agenda de Lula. O
presidente, apesar de seu conhecido discurso, no final das contas tinha os pés
no chão (?)
Também no campo da economia Lula soube equacionar dois mais dois, tratando de manter os fundamentos econômicos firmes que seu antecessor, FHC, lhe havia legado, e a estabilidade econômico-financeira. O cenário externo ajudou - e muito. As exportações e as reservas internacionais aumentaram, devido sobretudo ao importante papel representado pelo mercado chinês. Finalmente, em sua "Carta ao Povo Brasileiro", Lula passou seguramente a impressão, pelo menos aos crentes, de que perseguiria uma agenda de centro.
Também no campo da economia Lula soube equacionar dois mais dois, tratando de manter os fundamentos econômicos firmes que seu antecessor, FHC, lhe havia legado, e a estabilidade econômico-financeira. O cenário externo ajudou - e muito. As exportações e as reservas internacionais aumentaram, devido sobretudo ao importante papel representado pelo mercado chinês. Finalmente, em sua "Carta ao Povo Brasileiro", Lula passou seguramente a impressão, pelo menos aos crentes, de que perseguiria uma agenda de centro.
Mas as coisas não seriam tão simples assim. As
bases, tanto as vermelhas quanto as sem cor alguma, estavam inquietas. Ao
contrário do que se esperava dele, Lula manteve - e aprimorou - o tradicional
"é dando que se recebe". As raposas velhas (leia-se, principalmente, PMDB) ficaram satisfeitas com o velho bode. O fisiologismo voltava com força
total. Os petistas começavam a saborear os mesmos privilégios que
"combateram" durante décadas. Os principais líderes engordaram e
adquiriram mulheres mais novas; e, para fazer jus a seu novo status, trocaram a
cerveja e a cachaça pelos mais caros vinhos que pudessem encontrar nas cartas
dos melhores restaurantes de Brasília.
ÁVIDAS SANGUESSUGAS
A manutenção da política
econômica de Fernando Henrique Cardoso acalmou muitos ânimos. Foi um golpe de
mestre. Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, escreveu: " O que
deu certo no governo, nos primeiros cem dias, foi o que não mudou". Mas o
programa de reformas (Previdência, Tributária etc) não deslanchou. As bases
mais radicais do PT não deixariam.
Enquanto isso, Lula caía nas
graças do povo. Seu evidente carisma e a "simplicidade" que conferia
a seus inúmeros discursos o tornavam bem visto. Não é que o povo brasileiro
gosta mais de quem é "gente boa" do que de quem é "gente honesta"? Enquanto vários ministros mostravam desempenho decepcionante, um
em particular sobressaía: o da Casa Civil, José Dirceu, que, pelo Decreto 4734,
de 11 de junho de 2003, adquiria poderes de primeiro-ministro. Dirceu transformar-se-ia
na principal sanguessuga do governo.
Mas não era o único. A sede de
sangue era grande. O MST, cujo principal objetivo não é a reforma agrária, mas
o controle dos miseráveis e analfabetos do campo para fins
políticos-partidários, logo entraria com mais força do que nunca no páreo. O PT
precisava - e ainda precisa - dessa sanguessuga. FHC assentou mais gente do que
Lula. João Pedro Stedile que o diga.
Começava a temporada de saque ao
tesouro, de roubo aos contribuintes. Era como se o PT entendesse que, em vez de socializar os
meios de produção, a socialização seria do Tesouro, numa versão macunaímica do
socialismo marxista. e socializar significava, para os lapelas-estreladas,
distribuir para os amigos. Todos participaram da pilhagem, mas as raposas do
PMDB, não satisfeitas, queriam mais. Depois de um pouco de charme jogado fora,
acabariam entrando, oficialmente, no governo. Naturalmente, a negociação levara
em consideração os ministérios que mobilizavam maiores volumes de recursos.
Sarney, dono do Maranhão e ícone das oligarquias retrógradas dos rincões do
Brasil, seria a mais poderosa raposa.
ESCÂNDALOS, ESCÂNDALOS, ESCÂNDALOS. CALMA, É TUDO NORMAL
Os escândalos, a partir daí, se
sucederiam: compra do aerolula; viagem
particular de Benedita da Silva a Buenos Aires com tudo pago pelo erário;
Waldomiro Diniz, assessor de José Dirceu; Celso Daniel; Antônio Palocci; expulsão
do jornalista Larry Rother; Operação Vampiro, Correios; Furnas, Infraero,
Bingos, Aloprados. Todos esses escândalos, que se sucediam em velocidade
assustadora, deixavam claro o fisiologismo petista e as amplas redes de
corrupção que se consolidavam. Pior, a maneira antidemocrática e nada transparente
de sua condução deixava claro o latente
autoritarismo, que adquiria contornos bem claros.
Mas a fogueira das vaidades não
queimava ninguém, muito menos Lula e Sarney, eternamente blindados. Lula, ao
contrário, dava sempre um jeito de auferir dividendos políticos de situações sobre
as quais, garantia, nada sabia. Até que estourou o pior escândalo de todos: o
do Mensalão. Só então Lula se viu obrigado a
por suas barbas de molho.
O Mensalão não foi simplesmente - o que já seria grave -
um esquema de financiamento eleitoral
com recursos não contabilizados. Comprovava-se, em juízo, que se tratava de
desvio de dinheiro público com o objetivo de
instrumentalizar financeiramente - para fins políticos - o PT e suas
principais lideranças, garantindo apoio parlamentar através de uma mesada - um mensalão - para os deputados da base. Todas
as evidências e testemunhos deixavam claro que Lula, no mínimo, tinha ciência
do mensalão mas não tomara qualquer providência saneadora.
Os líderes da oposição não responderam com a coragem que
lhes cabia, restringindo-se a pedir "moderação". Sem coragem de
partir para o devido enfrentamento, Aécio Neves falou que Lula tinha uma
biografia respeitável e que "não era Collor". Nunca foi a mesma a
moderação dos petistas ou a sua preocupação com a biografia de FHC... Aliás o
próprio FHC cometeu o erro crasso de se posicionar contra qualquer proposta de
impeachment de Lula, o que terá um enorme custo histórico. O Senador Arthur
Virgílio teve melhor posicionamento em um discurso: "Na melhor das
hipóteses, Sr. Lula, o senhor é um idiota! Na pior, o senhor é um
corrupto!". E explicaria que idiota era elogio, pois se "chamar de
corrupto, teria de pedir o impeachment". Apesar disso, a oposição
acreditava na estratégia - que se provaria errônea - de lento desgaste do
governo.
Lula fez de tudo para
desmobilizar a CPMI que se afigurava no Congresso, obrigando deputados a
retirar seus nomes da petição. O PT chegaria a ameaçar seus parlamentares
dissidentes com a retirada do direito de concorrer às eleições de 2006. Dentro
da tradição de cooptação do Congresso, o Planalto prometeu liberar R$400
milhões em emendas para os
parlamentares. Tratou ainda de bradar aos quatro ventos que uma CPI
traria turbulências à economia e que a intenção dos seus delatores nada mais era
do que criar uma cortina de fumaça para encobrir o golpe que a
"direita" estaria organizando. De modo forçado, alguns comparavam
aquela situação à de pré-64.
Ardilosamente, Lula desviava o
foco da questão central - a corrupção - para um suposto fracasso do país e a
uma perseguição ideológica. Dentro da tradição autoritária nacional, associava
seu governo ao próprio Brasil, de modo que uma crítica à administração federal
seria ato antipatriótico. Dava início a uma nova versão autoritária do
"Brasil: ame-o ou deixe-o", ou, traduzindo: " Lula: apoie-o ou
você é inimigo do Brasil". Procurava, assim, encobrir suas próprias culpas.
"POBRES" PETISTAS
Enquanto isso, em meio a novos
escândalos, denúncias de malversação do dinheiro público e operações da Polícia
Federal, envolvendo nomes ligados ao PT e mesmo filhos de Lula, o choro petista
tornou-se universal. Delúbio Soares choraria três vezes ao defender-se das
acusações; José Genoíno chorou no programa Roda Viva; Eduardo Suplicy chorou ao
dizer que assinaria o requerimento, mas voltou atrás - puro jogo de cena. Enquanto
isso, Lula invertia sua posição na questão, dando sempre um jeito de passar de
denunciado de corrupção a denunciador de mazelas. Enquanto o caso do mensalão
avolumava-se e atormentava o seu partido, Lula blindava-se e fazia de tudo para
deslocar o eixo de debate político para o das questões econômicas, onde a
oposição teria menos o que falar.
Mas, mesmo nesse eixo, algumas
vozes dissonantes internas se faziam
ouvir. Uma delas era a de Dilma Rousseff, que clamava por mudanças nos rumos em
direção a uma maior envolvimento do Estado nas questões econômicas. Defensora
intransigente do desenvolvimentismo, Dilma bombardeava a política econômica
ortodoxa de Palocci, identificando a Fazenda como um obstáculo para a
aceleração da economia. Aliás, para variar, Palocci logo estaria envolvido em
mais um escândalo, quando o caseiro Francenildo Costa relatou que o ministro
frequentava a mansão do Lago Sul, onde aconteciam reuniões regadas a malas de
dinheiro e garotas de programa. Contra todas as evidências, claríssimas, Lula o
defendia: " Eu devo muito de tudo que fizemos a um homem chamado Antonio
Palocci. Não é economista, é médico, por isso ele ganhou." Em seguida,
Palocci envolveu-se na quebra do sigilo bancário do caseiro denunciante,
juntamente com o presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, e só com
os desdobramentos da questão é que finalmente caiu.
REELEIÇÃO A TODO CUSTO: TODO MUNDO É COMPRADO
Em meio às inúmeras denúncias de
malversação do dinheiro público e de corrupção política, membros do governo e,
principalmente, Lula, tratavam de desmentir o ocorrido. Ainda que as
evidências, e mesmo provas, se acumulassem. Por mais que Lula procurasse
blindar seu governo, sua situação ficava mais difícil à medida que se
aproximavam as eleições de 2006. Foi então que começaram a surgir denúncias de
uso político de facções criminosas e movimentos criminoides. Em maio daquele
ano, o Primeiro Comando da Capital (PCC)
realizou uma grande quantidade de ataques em São Paulo, estado governado
pelo PSDB, com 300 atentados, 82 rebeliões em presídios e mais de 130 mortos
trinta dos quais policiais. Em junho, uma horda do Movimento de Libertação dos
Sem Terra, liderados pelo petista Bruno Maranhão, invadiu e depredou as
instalações da Câmara dos Deputados. Qualquer semelhança com o que acontece em
2013-2014 não será mera semelhança.
Mas Lula queria reeleger-se a
todo custo. Começou então a temporada de alianças espúrias e cooptações. Associou-se
aos políticos mais retrógrados e corruptos do país, emprestando novo sentido e
legitimidade às antigas e carcomidas oligarquias que um dia execrara: os
coronéis do norte e nordeste e as raposas do centro-oeste, sul e sudeste.
Garantiu o apoio do grande empresariado e da burguesia de rapina, fortalecendo
o brasileiríssimo "capitalismo de laços" e adotando uma política de
associação e financiamento através dos bancos públicos e das empresas estatais;
dominou os fundos de pensão controlados pelo governo e investiu na base da
pirâmide social, saciada pelo Bolsa Família e outras iniciativas
assistencialistas. Neste caso, milhões de famílias passaram a receber
benefícios permanentes, pois os programas, na prática, só têm porta de entrada.
Lula dominou as centrais
sindicais, os movimento sociais e os "desorganizados"; cooptou um
sem-número de ONGs fajutas, que chafurdaram no dinheiro público; com seu
discurso fácil, superficial e politicamente correto, atraiu (porque não dizer
aprisionou?) uma horda de jornalistas chapa-branca, intelectuais, pseudo-intelectuais e artistas, interessados em tornar-se
celebridades agraciadas por verbas fáceis do Ministério da Cultura. Alguns
desses artistas não esconderam sua essência: Paulo Betti, manifestando apoio ao
presidente, disse que não era possível fazer política "sem por a mão na
merda". O músico Wagner Tiso, por sua vez, falou que "não estava
preocupado com a ética do PT". Até uma parte da classe média "boazinha" e com sentimentos de culpa aderiu ao discurso fácil de Lula e seus aliados. Poucas foram os que ousaram posicionar-se
contra essa onda, essa corrente avassaladora de aniquilação das consciências.
Lobão foi um deles (veja o post cave ab homine unius libri: Manifesto do Nada na Terra do Nunca, neste blog)
Embora o petismo estivesse, em
tese, sepultado desde os escândalos em que se envolveu e na lama em que se atolou desde 2003, anunciava-se um novo tempo: se na Venezuela havia o chavismo, no Brasil
nascia o lulismo. E o lulismo, como o chavismo, precisava de pessoas e
instituições regiamente financiados por estatais para louvá-lo diuturnamente e,
mais especialmente, exaltar o seu guia genial, Luiz Inácio Lula da Silva.
O legislativo não fugiu à regra.
Domado, foi transformado em correia de transmissão dos interesses do governo
recebendo, é claro, o devido pagamento. Igualada a inimiga do povo, a oposição esvaziou-se. Os partidos perderam qualquer
caráter ideológico que lhes restasse. Lula, entrementes, continuava a fazer
política e a usar e abusar de suas metáforas recheadas de ironia e vazias de
conteúdo, de seus clichês fáceis. Lula apequenou o Brasil.
Apesar disso tudo, ou melhor, estando
no Brasil: devido a isso tudo, Lula obteve a sua reeleição, em 2006. Passou
então a sentir-se o todo poderoso, o verdadeiro e único dono do PT e, porque
não dizer, do Brasil. O partido logo transformou-se em mero apêndice das
vontades de Lula e o país, vítima de suas ambições pessoais.
TRISTES TRÓPICOS
Depois que ministros de Lula
compareceram ao reveillon patrocinado pela Coca-Cola vestidos de preto e
vermelho, a cerimônia de posse foi sem graça. Gilberto Gil beijou a mão do novo
deus, mas estava evidente o desinteresse popular. Em breve, no Congresso, Lula
daria mais uma vez vazão a seu autocentrismo piegas e sentimentaloide:
"Pela primeira vez, um homem nascido na pobreza, que teve que derrotar o
risco de morte na infância e vencer, depois, a desesperança na idade adulta,
chegava, pela disputa democrática, ao mais alto posto da República".
Pergunto-me se Lula vislumbraria outro meio de chegar ao poder senão pela
"disputa democrática". Em breve, em seu novo mandato, ficaria patente
o abandono do figurino Lula "paz e amor" pelo de "Lula, ame-o
ou deixe-o" do regime militar (a propósito, quantas semelhanças entre Lula
e os militares!)
Tendo cooptado e comprado vastos
setores da sociedade e da intelectualidade, trazidos convenientemente para o seu
lado e para a sua tutela, Lula partiria agora para o enfrentamento e aniquilamento
da oposição. A cada dia eram revelados novos detalhes do uso da máquina de
Estado para tentar coagir seus adversários. Quem estivesse com ele receberia as
benesses do poder. Quem tomasse posição contrária seria esmagado, considerado
inimigo do povo e do Brasil. Cada vez mais o Brasil de Lula se parecia com as
repúblicas bolivarianas da América Latina. Não é à toa que, entre 2003 e 2006,
consolidou-se uma "aristocracia sindical" dependente da transferência
de milhões por parte da corte palaciana e servil aos seus interesses.
AMIGO DE DITADORES
Lula sempre procurou alinhar-se
com regimes retrógrados e antidemocráticos.
Com a eclosão do escândalo do mensalão, recebeu, é claro, apoio dos
aliados ideológicos. Em um evento em São Paulo que reunia as esquerdas
latino-americanas, o representante dos
sandinistas nicaraguenses, por exemplo, afirmou que tudo não passava de
"uma campanha de denúncias para desestabilizar o governo Lula e sua luta
contra a fome e em defesa dos grupos menos favorecidos". Na mesma linha
foi o delegado equatoriano: "Todas as vezes que uma força democrática
progressista é eleita, os reacionários arremetem com violência. Isso é o que
está ocorrendo no Brasil". A declaração mais bizarra, porém caberia ao
representante argentino: Lula está sendo atacado por forças imperialistas
europeias e americanas". O alinhamento - praticamente isolado - com o
regime autoritário do Irã não seria, portanto, nenhuma surpresa. Evo Morales
aumentou o preço do gás e Lula aceitou sem negociar. Evo Morales ocupou
refinarias da Petrobrás e as estatizou, ou melhor, as "comprou"
militarmente. Lula, mais uma vez, achou perfeitamente natural. Sua proximidade
ideológica com o regime de Morales falava mais alto do que qualquer interesse
nacional. Ao mesmo tempo, jogou R$ 8 bilhões fora na arremetida insensata e inacabada da
transposição do São Francisco. Com propinas e tudo.
A aproximação com o regime
decrépito e ditatorial de Cuba chegou ao paroxismo na era Lula. Em meio a troca
de afagos com o ditador cubano, em suas várias visitas à ilha, Lula mostraria total insensibilidade
com relação à morte, em uma greve de fome, de Orlando Zapata, a qual ironizou.
A repatriação forçada de dois boxeadores cubanos, Guilhermo Rigondeaux e
Erislandy Lara, que vieram participar dos jogos Pan-Americanos no Rio de
Janeiro, causaram grande escândalo. O governo os deteve e enviou para Cuba em
avião venezuelano especialmente cedido
por Hugo Chávez. Lula: o capitão do mato de século XXI. (qualquer semelhança
com o que acontece no Programa "Mais Médicos" não é mera
coincidência).
O Brasil foi o único país, além da Turquia, a votar contra as sanções ao Irã pelo programa
nuclear. No caso de Sakineh Ashtiani, a iraniana condenada a 99 chibatadas e à
morte por lapidação, acusada de adultério, Lula limitou-se a dizer que as leis
dos países deveriam ser respeitadas. Para Lula, os Direitos Humanos não são
universais, mas culturalmente determinados. É um relativista de conveniência. Prova cabal
disso é que Lula sempre manteve absoluto desprezo por todos aqueles que lutam
contra as ditaduras que apoia. Para Lula, os comunistas e a maior parte dos
petistas, existem ditaduras legítimas.
AMIGO DOS CORONEIS
Em vez de aproveitar a força
decorrente da reeleição para compor um governo que combatesse a corrupção e se
afastasse de uma base de apoio fisiológica, Lula agiria justamente em sentido
contrário, atirando-se nos braços do que havia de mais retrógrado, corrupto e
fisiológico na política brasileira. A família Gomes, liderada por Ciro, recebeu
um ministério recém criado; Fernando Collor foi recebido com efusivos abraços
por Lula em meio a elogios mútuos. E a cota
do PMDB saltava de dois para cinco ministérios.
Já dando pistas de sua intenção
de controlar a imprensa, designou Franklin Martins para a Secretaria de
Comunicação Social. O jornalista tem uma longa carreira política, iniciada no
MR-8, e foi um dos participantes do sequestro do embaixador americano Charles
Elbrick. Não demoraria, de fato, para que se incrementasse uma política
governamental, já em curso, de apoio à
imprensa chapa-branca, a sites da internet e a blogs de exaltação ao PT.
Aos
críticos do lulismo transmutados de adversários em inimigos, reservou-se o
epíteto de "imprensa golpista". Lula não tardaria a dizer, do alto de
seu pedestal (i)moral, que "ninguém neste país tem mais autoridade moral e
ética do que o nosso partido". Para o bom entendedor, disse tudo. Mas
medrosa, incapaz e oportunista, a oposição assistia a tudo e nada fazia. De
forma nada surpreendente, muitos dos oposicionistas eleitos em 2006 acabariam
mudando de partido para, seduzidos pelas benesses oferecidas pelo Planalto,
incrementar a base governamental.
AMIGO DE SI PRÓPRIO
Lula era um fenômeno de
marketing. E com isso o lulismo monopolizou o cenário político do país. Mas os
programas do governo na área econômica não deslanchavam. Foi graças ao bom
cenário econômico de um planeta que crescia muito mais que o Brasil que o país
pelo menos crescia. Nada como um bom pano de fundo. Entretanto, para conferir
algum aspecto de planejamento às atividades do governo lançava-se o PAC -
Programa de Aceleração do Crescimento, sob a batuta da desenvolvimentista Dilma
Rousseff. Nunca foi pra frente, mas como jogada de marketing deu muito certo.
A classe média foi contemplada,
ou melhor: calada. O real, valorizado devido à entrada de grande volume de
dólares, além dos investimentos diretos e especulativos atraídos por juros
altos, deu origem à chamada "Bolsa Miami", que possibilitou à classe
média satisfazer seus apetites consumistas. Anestesiada, passou a ver com
melhores olhos o governo. Além disso, a queda do dólar permitiu ampliar as
importações e conter internamente eventuais aumentos de preço. Desonerações
fiscais pontuais e escolhidas e dedo tornou uma série de produtos mais baratos,
estimulando artificial e temporariamente a economia, pois a taxa de
investimentos não aumentou. Não importava. Todos ficavam felizes com a festa
consumista, e Lula e seus aliados mais ainda.
AMIGO DE CORRUPTOS
Novos escândalos e operações da
Polícia Federal não causaram nenhuma comoção maior. Normal. Venda de sentenças,
pagamento de propinas a congressistas, máfia dos caça-níqueis e Vavá, irmão de
Lula; Mendes Junior pagando pensão para Renan Calheiros. Normal. A Polícia
Federal investigando tudo, conforme Lula Mandava para se sair bem na foto. Mas
nada acontecia. Ninguém era preso. Normal.
A partidarização da máquina
estatal avançava. Agora era a vez das agência reguladoras. a ANAC, sob cuja
tutela estavam os péssimos aeroportos, era criticada por todos, menos pela
ministra do Turismo, a sexóloga Marta Suplicy, que encontrou a solução para o
problema: "relaxa e goza, que você esquece todos os problemas depois".
A excitação lulista atingiu tamanhas proporções que logo se aventaria a possibilidade de um terceiro mandato para o presidente. No melhor estilo chavista, apareceu quem defendesse um plebiscito nacional para decidir a questão. O deputado Devanir Ribeiro, do PT de São Paulo, achava natural transferir uma prerrogativa do Congresso para o Executivo. Achava ainda que o Presidente poderia fazer consultas plebiscitárias para decidir um sem-número de questões de interesse do partido. Felizmente a ideia não vingou, mas não impediu que o Itamaraty, em um acesso de magalomania que fugia à sua longa tradição, desse refúgio em sua embaixada em Tegucigalpa ao presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, que tantara organizar um plebiscito inconstitucional para garantir novo mandato. O Itamaraty, nesse enorme vexame, supunha que afrontava o "imperialismo americano" quando na verdade servia de marionete aos interesses de Hugo Chávez.
MEGALOMANIA LULISTA
O Itamaraty tinha algumas razões
para seguir os ditames de Lula. Ao longo de seus dois governos, 68 novas
embaixadas e consulados foram criados, alguns em locais onde os interesses
comerciais do Brasil são, e continuarão a ser, desprezíveis. Mas quando a Petrobrás anunciou a
descoberta do maior campo de Petróleo no país, os lulistas ficaram em estado de
graça. O campo de Tupi (que mais tarde seria renomeado Lula para homenagear o
presidente), serviu bem à propaganda oficial. O Brasil passaria a ser um grande
exportador de petróleo, e o Brasil não demoraria a compor o grupo todo poderoso
dos países exportadores de petróleo (OPEP). A máquina da propaganda petista só
parecia esquecer-se de que o petróleo está a sete quilômetros de profundidade e
a trezentos quilômetros da costa. Sua exploração comercial atrela-se a uma
série de condicinantes técnicos e econômicos. Até hoje o país continua a
importar gasolina e outros derivados do petróleo. Megalomania típica, mas com
efeito prático: tratava-se de um ótimo instrumento de diversionismo político.
Enquanto isso, Edson Lobão, do
grupo de Sarney, e que nunca havia visto um barril de petróleo, foi nomeado
ministro das Minas e Energia. Era uma estratégia para amarrar as raposas com
vistas às eleições presidenciais de 2010. Como sempre, Lula pensava mais no
projeto de poder do PT - e o seu,
destacadamente - do que na administração pública.
O trem bala, daquelas ideias que
são ótimas quando implementadas com risco e dinheiro privado, e não público, passou a ser a
menina dos olhos de Lula, que disse: "Se a gente olhar, no mundo, todas as
grandes coisas, foram por gestos de ousadia, de coragem de gente que não teve o
medo de enfrentar o debate. Até a Torre Eiffel, que hoje é admirada por todo o
mundo, deve ter tido umas 5 mil ações populares." Conferindo à ministra
Dilma a "maternidade" da ideia, Lula violava a lei eleitoral. Mas não
se importava. O presidente tinha absoluta certeza da leniência da justiça. E,
se condenado, não se importaria em macular-se. Contando com a "vaquinha" dos amigos, pagaria a multa,
Mais escândalos: cartões corporativos, fraudes no programa
Segundo Tempo, do Ministério do Esporte, com desvios de recursos para políticos
do PCdoB; operação Satiagraha, com afastamento da cúpula da Abin e consequente
CPI dos grampos; dinheiro na cueca. Todas com parcos resultados concretos. E a
incompreensível recusa de Lula em extraditar o terrorista italiano Cesare
Battisti, envolvido em quatro assassinatos, somente deu sequência ao besteirol
tupiniquim lulista.
PODER A QUALQUER PREÇO
Antes que seus adversários
pudessem fazer o mesmo, impedidos pela legislação eleitoral, Lula lançou a
candidatura de Dilma Rousseff à presidência da República. A ministra o seguia
em todos os eventos públicos, posando de mãe do PAC, ou melhor, de uma mãe
durona, séria, firme e eficiente. Ou ainda melhor, de uma governanta búlgara
que iria colocar seus filhos brasileiros, e seus abusadores corruptos, em seu
devido lugar, sempre preocupada com o bem-estar dos pobres. Seus marqueteiros
eram profissionais.
Embora fosse apresentada como
Doutora Dilma, nunca fez doutorado
algum, e muito menos mestrado. Depois de ver seu negócio de mercadorias
de R$1,99 em Porto Alegre fracassar,
compareceu a uma certa reunião munida de um laptop e uma série de dados, o que
impressionou Lula. Virou ministra de Minas e Energia e quase nada fez em sua
pasta. Não dá pra deixar de especular que a figura anódina de Dilma caiu como
uma luva para Lula.
O projeto de poder do PT era de
longo prazo, e Dilma inseria-se nesse contexto. A esfera econômica
subordinava-se ao projeto político mais amplo, de modo que a falta de
planejamento se constituía em problema crônico dos governos do PT. A política
econômica trabalhava com o curto prazo, aproveitando os bons resultados das
exportações e da entrada de capitais estrangeiros. Mas era cega para o longo
prazo, ou seja, não se preocupava com a implementação das condições necessárias
para o investimento e o estímulo à poupança, fatores decisivos para o
crescimento continuado e autossustentável da economia. Não causaram surpresa,
portanto, os repetidos anúncios de medidas de estímulo ao consumo, que
satisfaziam o eleitorado apenas no curto e médio prazos. O salto de
desenvolvimento não se efetuou, e o Brasil continuamente cresceu menos do que os
demais países do bloco emergente. Ao mesmo tempo, as deficiências estruturais
do país ficaram expostas, constituindo-se em notório entrave ao crescimento
econômico.
Mas Lula deu um jeito de enquadrar
alguns responsáveis pelos entraves ao crescimento econômico: o seu bode
expiatório eram os ambientalistas, que o presidente sempre procurou
menosprezar, chamando de ecochatos. Ficou célebre a galhofa da perereca, em que
o Lula ridicularizou os estudos de impacto ambiental. Não é à toa que Marina
Silva teve que pedir demissão do governo e desligar-se do PT, após quase trinta
anos de militância.
A adulação do grande capital
prosseguia. Lula, desde sempre mas cada
vez mais, fortaleceu a chamada "tríplice aliança", tripé formado por
empresas estatais, nacionais e estrangeiras. O BNDES transformou-se numa grande
agência de transferência de recursos públicos para essas empresas, uma espécie
de benfeitor do grande capital às expensas do interesse público. Negócios
milionários, e às vezes bilionários eram fechados, enriquecendo muita gente -
como o banqueiro Daniel Dantas. Enquanto a agropecuária e o setor de serviços
sustentavam a economia, a desindustrialização do país seguia a passos largos e
o crescimento econômico definhava. A tendência neocolonial de crescimento da
parcela de commodities na pauta de
exportações ganhava corpo. Com a crise econômica mundial de 2008, o cenário
piorou e o desarranjo econômico acabou
sendo maior do que a mera "marola" propagandeada por Lula.
Como as poucas obras do PAC
andassem a passos lentos, Lula descobriu novo bode expiatório: o Tribunal de
Contas da União (TCU), que, após fiscalizar as obras em andamento, recomendara a
paralisação de quinze delas. Irritado, Lula propôs a criação de outra
instância, de nível superior e "tecnicamente inatacável", capaz de
superar eventuais impasses criados pelo tribunal. Magalomania autoritária. O
problema do PAC não era o TCU. Era a sua gestão, nas mãos incompetentes da
chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.
O APARELHAMENTO DO ESTADO
Para ganhar a eleição e continuar
no poder, o PT precisava de recursos. Dinheiro precisava ser distribuído às
bases, aos compadres. O aparelhamento do Estado prosseguia a passos firmes e o
tráfico de influência acentuou-se.
Os grupos de pressão, sobretudo
os líderes dos "movimentos populares", continuaram sendo agraciados
com benesses do Estado. Tudo sob a onipresente sombra de Lula. Sobretudo o MST,
que usava - e usa - a bandeira da reforma agrária como mero instrumento para
obter recursos do Estado e sustentar apoio político, e sempre funcionou como
partido político, canalizando milhões de votos.
O Estado e toda a sua máquina passaram a servir os interesses de Lula. Não
só pelos seus 23 mil cargos de nomeação direta. Fez mais. Transformou as
empresas e bancos estatais, e seus poderosos fundos de pensão, em instrumentos
para o PT e toda sua ampla clientela. Estabeleceu uma rede de controle e
privilégios nunca antes vista na nossa história. Foram distribuídos milhões de
reais para sindicatos, associações, ONGs, intelectuais, jornalistas
chapa-branca, criando assim uma rede de proteção de desmandos do governo: são
os tonton-macoute do lulopetismo, sempre prontos para a ação.
Novos escândalos: nepotismo no
Senado, escândalo dos "atos secretos". Sarney nada fez e ainda teve, contra si, onze
denúncias que apontavam, entre outras faltas, casos de sonegação fiscal, a
utilização privada de funcionários da Casa e a nomeação de afilhados por meio
de atos secretos. Mas o batalhão de choque do Senado, liderado por Renan
Calheiros e com o apoio de Fernando Collor, convenceu o presidente da Comissão
de Ética do Senado, Paulo Duque (PMDB-RJ), suplente de Sérgio Cabral, a
arquivar os pedidos de abertura de processo. Aloísio Mercadante, supostamente
indignado, discursou: " Eu subo hoje à tribuna para apresentar a minha
renúncia à liderança do PT em caráter irrevogável."
Bastou um telefonema de Lula para fazê-lo mudar de ideia. Normal. O controle de Lula sobre o PT, mais uma vez, era demonstrado. Impusera sua vontade e sequer se preocupava em ferir susceptibilidades. O partido nada mais era do que o instrumento de sua vontade. Como sempre, ética, moral e caráter se mostravam irrelevantes para Lula e seus aliados. O que lhes importava era manter, a qualquer preço, o PT no governo.
Bastou um telefonema de Lula para fazê-lo mudar de ideia. Normal. O controle de Lula sobre o PT, mais uma vez, era demonstrado. Impusera sua vontade e sequer se preocupava em ferir susceptibilidades. O partido nada mais era do que o instrumento de sua vontade. Como sempre, ética, moral e caráter se mostravam irrelevantes para Lula e seus aliados. O que lhes importava era manter, a qualquer preço, o PT no governo.
O III Programa Nacional de
Direitos Humanos, com 73 páginas, era um verdadeiro documento
marxista-leninista-autoritário. Entre seus pontos, todos eles polêmicos, estava a
"instituição de critérios de acompanhamento editorial a fim de criar um
ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de
direitos humanos". Era uma forma velada de censura, inconcebível em uma
democracia. Antes de cair no esquecimento o Programa serviu para mostrar a veia
autoritária do PT, além de mobilizar petistas e setores próximos para a campanha eleitoral que se avizinhava.
Às vésperas das eleições, as
pesquisas não muito satisfatórias levaram o PT a "repaginar" Dilma. A
radical operação plástica operada antes não teria sido suficiente. O ar sisudo se transformou, da noite
para o dia, em simpatia. Começava a sorrir nas cerimônias públicas - e por
qualquer razão. Desenterraria a mineirice até na fala, alterando o tom de voz e
a postura, procurando compensar a notória limitação na oratória. Virou verde,
defendendo o meio ambiente em todas as suas falas. Era o autêntico figurino
"Dilma Paz e amor" imposto pelo publicitário João Santana.
Na homologação oficial da
candidatura de Dilma, a futura presidente citou Lula trinta vezes. A cada uma delas o
público urrava: "Lula tá com ela, eu também tô". Lula, um exemplo
para todos. O mesmo que tentou coagir o ministro do STF, Gilmar Mendes, a adiar
o julgamento do mensalão para depois das eleições. Uma ação antirrepublicana
que bastaria para afastar para sempre da vida pública qualquer político de um
país sério. Mas, não esqueçamos, estamos no Brasil.
A eleição de Dilma, em outubro de
2010, não causou portanto surpresa alguma.
A ERA DILMA
No discurso de posse de Dilma, Lula
estava inebriado com a (sua) vitória. Afirmou que a solução para o problema econômico, no
Brasil, não fora dada por "nenhum doutor, nenhum americano e nenhum
inglês, mas por um torneiro mecânico pernambucano". Dilma, por sua vez,
leu o discurso preparado por seus assessores.
Usou imagens gastas, pobres e de gosto duvidoso. Como uma mãe patética, chamou os cidadãos de
"queridos e queridas". Acrescentou que "a
aparente suavidade da seda verde-amarela da faixa presidencial" não
escondia "a força e o exemplo da mulher brasileira". Prometeu ser
rígida contra e corrupção e foi aplaudida por José Dirceu. Não bastasse a semelhança com Cristo, Lula virou o Moisés brasileiro, que levou o povo brasileiro à outra margem da história.
Seu programa de governo foi
apresentado com a energia de um burocrata do socialismo real. Ao final do
discurso, palmas protocolares foram ouvidas. A adesão da plateia, no parlatório
do Planalto, foi ao estilo da antiga Alemanha Oriental. Na base aérea, como
numa república de bananas, ouviu uma banda militar tocar o hino do Corinthians.
A festa de recepção organizada no ABC paulista tinha Sarney como convidado de
honra. Ele, que durante as célebres greves dos metalúrgicos, como fiel
escudeiro da ditadura militar, havia apoiado todas as medidas repressivas. Os
políticos têm memória curta e seletiva, de acordo com as suas conveniências.
De cara as 37 pastas ministeriais
foram loteadas entre os partidos da coalizão que havia apoiado Dilma: PT, PSB,
PP, PR, PDT e PCdoB. O PT elegeu uma grande bancada no Congresso Nacional.
Com a copa do mundo e Olimpíadas à
vista e com a necessidade de gastar dinheiro com a infraestrutura necessária
para os jogos, Dilma lançou uma Medida
Provisória, aprovada pela Câmara dos Deputados, que permitia ao governo federal
manter em segredo orçamentos feitos pela União, estados e municípios com vista
às obras. Era um escândalo. Nem as ditaduras que o Brasil teve no século XX
ousaram proibir a divulgação de gastos públicos. Dada a repercussão negativa, o
governo viu-se obrigado a voltar atrás. Mas, enquanto os estádios eram erguidos
formalmente como PPPs (parcerias público-privadas) o dinheiro público bancava
mais de 60% dos obras, em alguns casos alcançando 80%. Dispensadas de
licitações, sabemos no que deram as PPPs: o valor de algumas obras chegou a
quintuplicar.
O uso político do BNDES
prosseguiu, favorecendo grande grupos empresariais. Vários ministros,
recém nomeados, caíram sob o peso de denúncias de corrupção que lhes pesavam
sobre as costas. Dilma não sabia de nada, e ainda posava de faxineira.
Desprovida de carisma, a "presidenta",
como seu mau gosto eleitoreiro exige que
seja chamada, adotava uma postura de raiva que lhe confere o aspecto de uma mãe
preocupada com seus filhos. Em um país com baixíssima consciência política, a
imagem era perfeita.
E os escândalos continuaram:
Conab, que empregou filhos e outros parentes de senadores e deputados,
Carlinhos Cachoeira, operação Porto Seguro. O cenário econômico mostrou sinais
de fadiga. O crescimento, baseado no consumo, resultou em famílias endividadas.
Enquanto sobem as despesas de custeio, as taxas de poupança e investimento são
insuficientes. Voltamos ao padrão de crescimento "voo de galinha". E,
para piorar, ingerências na Petrobrás e em companhias de energia levam a
resultados desastrosos, deixando evidente seu populismo eleitoreiro.
A popularidade da presidente
continua alta. Como explicar? Ações eleitoreiras, a eficiente propaganda
governamental, o uso da máquina pública e a consolidação alianças espúrias (Lula tirou fotos com o inusitado apoiador
de Fernando Haddad na prefeitura de São Paulo, Paulo Maluf, que declarou sem
constrangimento para nenhum dos dois: " Não tem mais no mundo esquerda e
nem direita. O que tem hoje é éfficacité").
Mas medidas de cooptação de
segmentos inteiros da sociedade e, sobretudo, a inexistência de uma eficaz ação
oposicionista tiveram significado relevante.
Inaugurava-se a era Dilma, com o
típico estilo de adotar medidas imediatistas, dourar o futuro e transformar a
gestão do país em uma aventura fadada ao fracasso.
O que nos espera, nós sabemos. A
era Lula, infelizmente, não acabou.
CONCLUSÃO
Lula é frutos de seus eleitores.
Nada seria sem eles. Sua irreverência sarcástica, seu desprezo pelas leis e
pela ética, seu pragmatismo imediatista e sua ojeriza pela classe média informada são compartilhados, inteiramente ou em parte, por uma grande parte da
população brasileira, seus eleitores incondicionais, mas principalmente os militantes.
Lula, tratando-se de pobre operário fabril que
nunca foi, fez-se de bom selvagem, figura
que sempre atraiu a simpatia dos brasileiros, cuja consciência política é
notoriamente baixa. Um doutor nunca faria melhor. Atraiu, sobretudo, a intelectualidade tupiniquim, sempre ávida
por expiar seu sentimento de culpa latente, não resolvido, e transferi-lo para
uma "elite atrasada e reacionária". Os mais pobres, como sempre, são usados como massa de manobra.
O PT soube construir um mito
fundador, em 1980, enquanto desconstruía o passado da esquerda mundial e
brasileira, eivada de horrores e de gestos autoritários. Um novo tempo começava
com o partido da estrela. Lula logo assumi o papel de liderança suprema do
partido, eliminando as lideranças que não aceitassem papel subalterno a ele. Ao
dissidente era reservado o opróbrio eterno. Mas Lula sempre desprezou o debate mais
aprofundado de ideias. Sabia que nesse terreno seria sempre derrotado. Construiu-se
um culto à sua personalidade que continua em nossos dias. Seus defeitos são sistematicamente
transformados em qualidades. Para manter-se vivo politicamente, abusou da
propaganda partidária e da aliança com "picaretas" do Congresso.
O Bolsa família caiu como uma
luva, soldando o novo tipo de coronelismo petista. Se as 14 milhões de famílias
do programa identificaram em Lula a razão do recebimento do benefício, sabem
que, para serem cadastradas e mantidas
no Bolsa Família, dependem do chefe local. E os governichos criminosos permanecem
dominando milhões de pré-cidadãos.
Nos fóruns internacionais, o país
se transformou em aliado preferencial das ditaduras e adversário contumaz dos
Estados Unidos. Enquanto o eixo dinâmico do capitalismo foi se transferindo
para a região Ásia-Pacífico, o Brasil aprofundou ainda mais a sua relação com o
Mercosul. Em vez de buscar novas
parcerias, optamos por transformar os governos bolivarianos em aliados
incondicionais.
Entre os artistas , a dependência
estatal foi se ampliando. Uma simples peça de teatro, um filme, um show
musical, nada mais é realizado sem que tenha a participação do Estado, direta
ou indiretamente. Ter boas relações com o lulismo virou condição indispensável para a obtenção de
"apoio cultural".
O movimento sindical foi apresado
pelo governo. Novos pelegos controlam com mão de ferro "seus"
sindicatos.
Não será fácil retirar o PT do poder. Foi
criado um sólido bloco de sustentação que - enquanto a economia permitir - satisfaz o topo e a base da pirâmide. Na
base, com os programas assistencialistas que petrificam a miséria mas garantem
apoio político e algum tipo de satisfação econômica aos que vivem na pobreza.
No topo, atendendo ao grande capital com uma política de cofres abertos, em que
tudo pode, bastando ser amigo do rei.
2002-2010 foi uma década perdida
para o país. Perdemos um momento único na história recente do capitalismo. A
bonança chinesa, a mudança do eixo dinâmico capitalista da economia atlântica
para a região Ásia-Pacífico, a alta das commodities,
a ascensão dos países emergentes, a
eficiência de padrão internacional de vários setores da economia nacional -
tudo conspirou a favor para que déssemos um grande salto e enfrentássemos
desafios em outro patamar. Mas o PT não tinha e não tem projeto para o país. O que tinha e
tem é um mero projeto de poder, de tomar o Estado e transformá-lo numa correia
de transmissão para seus interesses partidários.
E conseguiu. Até quando, depende de nós.
E conseguiu. Até quando, depende de nós.
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