sexta-feira, 8 de julho de 2016

RAROS MOMENTOS




Pedro Lobo Martins 








Estava eu despretensiosamente assistindo a um belo video (acima) no facebook, passado no Rio de Janeiro em meados da década de 1920, quando tive uma feliz surpresa: no finalzinho do filme vejo um jovem elegante, de chapéu e bengala, que desce as escadas sorrindo, cumprimenta o condutor do bondinho do Pão de Açúcar com um leve movimento da cabeça e... passa à posteridade.




Mauro Lobo Martins, no filme: um raro momento


Sua fisionomia logo me chamou a atenção: parecia-se muito com meu avô Mauro Lobo Martins (1904-1995), que à epoca estudava medicina na Faculdade da Praia Vermelha, a mesma que aparece no filme, e onde se formaria em 1928, aos 24 anos de idade. Um programa de reconhecimento facial, analisando muitas variáveis comparativamente a fotos contemporâneas, confirmou que era ele mesmo.


Formatura - 1928

Mauro (à esquerda) com seu pai e irmãos - c.1930

Imaginei a cena: era um bonito dia de sol entre nuvens, em que a brisa marítima soprava leve, quando Mauro resolveu subir ao Pão de Açúcar. Recostando sua bengala junto à mureta, observou atentamente as sombras que se projetavam sobre o prédio de sua faculdade. Girando a cabeça, ajeitou os óculos e perscrutou a vastidão do oceano, procurando distinguir a leve curvatura do horizonte. Agora olhando na direção do morro da Urca, percebeu o teleférico aproximar-se, rápido e estável, impressionando-se com a silhueta humana que, ao contrário, equilibrava-se sobre o carro, prestes (esperava que não) a precipitar-se no abismo.


Não podia perder tempo. Seus colegas o esperavam. O bondinho permaneceria ali, mais ou menos o mesmo, até o fim dos tempos; sua juventude, não. Percebendo o carro rapidamente chegar, desceu ligeiro as escadas, antecipando com um rápido sorriso as horas agradáveis que passaria com os amigos, ao mesmo tempo em que se ria da possibilidade de "perder o bonde". No patamar da "Sahida" (e entrada), alguns poucos passageiros já esperavam sua vez de entrar no teleférico: duas senhoras bem trajadas, largos chapéus, duas ou três bonitas moças, um enfadado rapaz. O condutor pôs seus olhos no jovem Mauro. Este, recompondo-se, cumprimentou-o com um leve movimento de sua cabeça. Foi um breve e raro momento.
                                                                   
Meu avô gostava de contar uma piada sobre o bondinho do Pão de Açúcar. Dizia que, por ocasião da inauguração da primeira parte do teleférico, entre a Praia Vermelha e o morro da Urca, em1912, Hermes da Fonseca, que não primava pela inteligência, estava lá. Informaram-lhe que o bondinho era puxado por um forte cabo. O presidente da República, impressionado, expediu uma ordem: que promovessem imediatamente o tal sujeito, tão cheio de energia e valoroso, a sargento!


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Mauro Lobo Martins voltou para Belo Horizonte. Casou-se em 1934 com Luiza Ferraz Ribeiro da Luz, com quem  viveu por mais de 60 anos e com quem constituiu família: cinco filhos, dezessete netos, muitos bisnetos.



Luiza e Mauro (1934)




Faleceu, após uma longa vida, em sua própria cama. Segurava firme a mão deste neto que ora fantasia aqueles seus raros momentos, noventa anos atrás, no alto do Pão de Açúcar, mas que sempre teve por bem certas as suas muitas virtudes, os seus constantes exemplos, a sua lembrança. Lembrança agora mais vívida, ainda que um pouco amarelada pelo tempo.



Mauro, ao final de sua longa vida

São esses raros momentos que tornam a vida mais viva.


 



                                                                       


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